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A Anorexia Nervosa nos homens heterossexuais e o crescimento da Vigorexia: uma reflexão sobre o comportamento contemporâneo

Na leitura do DSM IV encontramos que os Transtornos Alimentares caracterizam-se por severas perturbações no comportamento alimentar e na imagem corporal, distinguindo aí, dois diagnósticos particulares: Anorexia Nervosa e Bulimia Nervosa.
Resumidamente, a Anorexia Nervosa tem como características principais a recusa do indivíduo em manter o peso corporal dentro de uma faixa normal mínima esperada para a idade, distorção da imagem corporal e amenorréia. Já a Bulimia Nervosa é caracterizada por episódios recorrentes de compulsões alimentares e vômitos auto-induzidos procedentes de culpa por ter comido, apresentando também um mau uso de laxantes, diuréticos ou outros medicamentos, além de períodos de jejuns ou exercícios excessivos.

Ambos os diagnósticos trazem a perturbação na percepção da forma e do peso corporal como um alicerce fundamental da patologia e pontuam alta freqüência de comorbidade depressão.

É importante ressaltar que, ainda dentro do DSM IV, temos outra classe no capítulo de transtornos alimentares categorizada como “Transtorno Alimentar Sem Outra Especificação”, são aqueles que não satisfazem aos critérios de um Transtorno Alimentar particular. É o caso da obesidade simples, que está incluída no CID 10 como uma condição médica geral e inexistente no DSM IV, pois não há uma associação consistente com uma síndrome psicológica ou, de acordo com o DSM IV, “comportamental”.

Outro transtorno, ainda não classificado pelo DSM IV, mas já é reconhecido no meio científico é o denominado como Vigorexia. Ao contrário da Anorexia Nervosa, que é mais prevalente nas mulheres, a Vigorexia é mais comum no sexo masculino, tendo como característica principal o desejo de ficar cada vez mais musculoso e forte, sem que o indivíduo tenha limites para os exercícios físicos, passar muitas horas diárias em academias e uso de anabolizantes e esteróides em busca de um corpo perfeito.

A Vigorexia estreita-se com a Anorexia no aspecto tangente à imagem corporal distorcida e a vergonha do próprio corpo. Os indivíduos com Vigorexia consideram-se magros e fracos, chegando a se sentir esqueléticos, na busca de lidar com sua baixa-estima tentam transformar seus corpos.

Refletindo a cerca da Anorexia e à Bulimia Nervosa, além da Vigorexia, colocarei neste raciocínio algumas questões que me instigam e me inquietam sobre esses temas e, creio eu, aí está o espírito do pesquisador e daquele que busca o conhecimento.

Existem estudos epidemiológicos que denotam um crescimento de alguns Transtornos Alimentares na contemporaneidade simultaneamente com a evolução do padrão de beleza feminino mais rígido quanto ao peso, fazendo com que os indivíduos busquem cada vez mais, e com mais rigor, um corpo mais magro e perfeito. Esses estudos (Garner & Garfinkel, 1980), fundamentam-se na tese de que a Bulimia e a Anorexia Nervosa são mais prevalentes nos países Ocidentais e, nitidamente, sua máxima porcentagem do sexo feminino, sobretudo aquelas pertencentes à chamada classe média-alta, trazendo aí um conteúdo para a conexão e a reflexão com fatores sócio-culturais.

Daí, subtrae-se a tese de que os Transtornos Alimentares podem estar ligados à cultura, desse modo, parece existir uma pressão cultural para que o indivíduo emagreça e isso geraria uma preocupação excessiva com o próprio corpo e, por conseqüência, o medo irregular e irracional de engordar, além de uma grande ansiedade acompanhada de alterações no esquema corporal.

