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Revisão: Alterações da Afetividade – parte II

(continuação)

Sentimentos de presença

O enfermo tem a certeza imediata de que alguém está ao seu lado, atrás dele, sente a presença de alguém que nun­ca é visto, porém está certo de que está próximo ou se afasta. Santa Margarida Maria, modesta freira da Ordem da Visitação, a par­tir de certa época "renunciou a todos os seus desejos naturais de felicidade, de estima e de repouso, pela doação constante de si mesma". Durante esta fase começou a perceber algo estranho e indefinível, uma espécie de senti­mento de presença, como se o Senhor estivesse sempre ao seu lado. Não O via com os olhos, nem ouvia a Sua voz, mas tinha a certeza de que Ele a acompanhava em todos os lugares. "Sentia-O como se estivesse continua­mente junto dela, e este sentimento causava-lhe a consternação mais pro­funda, revelando-se até nas suas atitudes físicas, pois, quando só, conservava­-se prostrada no chão ou de joelhos."

Irritabilidade patológica

Bleuler considera a irritabilidade patológica como uma predisposição especial ao desgosto, à ira e ao furor. Observa-se com freqüência em neurastênicos, nos quais o sintoma bem característico é a chamada "debilidade irritável". Os enfermos manifes­tam impaciência, irritabilidade, aumento da capacidade de reação para deter­minados estímulos e intolerância pelos ruídos. Nesses casos, como Bumke salientou, a perturbação consiste, na realidade, no aumento da tonalidade afe­tiva própria das percepções: tanto assim que se pode verificar certa contradi­ção na conduta dos doentes, os quais sofrem mais com a falta de considera­ção do ambiente do que propriamente com os ruídos produzidos no meio ex­terior.

Nas personalidades anormais (psicopatas) explosivas, o sintoma principal é a irritabi­lidade patológica. Nesses anômalos existe um grau elevado de reatividade emo­tiva, unido a uma extraordinária tensão afetiva, que se descarrega sob a for­ma de reações de tipo "curto-circuito": paroxismos coléricos ou furiosos que põem em perigo a vida de pessoas do ambiente. Esses indivíduos, por exem­plo, ouvem uma palavra qualquer e, antes que tenham compreendido o seu verdadeiro sentido, reagem de maneira explosiva, respondendo com insultos ou com atos de violência.

Nos estados de exaltação maníaca, quando os conflitos se tornam inevitáveis em virtude de o enfermo manifestar sobreestima de si mesmo e elevação das aspirações, observam-se freqüentemente explosões de cólera.

Bleuler refere-se a estados de furor apresentados pelos deficientes men­tais, nos quais os enfermos voltam a agressividade contra si próprios, o que raramente acontece com os demais doentes mentais. Os pacientes rasgam as vestes, arrancam os cabelos, arranham as faces ou destroem objetos, com os quais se ferem. Em esquizofrênicos, podem-se verificar manifestações de grande irritabilidade, quando os enfermos se tornam agressivos e destruido­res.

Mas onde as manifestações de irritabilidade mórbida se tornam mais ca­racterísticas é na epilepsia. Bleuler diz que "nos epilépticos existe freqüente­mente, uma irritabilidade crônica". De modo geral, os autores do século pas­sado acentuavam, em demasia, o problema da irritabilidade desses enfermos.

Como exemplo, cito algumas opiniões neste sentido. Legrande du Saulle es­creveu: "Fora de toda crise convulsiva, os epilépticos são egoístas, descon­fiados, sombrios, irritáveis e coléricos. Um gesto, um simples olhar, bastam para causar-Ihes, muitas vezes, a mais penosa das impressões, inflamar-Ihes a cólera. Desconfiados, questionadores, de trato difícil, não estimam ninguém, queixam-se sem razão, disputam, fazem-se odiar. Os seus movimentos im­petuosos não excluem nem a pusilanimidade nem a covardia; neles, tudo é contraditório: o mesmo homem que já um instante nos despertou a atenção pelo seu humor frenético, mau, rebelde, apresenta-se agora submisso, poli­do, lisonjeiro, obsequioso e humilde…". Para Schüle, "o caráter dos epilépti­cos consiste numa extraordinária irritabilidade mórbida, que rapidamente se transforma em atos impulsivos. São indivíduos caprichosos, desconfiados, excitados contra si mesmos e contra os outros, turbulentos, maus vizinhos, ora de uma alegria cuja causa muitas vezes ignoram, ora de uma depressão exagerada, agora humildes e com tendências religiosas, logo orgulhosos, du­ros e maus".

