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Adolescência e violência sexual na família: Um relato de experiência na 2ª vara da infancia e Juventude em Belém do Pará

Resumo

Este artigo se propõe a discorrer sobre a temática da adolescência e a violência sexual no âmbito familiar. A partir do relato de experiência na 2ª vara da infância e juventude da capital Belém, campo de atuação de estágio de Psicologia jurídica. O texto examina reflexões suscitadas sobre a prática do psicólogo jurídico na vara de infância e juventude, seus impasses e dificuldades. Assim como, a importância do trabalho interdisciplinar da equipe técnica da referida vara.

Palavras-chaves: Adolescência, violência sexual, psicólogo jurídico, 2ª vara da infância e juventude. 

Introdução
                
O presente artigo foi elaborado com a intenção de buscar algumas informações sobre o tema da adolescência, e da violência sexual no contexto familiar, visto que é um fenômeno crescente no âmbito jurídico. As considerações feitas aqui, partiram do resultado do atendimento de um caso de violência sexual na família de uma adolescente.
                                  
O estágio em Psicologia Jurídica da Universidade da Amazônia iniciou no primeiro semestre de 2007, no mês de maio. Um dos campos de estágio inseridos foi a 2ª vara da infância e juventude de Belém do Pará. A equipe do Juizado é composta por 3 psicólogas, 3 assistentes sociais e 2 pedagogos. Sendo que a mesma atua de forma interdisciplinar.
                   
Segundo Altoé (1999), a partir dos anos 90 a prática do psicólogo se diversificou e ampliou o seu campo de ação junto ao sistema judiciário. Antes dessa época o trabalho do psicólogo quase se restringia a fazer perícia e parecer. Desde então ganhou novas habilidades. O seu trabalho atualmente apresenta novas categorias de atuação como a de informar, apoiar,
acompanhar e dar orientação pertinente a cada caso atendido nos diversos ramos  da psicologia jurídica no Brasil. Tem-se priorizado a formação de uma  equipe interdisciplinar, que discute as questões teóricas que na prática cotidiana o estudo de caso coloca, do acompanhamento psicológico, das atividades de integração e intercâmbio com outros profissionais.  

Ainda Altoé (1999) destaca que o psicólogo atuando com outros profissionais em uma equipe multiprofissional, facilita no auxílio da resolução dos conflitos  que fazem com que a família recorra ao poder judiciário. Aí encontra um profissional individualista que se limita a fazer pareceres e laudos para o juiz aplicar a lei, que muitas vezes não é cumprida. Assim, expressa-se a repetição de problemas familiares não elaborados. O processo retorna à justiça e se alonga por anos sem a resolução dos conflitos das pessoas envolvidas na demanda jurídica.  
                          
Conforme França (2004), a psicologia Jurídica é uma área de especialidade da psicologia e por essa razão, o estudo desenvolvido nessa área requer uma perspectiva psicológica que resultará num conhecimento específico. Ou seja, é uma das denominações para nomear esta referida área com o sistema de justiça. Logo, a palavra "jurídica" torna-se mais abrangente, tendo em vista que este termo abrange um campo muito maior que o termo "Forense", o qual estaria aplicado somente a foros. Além disso, a palavra jurídica refere-se aos procedimentos ocorridos nos tribunais, assim como aqueles que são fruto da decisão judicial ou aqueles que fazem parte do interesse jurídico ou do direito. As avaliações psicológicas são instrumentos de extrema importância no trabalho do psicólogo Jurídico. Mas sua atuação não se limita a elas, pois há outras atividades como: orientações e acompanhamentos; contribuir para políticas preventivas, estudar os efeitos do jurídico sobre a subjetividade do indivíduo etc.     
           