No período dos séculos XVII e XIX, a Anorexia Nervosa era denominada como Anorexia Histérica, Apepsia Histérica e Compunção Nervosa e era considerado um transtorno exclusivo do sexo feminino. Com o passar do tempo, os hábitos, costumes, culturas, preferências, enfim, foram modificando e hoje, século XXI, temos a exposição corporal como algo mais significante que a condição privada do indivíduo. Em tempos de narcisismo o privado torna-se público, a invisibilidade não é suportada, pois só existimos pelo olhar do outro.

As estatísticas mostram que 90 % dos indivíduos portadores de Transtornos Alimentares são do sexo feminino, e dentro desse percentual as idades estão entre os 14 e os 18 anos, e atualmente a idade vem decrescendo para menos de 12 anos.

Pesquisas também apontam outro dado intrigante que é um índice de prevalência baixa para mulheres com orientação sexual homossexual, percentuais semelhantes nos meninos heterossexuais, enquanto que os meninos homossexuais têm números próximos aos das meninas heterossexuais.

Como um momento de reflexão, pinço uma frase de Maria Helena Fernandes (Fernandes, 2006):

…será que a demanda pulsional é maior na menina? Ou será que a demanda pulsional é mais difícil de administrar no caso da menina do que do menino?…
O propósito desse trabalho é traçar um paralelo entre a sexualidade com o ponto de vista psicanalítico e a cultura como indutivo à subjetivação do individuo.
Como cenário do meu pensamento, repasso uma reportagem com o título “Garotos já ocupam 60% dos leitos para anorexia no HC”, apresentada pelo jornal Folha de São Paulo, de 25 de fevereiro, mostrando que o número de pacientes do sexo masculino com a anorexia nervosa está crescendo.

Abaixo segue a íntegra da matéria:

Em 2 meses, tratamento específico para homens já tem 16 pacientes, 6 deles internados. Psiquiatras e psicólogos também apontam aumento na procura de meninos em consultórios; fenômeno ainda é uma incógnita.

Tradicionalmente associada ao universo feminino, a anorexia tem atingido cada vez mais homens. Hoje, eles ocupam 60% dos leitos da enfermaria do Ambulim (Ambulatório de Bulimia e Transtornos Alimentares) do Hospital das Clínicas de São Paulo, o primeiro do país a ter um grupo específico para tratar anoréxicos.

Em dois meses de funcionamento, o grupo conta com 16 jovens com idade média de 18 anos em tratamento, seis deles internados porque corriam o risco de morte.

Eles ocupam seis dos dez leitos do Ambulim, onde antes só havia meninas. Em 15 anos de existência, o ambulatório só havia tido cinco casos de anorexia masculina.
O fenômeno ainda é uma incógnita, não está restrito ao HC e está sendo objeto de pesquisas em vários países. Especialistas em transtornos alimentares também têm registrado aumento na procura de meninos em seus consultórios.

Entre os jovens internados no HC, há casos dramáticos. Aos 18 anos, 1m75 de altura, um deles chegou ao hospital com 43 kg, um IMC (Índice de Massa Corpórea) de 14 -o esperado é acima de 19. Antes da internação, só chupava gelo. Outro tem histórico parecido: só comia duas folhas de alface por dia.

Segundo os especialistas, não há diferença entre a anorexia feminina e a masculina: em ambos os sexos, começam uma dieta por se acharem gordos e daí não param de perder peso. Quando comem, para aliviar a culpa, provocam o vômito.

Nos homens, a perda excessiva de peso causa queda dos níveis de testosterona, perda da libido e atrofia dos testículos. Também pode levar a um grau extremo da desnutrição, em que o índice de mortalidade chega a 15% dos casos.

Foi o medo da morte que levou o baiano Alex a procurar ajuda no HC. Ele desenvolveu anorexia há 11 anos, quando era adolescente. "Cheguei a pesar 39 kg e ainda me sentia gordo."