Cabe a J. Falret o mérito de ter sido, provavelmente, o primeiro a destacar as características psicológicas dos epilépticos, fora das crises convulsivas. Em 1861, Falret escreveu: "A irritabilidade constitui o traço dominante dos epilép­ticos. Esses doentes são geralmente desconfiados, questionadores, predispos­tos à cólera…" "…irritam-se com grande facilidade pelos motivos mais simples, entregando-se mesmo, freqüentemente, a atos de violência, instantâneos as mais das vezes, sem provocação nenhuma de parte daqueles que são suas víti­mas". Refere-se Júlio de Matos a esses enfermos como apresentando "uma excessiva irritabilidade, sempre pronta a explodir em cólera, não raro impulsio­nados irresistivelmente à pratica das ações mais violentas e cruéis".

As reações afetivas, de modo geral, são patologicamente intensas, os sentimentos duradouros e difíceis de serem substituídos uns pelo outros. Is­to acontece tanto com a irritabilidade quanto com os demais sentimentos ­afeição, alegria, cólera. Os fatos sem importância têm a mesma acentuação emocional que os importantes. O que se refere ao próprio enfermo é acompa­nhado de grande interesse.

A tenacidade afetiva consiste na persistência anormal de certos estados afetivos, como o ressentimento, o ódio e o rancor. Em virtude dessa fixação prolongada de sentimentos desa­gradáveis, o enfermo está sempre de mau humor e encara todos os aconteci­mentos da vida através de um prisma pessimista. Bleuler chamou a atenção para o fato de que, na epilepsia, os estados emotivos de excitação, uma vez estabelecidos, duram um tempo anormalmente longo, ainda que possam ocor­rer no mesmo período certos acontecimentos que, por sua natureza, desper­tam sentimentos agradáveis. "Um pequeno desgosto" – diz Bleuler – "po­de durar dias em um deficiente mental. Tais enfermos têm uma ductilidade afetiva muito pequena. Em pessoas que não estão doentes mentalmente, pode-se observar uma duração excessiva dos estados emotivos, fazendo com que não possam sair de uma distimia e, por exemplo, devam levar sempre consigo um ódio."


Tenacidade afetiva

A tenacidade afetiva é própria dos epilépticos, conforme assinalou Kleist, a perseveração viscosa dos epilépticos é um fenômeno geral, semelhante à sonolên­cia ou ao estupor, e abrange também os processos afetivos. Daí a persistên­cia anormal dos sentimentos observada nesses enfermos.


Instabilidade afetiva

A instabilidade afetiva é um estado especial em que se produz a mudança rápida e imotivada do humor, sempre acompanhada de extraordinária intensidade da reação afetiva, que se processa com duração muito limitada. Esta forma súbita de reagir diante dos diferentes estímulos do meio exterior revela enfraquecimento da inibi­ção, que se mostra incapaz de controlar a intensidade das reações. Diz Bleu­ler: "As crianças normalmente são instáveis e nisso elas podem ser compa­radas, com razão, aos senis. Nestes, os sentimentos aumentam com facili­dade, mas não duram e facilmente desaparecem. A labilidade afetiva é tam­bém algo comum em casos avançados de transtorno mental afetivo. Tam­bém os deficientes mentais podem padecer do mesmo".

Kurt Schneider descreve um tipo de personalidade anormal (psicopata), caracteriza­do essencialmente pela labilidade do estado de ânimo. Admite o autor que é possível destacar uma forma especial de psicopatia, na qual, embora o es­tado de ânimo permanente não seja de tipo depressivo, existe tendência pe­riódica a reações depressivas intensas, com os traços fundamentais de mau humor e irritabilidade.