No campo de estágio, no setor de psicologia são realizados os atendimentos com adolescentes e /ou jovens em conflito com a lei, os quais são breves, quando, então, há as seguintes atividades: interpretação de medida (quando há uma explicação da medida para o adolescente na presença dos responsáveis e o orientador da unidade correspondente a medida.); audiências de justificação,(quando o adolescente está em descumprimento de medida e apresenta-se então no juizado para justificar); e encerramento de medida (é o mesmo que sanção, a qual é aplicada ao adolescente pela prática de ato infracional).
O encerramento de medida,  acontece quando o  adolescente assina o processo, ou seja, cumpriu a medida de maneira satisfatória. Além disso, são feitos perícias e estudos de casos. Os mesmos são avaliados com o objetivo de auxiliar o(a) juiz(a) a esclarecer melhor os fatos ocorridos conforme os autos, visto que os mesmos podem apresentar contradições na declaração dos envolvidos.  
           
Os estudos são realizados a partir de uma determinação do juiz para esclarecer os autos e acompanhar mais profundamente o caso se necessário.  Sendo que os mesmos são realizados interdisciplinarmente com prazo determinado dependendo da peculiaridade apresentada.                          
                
O caso a partir do qual iniciamos nossa reflexão sobre o tema desse artigo, despertou atenção na equipe pelo fato de  envolver o aspecto familiar. Visto que, o agressor possui grau de parentesco com a vítima, são primos. Além disso, a genitora da vítima é madrinha do acusado. Logo, pelas informações nos autos, após a violência sexual, apresentaram-se conflitos entre as famílias, assim como, inúmeras contradições sobre o ato, as quais foram manifestadas no relato de ambos os primos, nos autos.  Portanto o referido caso reuniu reflexões surgidas na equipe sobre a prática de supervisão e atendimento de famílias encaminhadas para atendimento psicológico, após denúncia ou suspeita de abuso sexual na adolescência envolvendo parentes próximos.             


Adolescência e Violência Sexual na Família

A Violência é toda e qualquer forma de opressão, de maus tratos, de agressão, tanto no plano físico como emocional, que contribuem para o sofrimento de uma pessoa. Quando manifestada no período da adolescência pode acarretar dificuldades no desenvolvimento físico e psíquico ( ARAUJO, 2002).         
             
Dentre as diversas formas de violência que conhecemos existe a violência sexual. Segundo Queiroz (2001), a violência sexual é uma agressão à liberdade do indivíduo, sobretudo, ao adolescente, é uma manifestação extrema do domínio de uma pessoa sobre outra. O que pode ocasionar conflitos internos, principalmente para o(a) adolescente vítima desse tipo de violência. Existem alguns tipos de violência sexual como: abuso sexual, atentado violento ao pudor e exploração sexual comercial (prostituição) de acordo com a conceituação jurídica.
            
Araújo (2002) assinala sobre esta reflexão quando se refere ao âmbito familiar, sobretudo à violência, que é uma constante. Designada de violência intrafamiliar, sobretudo, entre parentes próximos que podem ou não viverem no mesmo ambiente parental ou distante o que não impede a possibilidade de ocorrência da mesma.                   
                  
Contudo a violência sexual é uma realidade no âmbito familiar, quebrando o mito da família "feliz", "segura", "protetora", inviolável. Assim, na instituição jurídica há casos de todas as formas de violência contra a criança e, o adolescente. Ocorre geralmente na família o que condicionamos chamar de abuso sexual. (Marin, 1999).
                 
Em se tratando de "abuso" é um tipo de violência sexual. Sendo que Abusar é precisamente ultrapassar os limites e, portanto transgredir. Abuso contém ainda a noção de poderio, ou seja, o abuso de poder ou de astúcia, abusar na confiança da lealdade, o que significa que houve uma intenção e que as premeditações estão presentes. O abuso sexual é o caso de um(a) adolescente ser submetido(a) por outro para obter gratificação sexual. Envolve o emprego, uso de persuasão, indução, coerção ou qualquer experiência sexual, que interfira na saúde do indivíduo, incluindo componentes físicos, verbais e emocionais. O abuso sexual é o mais difícil tipo de violência a ser identificado e de ser admitido, pois o interesse da lei esbarra no falar de incesto. (ARAÚJO, 2002)                     
                               
De acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente de 8.069/90 art. 2º considera-se criança para efeitos desta lei a pessoa até 12 anos de idade incompletos, e adolescentes aquele entre 12 e 18 anos de idade. Podemos entendê-la como também um período que se estende de aproximadamente 12 anos até os 20 anos. Este período é caracterizado pelos indivíduos estarem em fase escolar, em busca de uma profissão, geralmente dependendo ainda dos pais, ocorrendo uma grande transição, em relação ao apego à família e ao grupo de iguais. (OLIVA E PALÁCIOS, 2004).   
        