Para o psicólogo Raphael Cangelli Filho, coordenador do grupo de meninos no Ambulim, o diagnóstico da anorexia em homens tende a ser ainda mais difícil em razão da escassez de trabalhos científicos e do preconceito em torno do tema.
"Historicamente, os transtornos alimentares estão associados ao feminino. Muitos profissionais da saúde não estão familiarizados com o tema e familiares tendem a achar que a recusa em comer é frescura."

O psiquiatra Táki Cordás, coordenador do Ambulim, avalia que o aumento da anorexia entre meninos se deve, principalmente, ao fato de os homens estarem mais pressionados pela ditadura da beleza. "As grifes internacionais estão começando a colocar não mais rapazes musculosos para desfilar, mas aqueles de visual andrógino, cada vez mais magrinhos."

Já o psiquiatra Celso Garcia Júnior, coordenador do ambulatório de transtornos alimentares da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), acredita que o aumento seja mais reflexo de uma demanda reprimida do que de uma mudança do perfil da doença.

Ele confirma, porém, que no seu consultório particular ocorreu um crescimento na procura de meninos anoréxicos. No ano passado, atendeu três casos em um período de dois meses. Antes, nunca havia tido esse perfil de paciente.
A mesma percepção tem a psicóloga Paula Melin, do Nuttra (Núcleo de Transtornos Alimentares e Obesidade), no Rio de Janeiro. Em um período de três anos, ela viu quintuplicar a demanda de anoréxicos.

A exemplo de Cordás, Melin também acredita que tem crescido entre os homens a preocupação com o corpo perfeito. Ao mesmo tempo, ao emagrecerem muito, acabam vítimas de outro preconceito. É comum, eles ouvirem: "Por que está tão magro? Tá com Aids?'"

Ainda dentro do mesmo tema, o jornal trouxe alguns depoimentos de pacientes internados no Ambulim (HCSP):

FOLHA – Quando e como você desenvolveu anorexia?

ALEX
– Desde os 16 anos, mas a doença veio se agravar na fase adulta. Comecei a restringir os alimentos porque meu pai achava que eu comia muito, dava bronca. Fiquei com isso na cabeça e fui perdendo a vontade de comer. Quando comia, sentia-me culpado e vomitava.

FOLHA
– Nessa época você já se sentia gordo?

ALEX –
Não. A distorção da minha imagem começou por volta dos 18 anos. Olhava no espelho e me achava gordo, tinha pavor de engordar mais. Cheguei a pesar 39 kg e ainda me sentia gordo. Nessa época, meu pai e minha mãe brigavam muito, meu pai batia nela. Quando eu presenciava as cenas, corria para vomitar.

FOLHA
– Quando você sentiu que havia perdido o controle da doença?

ALEX –
Quando me mudei para São Paulo, há cinco anos. Eu não tinha mais ninguém para me vigiar. Antes, meus amigos me policiavam. Aqui em São Paulo cheguei a ficar dias sem comer, às vezes, nem água eu bebia. Quando conseguia, o pouco que eu comia botava para fora em seguida. Por fim, comecei a desmaiar. Uma vez, roubaram o meu celular.

FOLHA –
Como você se sente trabalhando com alimentos?

ALEX –
É horrível. Onde eu trabalho tem doce, salada, lanches, pizza e eu tenho de supervisionar tudo. É estressante olhar para a comida. Abrir o forno e sentir o cheiro é uma tortura para mim. Tenho a sensação de que até o cheiro vai me engordar. Sinto-me gordo, acho que tenho barriga. Por mim, o ideal seria estar com 41 kg e não com 46 kg. Sei que é uma doença, que meu peso atual está bem abaixo do ideal. Meu sonho é ficar curado.

No próximo parágrafo coloco, também na íntegra da mesma reportagem, o depoimento de um outro paciente (A. 16 anos), homem, internado no Ambulim (HCSP):

"Eu pesava 72 quilos. Sentia que as pessoas se afastavam de mim e achava que era porque eu era gordo. Gordo era a pior palavra que eu podia ouvir, morria de vergonha de ir a praias, clubes, sentia muita vergonha de mostrar meu corpo.
Muitas pessoas falavam para eu tomar vergonha na cara e fazer um regime. Aquilo ficou na minha cabeça e foi aí que resolvi fazer um regime rigoroso, sem aconselhamento de médicos. Tomava sopas de baixíssimas calorias, comia apenas frutas, legumes e verduras.