Na demência senil, observa-se grande labilidade afetiva, que se exterio­riza através de queixas, lamentações constantes e choro fácil.


Incontinência emocional

A incontinência emocional é uma forma de alte­ração da afetividade que se manifesta pela faci­lidade com que se produzem as reações afetivas, acompanhadas de certo grau de incapacidade para inibi-Ias. Diz Bleuler, que a maioria dos pacientes com incontinência emocional, apresenta uma falha de autocontrole. Tem de ceder diante dos acontecimentos mais insignificantes, tanto no que se refere a sua expres­são como à ação que deles se deriva. Bleuler cita o exemplo de um deficiente mental que não podia jogar cartas porque denunciava seu jogo com a fisiono­mia.

A incontinência emocional é um dos sintomas freqüentes nas perturba­ções psíquicas provocadas por lesões orgânicas do cérebro, manifestando-­se também em vários casos de transtornos neuróticos e psicóticos.

Na aterosclerose encefálica a incontinência emocional constitui um dos sintomas mais característicos da enfermidade. Nesses casos, os próprios en­fermos se queixam de extrema facilidade para emocionar-se, com tendência ao choro fácil, o que não ocorria antes de adoecer. Segundo Nágera, a insta­bilidade afetiva nem sempre se apresenta unida à incontinência emocional, pois existem pessoas que não podem conter suas emoções, embora revelem tenacidade afetiva.


Sugestibilidade patológica

É uma alteração de ordem tanto afetiva quan­to volitiva. Trata-se de uma predisposição psí­quica especial, que determina uma receptividade e uma submissão muito fáceis às influências estranhas exercidas sobre o indivíduo. No terreno pura­mente psíquico, encontra-se a sugestibilidade nos histéricos, razão pela qual se tornam esses enfermos muito favoráveis à produção de estados hipnóti­cos, de sintomas somáticos e até mesmo de sintomas psicóticos – as cha­madas perturbações mentais induzidas ou por contágio mental. Em alguns histéricos, a sugestibilidade é exercida tanto no domínio da vida interior (au­to-sugestibilidade) quanto em relação ao meio exterior (hétero-sugestibi­lidade).

A sugestibilidade é também muito comum nos deficientes mentais e nos estados demenciais, nos quais é uma conseqüência de insuficiência intelec­tual. Na demência senil a sugestibilidade adquire grande significação do pon­to de vista médico-legal, em virtude de estarem esses enfermos sujeitos a explorações prejudiciais a seus interesses pessoais, extorsão de dinheiro, cap­tação de herança.

A sugestibilidade pode ser também observada nos estados de excitação maníaca e nos alcoolistas. No delirium de abstinência alcoólica, por exemplo, podem-se sugerir facilmente várias coisas ao enfermo, inclusive alucinações. Na catatonia, a sugestibilidade é predominantemente motora.


Puerilismo

O termo puerilismo é empregado em psiquiatria para designar as alterações mentais caracterizadas pela regressão da perso­nalidade adulta ao nível do comportamento infantil. Em conseqüência, o en­fermo adota inconscientemente as atitudes, a linguagem e o estado de âni­mo de uma criança.

Dupré e Devaux fizeram uma descrição completa do puerilismo em um caso de tumor fronto-temporal: "O puerilismo se manifesta, através dos atos comuns da vida cotidiana, por reações de impaciência e de obstinação fúteis por seus motivos, ingênuos em sua expressão e desproporcionados por sua intensidade; pelo emprego de locuções e fórmulas infantis em sua linguagem, pela maneira simples, monótona, impessoal e declamatória de seus relatos; por sua expressão um tanto abobada, de uma torpeza que se diria afetada da mímica e da atitude; pela sugestibilidade extrema na conversação, a natu­reza pueril de suas frases, de suas ocupações. Dir-se-ia que, em certos mo­mentos, segundo uma expressão familiar, porém verdadeiramente justa, o en­fermo está bestializado".