A adolescência é um período em que se vê de uma maneira mais nítida a formação da identidade. Aberastury (1981) assinala para essa reflexão, também a impotência do(a) adolescente frente às mudanças corporais, as penúrias de identidade, o papel infantil em combate com a nova identidade e suas expectativas sociais fazendo com que recorra a um processo de negação de mudanças. Elas vão se realizando gradativamente nas figuras e imagens correspondentes dos pais e no vínculo com eles, substituindo, então a imagem primária infantil dos pais.
           
Ainda Aberastury (1981) ressalta que na adolescência há uma identificação infantil com as figuras parentais, porém, a perda do corpo infantil faz com que o papel infantil também se perca mudando a imagem dos pais infantis por uma imagem atual. Esse é o momento crucial que se refere à adolescência, no que diz respeito às mudanças que podem ocorrer no sujeito, pois nessa hora terá que começar a tomar decisões que irão ser de suma importância para seu futuro.
          
Casos de violência sexual na adolescência são uma realidade apresentada na instituição jurídica da 2ª vara da infância e juventude. Sendo cada vez mais importante a atuação do psicólogo jurídico no atendimento psicológico a esse tipo de demanda apresentada.  Este, depara-se com impasses e dificuldades no que se referem ao atendimento a ‘’vítimas’’ de violência sexual.  Visto que, em qualquer instituição judiciária a demanda de violência requer uma escuta atenta, manifestando um posicionamento de neutralidade e supressão de julgamentos imediatos. Tanto no que se refere aos atendimentos das vítimas;  acusados(as) e aos  familiares envolvidos nos autos, sendo uma dificuldade e até mesmo um  impasse  na prática do psicólogo.  Segundo Marin (1999) já existe um submetimento a uma culpa ou uma expectativa de ‘’resolução’’ colocada nas mãos de um poder absoluto que o judiciário representa, com a delimitação de prazo para acompanhamento e estudo psicossocial do caso.                   
Marin (1999) alerta para o cuidado que o profissional da psicologia jurídica deve apresentar a esse sistema que tende a se reorganizar rapidamente e a procurar um bode expiatório que responda por toda a culpa pelos problemas apresentados. Então é fundamental relembrarmos que todos os membros da família estão envolvidos e respondem por parte da violência em questão.                    
                    
Contudo, torna-se fundamental que o psicólogo possa ter uma escuta que contemple todas as subjetividades, reconhecendo as necessidades de cada um dos membros da família, entendendo o grupo e ajudando a reconhecer as fraquezas, impotências e procurando resgatar formas mais aceitáveis de satisfação de seus desejos.  
         
Silva (2003) apud Cesca (2004) faz muito bem notar sobre essa reflexão, quando afirma que a função do profissional da área jurídica, sobretudo, o psicólogo jurídico consiste em interpretar a comunicação inconsciente que ocorre na dinâmica familiar e pessoal. Deve ter por objetivo, destacar e analisar os aspectos psicológicos das pessoas envolvidas como, por exemplo, questões afetivo-comportamentais da dinâmica familiar que estão ocultas, ou seja, por trás das relações processuais. O objetivo é de  garantir os direitos da criança e do adolescente no intuito de auxiliar o juiz na tomada de uma decisão que atenda de maneira mais viável as necessidades das pessoas envolvidas no processo.