Mas, no dia 9 de julho [de 2006], minha mãe fez uma comida magnífica e eu comi excessivamente. Depois fui ao banheiro vomitar tudo. E daí não parei mais. Todos os dias vomitava umas cinco vezes. Em 20 dias, emagreci quase 15 kg. Depois de quatro meses, estava com 52 kg e doente. Não sentia gosto dos alimentos, tinha mau hálito muito forte, muita fraqueza e dores fortes no estômago.

No dia 6 de novembro, meu amigo me viu vomitando no banheiro da escola e contou para a professora, que contou para minha mãe.

Quando soube da notícia, minha mãe chorou muito e eu prometi que ia parar. Só que não foi tão simples. Já tive umas dez recaídas."

Completando a matéria, coloco o depoimento de Vitor (20 anos), que há três anos chegou a pesar 40 kilos:

"Sempre fui magro mas, em 2003, cheguei a 58 kg. Comecei a me sentir estranho. A coisa piorou em 2004, quando descobri que tinha transtorno bipolar. Os remédios do tratamento me engordavam. Comecei a passar dias sem comer ou comendo pouco, chegando a pesar 40 kg, IMC de 13,8.

Como já fazia tratamento para o transtorno, apenas alteraram para um remédio que me dava apetite. Cheguei a 64 kg, e, no início de 2006, abandonei o tratamento.

Fiquei bem até dezembro, quando começaram as recaídas, quatro no total. Atualmente, estou numa delas. Nesta semana, perdi 3 kg, fiquei com 52 kg, IMC de 18.

Minha família sabe, mas não comenta muito a respeito. No início, só faziam comidas gordurosas e eu ficava sem comer. Então, preferiram mudar para uma alimentação menos calórica e toda hora me oferecem algo.

Já conheci dois garotos com o problema. Um deles até ajudou a desmentir que a tal anorexia só recai em mulheres e homossexuais. Na última vez que tivemos contato, ele, que tem 1,78 m de altura, estava com 46 kg. A mídia tem colocado esse problema como algo restrito às mulheres. Mas existem sim homens anoréxicos e o preconceito é bem maior."

Pelo exposto na referida reportagem, os transtornos de Anorexia Nervosa e a Bulimia Nervosa estão acometendo um número maior de indivíduos heterossexuais do sexo masculino e isso pode legitimar que a cultura tem uma influência substancial no acometimento destas patologias.

Ainda me baseando em reportagens, em 11 de março de 2007 o mesmo jornal Folha de São Paulo, trouxe outra matéria com o título “Quem imita quem?”, cujo mote era discorrer sobre os entrelaçamentos dos costumes e da moda do universo gay e dos “machos”, ou seja, heterossexuais e homossexuais estão sendo confundidos esteticamente em função da obediência à moda. A matéria trouxe na linha fina do título o seguinte: “com visuais parecidos, gays machos e héteros bombados vão à mesma balada e confundem os freqüentadores da noite”

E colocou alguns comentários como: A simples observação do físico ou da atitude -dos acessórios, da música (eletrônica) e dos termos que o "brother" usa- não é mais suficiente para definir a orientação sexual dele. Na balada, a confusão é geral. Os dois grupos, que há até pouco tempo não se freqüentavam, agora dançam lado a lado, no mesmo balanço sobre pernas semi-flexionadas e dedos polegar e indicador em forma de "pistola"; muitos tiram a camisa na pista, mas não assumem que é para exibir o peitão; a maioria diz que "é calor".