Trata-se de uma verdadeira regressão da vida mental aos estágios da in­fância. Essa regressão se exterioriza através da atitude, da mímica, da lin­guagem e das ocupações do enfermo, "traduzindo a natureza pueril de seus sentimentos, gostos, tendências e apetites".

Na descrição de Dupré e Devaux, esse estado se manifesta ligado a pro­fundos transtornos da memória e a um verdadeiro estado demencial. O pueri­lismo é observado, também, em neuróticos (histeria), em casos orgânicos (de­mência senil, tumores cerebrais) e, transitoriamente, "como reação a deter­minadas situações existenciais críticas, em que esse transtorno adquire a sig­nificação de uma defesa neurótica do eu contra a angústia. Em tais casos, não há dissolução definitiva da personalidade adulta, mas apenas um eclipse acidental da mesma, que, não podendo superar a situação presente intolerá­vel, busca refúgio no passado".


Moria

Bruns e Jastrowitz deram o nome de moria a um estado de excita­ção alegre associado a certo puerilismo mental. Nesses casos os enfermos fazem bufonarias, caretas, não permanecem quietos um só instan­te; o humor é extremamente instável; tornam-se cada vez mais exuberantes, loquazes, riem às gargalhadas. Um paciente de Gowers apanhava e escondia os lençóis de seus companheiros; um enfermo de Meyer ria a todo tempo às gargalhadas sem nenhum motivo aparente. Um outro de Baruk apresentava características mais salientes desse estado mental: desde a sua entrada no serviço circulava constantemente pela enfermaria, passando pelo nariz dos outros enfermos o dedo sujo de fezes e rindo às gargalhadas. Perseguia sem cessar a enfermeira-chefe, dirigindo-lhe palavras obscenas. Não permanecia quieto, fazia caretas e provocava o riso de todos os outros pacientes. Duran­te a visita médica, quando o interrogavam, respondia de modo cada vez mais breve e grotesco, acompanhando indefectivelmente suas perguntas com a expressão: "Sim, mestre, sim, querido mestre."

A moria foi descrita primeiro em casos de lesões do lobo frontal (tumo­res, principalmente) e posteriormente nas demências senis e pré-senis. A intranqüilidade motora e a turvação da consciência são elementos que servem para a distinção entre a moria e a euforia maníaca e a jovialidade e patetice dos hebefrênicos.


Angústia

Blaser e Poeldinger estudaram a evolução do conceito de angús­tia, admitindo que se deve a Kierkegaard a primeira distinção en­tre temor referido a um objeto e angústia livre e flutuante desprovida de obje­to. Esta distinção foi adotada por Karl Jaspers, em edições posteriores de sua Psicopatologia Geral, tendo deixado claro o seu conceito ao escrever: "Sentimen­to freqüente e torturante é a angústia. O medo se refere a alguma coisa. A angústia é sem objeto."

Desde então, esta tem sido a orientação seguida pelos tratadistas, entre os quais se encontra H. Binder, que desenvolveu amplas considerações no sentido de estabelecer os limites entre medo e angústia: "Se procurarmos estabelecer a diferença entre esses dois estados de ânimo, a introspecção nos mostrará que a vivência afetiva de encontrar-se em perigo aparece em duas modalidades diferentes: em uma forma diferenciada, em que o referido sentimento surge em estruturas psíquicas amplamente configuradas, preci­sas e determinadas, quando se costuma falar quase sempre da presença de medo ou temor, e em forma mais primitiva, que se designa de modo geral como angústia e que corresponde a estratos psíquicos mais profundos que, com freqüência, são menos claramente conscientes e conservam conexões psíquicas mais difusas e menos articuladas. Alguém teme algo ou sente me­do diante de algo, enquanto alguém se angustia, e nestas locuções se ex­pressa que no temor ou no medo o objeto perigoso aparece mais claramente destacado do indivíduo e é percebido, imaginado ou pensado como uma arti­culação e uma delimitação clara e determinada, enquanto na angústia os pro­cessos do conhecimento que a precedem são, freqüentemente, muito mais vagos e indiferenciados, características que correspondem a estratos psíqui­cos mais primitivos."