 
Relato de Experiência

Este artigo ilustra um caso que focaliza um tipo específico de violência familiar: o abuso sexual na adolescência praticado por parentes próximos, dentro do próprio lar. Reúne reflexões surgidas a partir do acompanhamento de um processo de abuso sexual com uma adolescente. Sendo que a mesma foi abusada pelo primo também adolescente. Porém, durante a audiência de continuação na 2ª vara da infância e juventude o abusador negou a autoria do ato, assim como a vítima não soube esclarecer o fato de maneira significativa apresentando contradições nos autos. Portanto, foi solicitado por determinação judicial, um estudo chamado de  psicossocial,  para ser realizado pela equipe da 2ª vara da infância e juventude com o objetivo de esclarecimento dos autos e facilitar na sentença da juíza.  

O referido caso nos remete ao que Araújo (2002) aponta que o atendimento de abuso sexual gera muita ansiedade nas equipes de saúde por conta das dúvidas levantadas e a veracidade ou não da denúncia estabelecida nos autos, instaura-se aí uma confusão entre papéis dentro da própria família, sobretudo os papéis de: mãe, pai, filho(a), tio(a) etc. Assim como o estabelecimento de  "funções" determinadas pelos referidos papéis mencionados, para satisfazer desejos e necessidades pessoais. Para fins de dominação – exploração principalmente em se tratando de um caso de abuso sexual na família.  Sendo que, tais comportamentos deixam a criança ou adolescente tenso. Assim como, a criança ou adolescente pode ficar confuso(a) e dependendo do tipo de relação que mantém o agressor, ela oscila entre calar ou denunciar tais atos praticado por alguém, que por obrigação deveria lhe dispensar cuidado e proteção.

Detendo-se ao atendimento psicológico foram realizadas entrevistas com os pais da adolescente. Assim como, também com os responsáveis do agressor no caso o primo da vítima , também adolescente. Durante o acompanhamento da entrevista com a técnica do setor de psicologia da 2ª vara da infância e juventude o adolescente, verbalizou que considera sua relação familiar satisfatória apesar de referir dificuldade de relacionamento com o genitor.
                
Durante o acompanhamento da entrevista com a técnica do setor de psicologia da 2ª vara da infância e juventude o adolescente verbalizou que considera sua relação familiar satisfatória apesar de referir novamente a dificuldade de relacionamento com o genitor. Mencionou que não tinha oportunidade de conversar com o pai em nenhum aspecto de sua vida como: drogas, sexualidade etc. "(…) que este sempre foi um papel exercido pela minha mãe" (sic).
                     
A partir do relato acima descrito pelo adolescente, podemos inferir que sua percepção em relação ao seu genitor pode ter gerado comprometimentos de acordo com o entendimento de Goweres et al.  

“(…) de fato, um pai visto como hostil representa um limite para o adolescente, enquanto que um pai indiferente deixa o adolescente em face de si mesmo e de uma falta de continente. A ausência total de um dos genitores, sobretudo quando se trata do pai (situação de longe mais freqüente) constitui sempre um fator de risco considerável”. (Goweres et al.,1993 apud Marceli e Braconnier, 2007).    

Zandonadi (2007) assinala que o retrato do sujeito adolescente, compreendendo-o e contextualizando-o na esfera do poder do saber psicanalítico, que o concebe como um ser o qual diante da nova posição que lhe é imposta é convocado a apreender a particularidade da crise a qual, marca este período de sua vida: um período de conflitos em que o adolescente revive a forma como fora constituído e consequentemente, como se operou a função paterna.  

Neste sentido, percebe-se no referido caso ilustrativo a posição do genitor do adolescente referente ao ato que reproduz o tipo de relação de gênero descrita anteriormente, visto que o genitor do adolescente referiu à prática do ato como sem gravidade e a percebe como sendo algo "natural" entre dois adolescentes, afirmando que a sobrinha sempre aceitava as brincadeiras do filho; que a mesma, também colaborou para o acontecimento do abuso sexual.

No que concerne à postura sexual do adolescente, esta nos fornece indícios de que o ato praticado está dentro da definição de abuso sexual conforme menciona Faleiros e Campos (2000) apud Araújo (2002) abusar é estabelecer uma relação de poder, na qual uma das partes subjuga a outra, retirando desta a condição de sujeito.