No interior de São Paulo, em uma rave de música eletrônica, o representante de vendas Henrique Nunes, 22, chapéu, peito bombado, oblíquo do abdominal depilado, calça baixa, cinto Dolce & Gabbana, cueca Calvin Klein aparecendo, etc., etc., dança com a namorada, a modelo Valkiria Sinegali, 22, em uma rave de música eletrônica no interior de São Paulo: "Sou muito paquerado por homem, véio", diz Nunes.

Alex usa boné, costeleta comprida, bermuda baixa com o abdômen depilado aparecendo, uma corrente prateada no pescoço, tatuagem no braço. Diz que, no mês que vem, pretende tomar "bomba" pra ficar forte. Ele dá a entrevista ao repórter Paulo Sampaio em um bar na rua Farme de Amoedo, a mais gay do Rio.
Mas, afinal, quem imitou o outro? O dentista homossexual Diego Tavares, 30, diz que "os héteros seguem os gays". "Eles vêem que a gente é sarado, sabe se vestir, dançar, e está sempre rodeado das mulheres mais bonitas e desencanadas, e nos imitam para ver se conseguem se aproximar delas", diz Tavares, boné, correntão, peito bombado, depilado, tatuagem…

Os héteros acham que, ao contrário, o gay é que foi na direção deles. "A maioria quer parecer com a gente porque nos acha bonitos, e também para passar despercebida. Gay sente atração por "homem-homem", não por bicha afetada", diz o universitário Fernando Piedade, 23, boné, correntão, peito bombado, depilado.
No alucinante mundo eletrônico das aparências, o "homem-homem" a que Piedade se refere é uma imagem consensual, pasteurizada. Segue uma espécie de fórmula que leva todos a parecerem o mesmo. "Sou vaidoso e um pouco consumista, sim. Afinal, eu trabalho duro", diz o estudante de hotelaria Rodrigo Pompeu, 25, que depila o torso "para ficar mais definido". No momento, Pompeu está sem namorada nem camisa, e veste roupas e acessórios das grifes Ralph Lauren, Adidas, Armani e Prada (ele é heterossexual).

Ao ler as duas reportagens e seus depoimentos, e organizando a minha linha de raciocínio sobre o papel do masculino na contemporaneidade, faço uma referencia a Bauman (1997) quando afirmou que os prazeres da vida civilizada devem ser perseguidos, contrariando Freud nas escritas de “O Mal-estar na civilização” (1930) na qual a civilização constrói- se sobre a renúncia do instinto. Voltando a Bauman e à perseguição aos prazeres da vida, na contemporaneidade os ideais de beleza, pureza e ordem são efetivadas por meio da espontaneidade, do desejo e do esforço individual. A substituição da segurança pela liberdade marca a pós-modernidade e conflita-se não somente com o pensamento freudiano, mas com a própria essência do ser humano.

A antiga escrita de que você ganha alguma coisa e, em troca, perde alguma outra coisa, continua hoje tão (ou mais) verdadeira do em épocas passados. Todavia, os ganhos e as perdas mudaram de lugar, isto é, na pós-modernidade, os homens e as mulheres trocaram uma porção de suas possibilidades de segurança por uma porção de felicidade.

Como escreveu Bauman (1997):

…”os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais na busca da felicidade individual. Os mal-estares da pós-modernidade provêm de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais…”
Porque na pós-modernidade as pessoas estão tão narcísicas?

Ao falarmos de procura de prazer associamos ao princípio do prazer e princípio da realidade, sendo que o princípio do prazer traz como aspecto peculiar a quase absoluta parcela narcísica, buscando-se o prazer via uma gratificação que não pode ser esperada, é a tendência de uma descarga impulsiva inadiável. A renuncia ao prazer momentâneo e a troca pelo prazer adiado, limitado, porém seguro, está na contemporaneidade, restrito e não cumprido.

A substituição do princípio de prazer pelo princípio de realidade é o grande acontecimento traumático no desenvolvimento do homem. Segundo Freud, esse evento não foi único, pois se repete ao longo da história da espécie humana e de cada um dos seus indivíduos.