Com referência a sua origem, o próprio Binder admitiu a possibilidade de a angústia apresentar três aspectos diferentes:


1) Angústia vital
– López Ibor considera a angústia vital como o elemen­to básico da personalidade humana, podendo surgir sem características pa­tológicas, mas, em condições mórbidas, está representada por seus "graus acentuados". A angústia se acha somatizada.

De acordo com Binder, esta forma de angústia apodera-se do consciente quando existem condições corporais íntimas ameaçadoras da vida. "Surge de modo mais claro nos estados de hipoxemia e anoxemia de qualquer natureza, seja devido a espasmos das coronárias (angina do peito), à perda de san­gue (sempre que não leve à inconsciência), à dificuldade respiratória (asma brônquica, estrangulação) ou a desfalecimento cardíaco (asma cardíaca)." Bash considera que, nesses casos, a reação psíquica é perfeitamente normal: "O objeto se apresenta no consciente sob a forma de sensações viscerais." A própria debilidade constitucional, seja do sistema ou de sua regulação ve­getativa, pode determinar o aparecimento de sensações desagradáveis, as quais são captadas como ameaça à integridade do eu, estando, nesse caso, a angústia vital ligada à neurastenia ou à neuropatia. A angústia vital, exceto nos casos de neurastenia, indica um grave transtorno do organismo.


2) Angústia real
– O perigo ameaça a partir da circunstância. Ao contrá­rio da angústia vital, a angústia real tem origem em uma ameaça consciente­mente percebida, porém que provém do meio exterior e não da parte interna do corpo. Bash admite que "circunstâncias da vida persistentemente humi­lhantes" podem ocasionar o desenvolvimento de um estado de angústia crônica.

3) Angústia moral – O perigo se encontra localizado na própria psique e, especialmente, "em determinadas tendências psíquicas primitivas, que são afastadas por outras tendências, superiores e mais evoluídas, e que se orien­tam em outro sentido". Kielholz propôs uma subdivisão da angústia moral, levando em consideração a possibilidade de uma angústia consciente e outra inconsciente, "correspondendo esta última à angústia neurótica, a qual se refere de modo especial a literatura psicanalítica".

Kammerer é de opinião que todas as definições da angústia se reduzem a três condições essenciais: "1) o sentimento da iminência de um perigo, mas de um perigo indeterminado, que virá. Esse sentimento se acompanha da elaboração de temas trágicos, os quais ampliam todas as imagens na pro­porção de um drama; 2) a atitude atenta diante do perigo, verdadeiro esta­do de alerta, que invade todo o indivíduo, tendendo para a catástrofe que se avizinha; 3) a desordem, isto é, a convicção da incapacidade absoluta e o sentimento de desorganização e de prostração diante do perigo."

O estado de angústia tende a perturbar as funções fisiológicas, expressando-se através de uma série de alterações neuro-vegetativas: cons­trição respiratória, dispnéia, opressão cardíaca, acompanhada de taquicardia e palpitações, lentidão ou aceleração do pulso, palidez, relaxamento da mus­culatura facial, espasmos em órgãos diversos, transpiração nas mãos e na face.

A angústia é um dos elementos fundamentais em Psicopatologia. Repre­senta o sintoma dominante nos quadros neuróticos de angústia, descritos por Pitres e Regis, e está presente em outros quadros neuróticos e psicóticos.


Ambivalência afetiva

Bleuler descreve as acentuações afetivas opostas nos indivíduos normais. Fala de amor e temor ou ódio que uma pessoa pode ter em relação a outra, dos acontecimentos que se te­mem e são desejados (uma operação, a tomada de posse de um cargo). Diz que estes fatos ocorrem, sobretudo, se intervém a sexualidade. Não usa Bleu­ler a palavra ambivalência. Em seguida diz o seguinte: "Tais acentuações afe­tivas ambivalentes são, contudo, a exceção nos indivíduos sadios, e a resul­tante se deduz da união destes valores contrários; ama-se menos em conse­qüência de haver algo mau, e não se odeia tanto pelas boas condições que podem acompanhar. Mas o doente com freqüência não pode unir ambas as tendências; ama e odeia ao mesmo tempo, sem que ambos os sentimentos ajam entre si ou se debilitem. Deseja a morte da mulher e se as alucinações a apresentam morta, pode ao mesmo tempo ficar desesperado e chorar por isso."