De acordo com as entrevistas realizadas no Juizado da Infância e Juventude percebeu-se que o acusado, desenvolveu-se em um ambiente de constantes brigas entre seus genitores devido o pai ter relacionamentos extraconjugais. Este tipo de vínculo estabelecido entre os genitores do adolescente aparentemente se configura em uma relação de poder ‘’que visa à preservação da organização social de gênero, fundada na hierarquia e desigualdade de lugares sociais sexuais’’ (ARAUJO, 2002), ou seja, a relação de poder manifestada pelo comportamento do genitor do adolescente predomina como autoridade e lei dentro do ambiente familiar, em que o acusado estava inserido. Logo, o papel masculino impõe-se sobre o feminino.

Desta forma é provável que a inserção do adolescente, neste ambiente possivelmente interferiu no comportamento do mesmo, pois durante a entrevista observou-se que o adolescente reproduziu o modelo de papel masculino apresentado pelo seu pai quando admitiu ter cometido o ato, relatando que tinha "um relacionamento normal" com a prima. E que não considerava seu ato como grave. Assim como descreve o ato com tranqüilidade referindo que ficou arrependido devido à dimensão tomada pela situação e não pela gravidade do mesmo. O adolescente considera o ato como não grave sendo que repetiu o comportamento do pai, pois o referido ‘’modelo’’ de poder e autoridade masculina se sobrepuseram ao ato, percebendo-o como ‘’normal’’ na relação familiar.

Conforme Queiroz (1997), o agressor pode ser qualquer pessoa: tio, primos, pai biológico ou adotivo etc. não sendo realizado, portanto, como se imagina por pessoa totalmente desconhecida da vítima. Geralmente são tidas como pessoas carismáticas, solidárias com características de liderança e submissão ’’ acima de qualquer suspeita’’. Ou seja,  o abuso sexual intrafamiliar ao ser praticado por pessoas conhecidas ocorre em uma estrutura de poder de fato assimétrica. Com efeito, quem ‘’abusa’’ do outro ocupa uma posição de vantagem, seja porque tem mais idade, seja porque ocupa um lugar de autoridade. Dessa posição de poder, pode aproveitar da vulnerabilidade comparativa maior do menor, usando de vários meios, tais como a chantagem emocional ou a intimidação. Esta forma de violência se dá, via de regra num contexto dissimulado, em que se realizam os atos sexuais contra o menor (carícias, beijos, etc.) durante muito tempo até o cumprimento de alguma forma de ato sexual.    

Ao ser questionado pela técnica em relação ao processo e seu resultado final o acusado responde que ‘’ não vai dar em nada’’. Sendo então explicado para o adolescente sobre todas as medidas sócio-educativas, neste momento o mesmo manifestou ansiedade excessiva assim como resposta emocional de agressividade contida. Tais aspectos foram encontrados na análise dos testes psicológicos que nos revelaram indícios de agressividade demonstrando contenção dos impulsos, negação da realidade e conflito familiar.   

O estudo da vítima transcorreu de forma atípico visto o não comparecimento de sua genitora ao juizado mesmo sendo notificada na pessoa da genitora comparecendo apenas o pai.

Na entrevista com o genitor o mesmo apresentou-se como colaborador e interessado no andamento do processo. Quanto ao aspecto psicológico o mesmo mostrou-se ansioso com momentos de dificuldade para falar do abuso sexual sofrido pela filha, associada à postura de revolta com a genitora da adolescente que no entendimento do pai da vítima, sempre demonstrou desinteresse  em relação ao caso, que só teve andamento devido à preocupação manifestada por ele.    

Verbalizou algumas informações quanto ao comportamento que vinha notando em relação ao sobrinho com sua filha. Visto que o mesmo ‘’costumava tirar muitas brincadeiras com minha filha (sic) as quais o genitor da vítima não gostava e percebia que sua filha não correspondia a tais brincadeiras, pois, a mesma era forçada a brincar com o sobrinho em sua casa.