Nesse sentido, regido por um estado pleno narcísico e atuando dentro do princípio do prazer, a concepção masculina pós-moderna, tende a erotizar o corpo por completo, diferentemente de outrora quando a erotização estava no pensamento.
E aí está posta a questão; o homem está tomando o corpo para si ou para o outro? Está o homem contemporâneo disponibilizando-se em uma vitrine para ser admirado? Para quem se toma o corpo? A quem e para que se destina o prazer?
Refletindo-se sobre o pressuposto, da dominação do corpo nas meninas anoréxicas por suas mães sob a ótica psicanalítica, do por quê essa característica vincular seria alicerce nessa patologia; compreende-se que as meninas que tentam tomar para si, novamente, o próprio corpo expulsando as invasoras por meio da tentativa de criarem falta de espaço, ou seja, buscando a magreza corpórea essas filhas não sustentariam mais a habitação das duas dentro de si. Como esse conceito aplicar-se-ia as pessoas do sexo masculino?

É sabido que quando o adulto traz, inconscientemente, a representação corporal mal definida ou não separada – na temática em questão “não separada da mãe” – as experiências afetivas com o outro que tem importância para ela, trará como conseqüência uma explosão psicossomática, como se, em tais circunstâncias, não existisse senão um corpo para duas. A cada momento o psiquismo faz uso do corpo.

Quais explicações contemplariam a mudança deste paradigma, no que tange ao comportamento estético do jovem heterossexual similar ao do jovem homossexual? Estariam esses jovens heterossexuais empreendendo tais sacrifícios apesar de ao adotá-los ferirem os códigos sociais e culturais pré-estabelecidos para alimentarem os seus desejos, mesmo que para isso, confundam-se com os estereótipos homossexuais, misturando costumes e estéticas? Ou ainda, num pensamento otimista, estariam os homens deixando o preconceito e aceitando a orientação homossexual do outro?

Permita-me levantar a hipótese de que esse novo comportamento obsessivo masculino, pela busca de um corpo perfeito poderá aumentar o número de pacientes masculinos heterossexuais com os transtornos mentais, seja da Anorexia Nervosa, num cumprimento aos padrões estéticos impostos pela sociedade consumista, ou da Vigorexia (Síndrome de Adonis), sendo esta igualmente derivada da sociedade consumista e competitiva.

Para concluir a minha reflexão, trago um pensamento do filósofo Gilles Lipovetsky autor, entre outros, do livro “Metamorfoses da Cultura Liberal” (2007) e criador do termo “homem hipermoderno” (como continuidade ao homem pós-moderno):
“… o homem hipermoderno está fragilizado pelo medo de uma era de exageros… práticas que outrora eram privilégio das mulheres – como a moda e a cosmética – hoje cada vez mais se integram ao universo masculino. Em um sentido mais amplo, assistimos a uma feminização do design. As formas agora são mais doces, mais maternais e menos agressivas. Isso talvez seja a expressão de uma sociedade mais ansiosa, que acredita menos na modernidade e que deseja um bem – estar imediato. Pois as formas antigas eram uma espécie de profissão de fé na modernidade. Havia um esforço em destruir a tradição, enquanto hoje não se deseja destruir nada, mas, antes, conservar tudo. Hoje as formas pretendem transmitir paz, serenidade, razão pela qual o modelo dessa sociedade não é Dionisos, mas o zen…”


Referências bibliográficas:

ASSOCIAÇÃO PSIQUIÁTRICA AMERICANA. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM IV. Porto Alegre, Artes Médicas, 1994

BAUMAN, Z. O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor Ltda, 1998.

FERNANDES M. H. Transtornos Alimentares: anorexia e bulimia. São Paulo, Casa do Psicólogo, 2006

MCDOUGALL J. Teatros do Corpo: o psicossoma em psicanálise. São Paulo, Martins Fontes, 2000

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