Araújo (2002) afirma que há sedução da criança ou do adolescente quando estabelecidos em função de sua carência e necessidades. Sendo que o agressor realiza aproximações sucessivas através de ‘’brincadeiras secretas’’ podendo ou não envolver erotização para ganhar confiança da vítima. Porém há uma relação imposta, uma dominação sobre o outro sendo possível terminar ou não essas ‘’brincadeiras’’ em contatos sexuais.  

Entretanto, é importante ressaltar que apesar do estudo solicitado constatou-se que apesar do mesmo apresentar indícios de prática abusiva por parte do agressor bem como indícios de traços agressivos, torna-se importante destacar que não foi encontrada reincidência do fato, tendo sido este possivelmente uma caso isolado na vida do adolescente, além da potencialidade do adolescente no aspecto cognitivo, de acordo com o resultado apresentado pelos testes psicológicos.

A adolescente vítima da referida violência sexual tomou parte da situação de forma colaboradora, porém ao ser solicitado a reportar-se ao fato citado nos autos, a mesma referiu que não desejava ‘’relembrar ‘’. Não mencionou detalhes do ato abusivo, porém, demonstrou interesse principalmente no que diz respeito ao seu relacionamento com a mãe que de acordo com a vítima não cansa de responsabilizá-la pelo fato sempre lhe deferindo um tratamento agressivo. É notável uma dificuldade de aceitação da genitora da vítima, sobre o ato abusivo. É possível também que haja uma dificuldade na relação entre a mãe e a filha, o que poderia estar dificultando a genitora na compreensão do ato abusivo praticado pelo sobrinho assim como, uma maior aceitação. Podendo então a família estar apresentando uma dificuldade de comunicação entre os seus membros.

A postura da genitora da vítima é comumente observada nos casos de abuso intrafamiliar conforme nos aponta Marin (1999) onde silenciar significa ‘’ um pacto inconsciente’’ com o agressor ou em nome de uma falsa harmonia familiar. Em algumas situações quando o incesto é revelado, a mãe pode reagir com ciúmes, responsabilizando a filha pelo ocorrido. Para corroborar com essa prática estaria a dificuldade de reconhecer o incesto, pois seria o reconhecimento de seu fracasso  nos papéis de  mãe, esposa etc. Além do impacto da violência no ambiente familiar.

Cesca (2004) assinala que quando se fala de violência intrafamiliar deve-se considerar qualquer tipo de relação de abuso praticado no contexto privado da família, contra qualquer um de seus membros. Ainda ressalta que, o conceito de violência intrafamiliar não se refere apenas ao espaço físico onde a violência ocorre, mas também às relações que se estabelecem e são construídas e efetuadas.    Percebe-se no referido caso ilustrativo que as famílias estão envolvidas de alguma maneira no ato abusivo do adolescente. Visto que, no próprio ambiente familiar do mesmo havia uma dificuldade de relacionamento entre o  agressor e seu pai. Assim como, uma ausência de diálogo com o mesmo. Relatado pelo próprio adolescente nas entrevistas. O relacionamento de poder manifestado  entre agressor e a vítima e a não aprovação do pai da mesma. Esses fatores podem ter contribuído para o ato abusivo do adolescente.

Conclusão
                 
A prática do psicólogo na área jurídica perpassa por inúmeros casos de abuso sexual na adolescência envolvendo o contexto familiar. É imprescindível uma investigação minuciosa do psicólogo jurídico e demais profissionais a partir de um trabalho em equipe para tornar viável o atendimento das famílias de adolescentes que sofrem violência sexual. O papel do psicólogo requer um olhar mais amplo que contemple além das demandas envolvidas do abusador e do abusado. Um envolvimento maior com o social, pois não se pode deslocar a violência do contexto social em que ela está inserida.
     
O tema da adolescência e violência sexual na família é uma problemática complexa e constante na 2ª vara da infância e juventude da capital Belém. Em que a partir da experiência de estágio constatamos graças ao trabalho realizado pela equipe de maneira multiprofissional, que foi possível estudar o referido caso da adolescente vítima de abuso sexual, assim como o trabalho em grupo, que facilitou a definição de ações a serem desenvolvidas com a finalidade de intervir na família da adolescente vítima de abuso sexual. Com o objetivo de  acompanhar o abusador e a abusada, foi disponibilizado também  durante as entrevistas  realizadas pela equipe da referida Vara  um momento de escuta para a família tanto da adolescente  como de seu primo. Assim como para ambos, permitindo aos demais sujeitos expressarem, através da   fala, suas angústias, e reflexões sobre o ato infracional. Isso deve ser favorecido pelo ‘’olhar’’ mais atencioso  do Psicólogo Jurídico.
                 
São muitos os processos envolvidos na dinâmica de famílias abusivas. Nas famílias da adolescente que sofreu abuso sexual assim como na família do adolescente objeto deste relato, um fator se destaca: O ato da denúncia do abuso sexual configura-se como um questionamento desses lugares de poder legitimados pela dominação masculina. No referido caso de abuso sexual, apresentado neste artigo, constatou-se que a figura do pai do adolescente acusado de abuso sexual, foi uma figura ausente, omissa e reprodutora de um comportamento machista dentro do ambiente familiar. Através da infidelidade conjugal presente, fato este acompanhado pelo próprio filho. O que provavelmente contribuiu para a ocorrência do ato infracional apesar do adolescente apresentar limites com a figura paterna, mantendo assim um comportamento saudável com a família e a comunidade.
                  
Dessa forma conclui-se que o psicólogo é o facilitador da promoção da saúde. Ele deve procurar garantir os direitos fundamentais dos indivíduos, visando sua saúde mental e a busca da cidadania. Além disso, o mesmo, precisa facilitar  uma reflexão para o adolescente sobre o ato infracional, permitindo que o mesmo ‘’tenha voz’’, ou seja, fale de suas angústias ou expectativas frente à autoria do ato praticado. Observar atentamente a demanda solicitada pelo juiz, principalmente em relação aos casos de abuso sexual. O trabalho junto à família é imprescindível e não deve ser apenas pontual. A família deve ser acompanhada durante um período que permita avaliar suas demandas propondo-se a partir de então intervenções adequadas e necessárias.  

Referências

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Aberastury, A. Knobel M. Adolescência normal: um enfoque psicanalítico: Porto Alegre, Artes Médicas. 1981.

Araújo, M. F. Violência e abuso sexual na família. In. Universidade Estadual Paulista, Campus Assis: Departamento de Psicologia Clínica. São Paulo, 2002.
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Cesca, T.B. O papel do psicólogo jurídico na violência intrafamiliar: Possíveis articulações. Revista Psicologia e Sociedade; 16 (3): 41-46; set/dez. 2004.

Coll, C. Marchesi, A. Palácios, J. A. Desenvolvimento Psicológico e Educação. In: Oliva, A. Palácios, J. A. adolescência e seu significado evolutivo, Vol. I, 2ª ed, 2004.

FRANÇA, F. Reflexões sobre a psicologia jurídica e seu panorama no Brasil. Revista Psicologia: Teoria e prática; 6(I): 73-80; set 2003 /fev. 2004.

Gonçalves. H.s. e Brandão E.P Psicologia Jurídica no Brasil. Enau, 2004.

Marin, Isabel D. S.K. Supervisão em varas da infância e juventude na perspectiva da psicanálise. 1999. Trabalho apresentado na mesa-redonda ‘’ os diferentes enfoques sobre a supervisão para psicólogos no tribunal de justiça no III. Congresso Ibero-Americano em São Paulo.

QUEIROZ, Kátia. Abuso sexual: Conversando com esta realidade In: Centro de defesa da criança e do adolescente- Yves de Roussan. CEDECA-BA 2001. Dsponível: www.cedeca.org.br/pdf/abuso_sexual_katia_queiroz. Acesso em: 14 de out. de 2007.  

Silvia, F.S.P. Guia do adolescente internado. S/D.  

ZANDONADI, Nélia. M.M- Adolescência: Tempo de delinqüência e Apelo a Lei do Pai, In. Bastos, Darlene e Colnago(org) Adolescência, Violência e a Lei: Rio de Janeiro, Companhia de Freud, 2007.

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