Honório Delgado define a ambivalência como a "anormalidade das ten­dências em geral, que se caracteriza na esfera intelectual pela coexistência de juízos contraditórios sobre o mesmo objeto, simultânea afirmação e nega­ção, coincidência do oposto". No plano afetivo, a ambivalência "consiste em experimentar sentimentos opostos, simultaneamente e em relação ao mes­mo motivo".

A ambivalência afetiva surge em todas as situações de conflito, espe­cialmente nos neuróticos; mas é na esquizofrenia que a ambivalência se apre­senta com os seus aspectos mais característicos e mais extremos.


Fobias

O termo fobia é definido como "um temor insensato, obsessivo e angustiante, que certos doentes sentem em determinadas situações".

A característica essencial da fobia consiste no temor patológico, que es­capa à razão e resiste a qualquer espécie de objeção. Refere-se a certos obje­tos, certos atos ou certas situações. Podem apresentar-se sob os aspectos mais variados: temor obsessivo aos espaços abertos (agorafobia) ou fecha­dos (claustrofobia), aos contatos humanos ou com animais (cães, ratos, baratas), te­mor de atravessar ruas, de subir ou descer elevadores, de lugares altos.

Como Michaux teve oportunidade de salientar, "a percepção sensorial direta da coisa ou do ser sobre o qual a fobia se sistematiza não é necessária ao desencadeamento da reação ansiosa. Esta pode resultar de representa­ções fotográficas". Uma de suas doentes, que apresentava fobia de camun­dongos, ficava intensamente inquieta quando, no cinema, um desses animais aparecia na tela. A paciente fechava os olhos e pedia ao marido para avisá-Ia quando poderia abri-Ios sem perigo. Ainda mais, bastava alguém lembrar ou falar em camundongo para despertar a sua angústia. Apresentam-se as fobias nos quadros neuróticos, particularmente no qua­dro fóbico e em alguns transtornos psicóticos.

Exemplo clínico – "Glória, 60 anos. Fundo psicológico assinalado pela emotividade e tendências obsessivas à verificação reiterada dos atos. Nenhum incidente psiquiátrico até a idade de 56 anos. Observa-se que, por volta dos 48 anos, ela ouviu falar de uma vizinha que havia envenenado gatos com es­tricnina porque seus miados a incomodavam de noite: isto só a impressionou como manifestação de crueldade para com animais de que ela gostava, e na­da podia deixar prever que este incidente se tornaria motivo de uma fobia oi­to anos depois. Há quatro anos foi abandonada pelo amante, com quem vivia há trinta anos, e com quem teve uma filha. Isto a afetou muitíssimo e ela foi viver com a filha que era casada. Certo dia ela levou ao farmacêutico uma receita para o neto atacado de bronquite. Como tivesse escrito na receita al­gumas palavras para se lembrar de uma encomenda, o farmacêutico a adver­tiu da imprudência cometida, que poderia induzir a um erro e a fazer com que ele aviasse medicamentos não prescritos. Esta observação ocasionou-lhe ex­trema ansiedade e o início de uma fobia de ação: escrever a palavra estricni­na numa receita. Esta fobia a perseguia dia e noite, chegando a paralisar suas atividades. Ela não queria pronunciar diante do médico a palavra estricnina, como se isso produzisse uma catástrofe; concordou, finalmente, em escre­ver as seis primeiras letras. Adquiriu medo de todos os pós brancos, que re­ceia conterem a substância perigosa. Teve de certificar-se de que o produto de limpeza que ela usa não contém esse veneno, engolindo uma colherada do pó. É tal o medo de escrever por inadvertência a palavra fatídica numa receita que amarra a mão direita quando vai à farmácia. Ela critica lucidamente o absurdo de sua fobia, mas não consegue corrigir-se. Só se livra dela em duas circunstâncias: quando muito atarefada e quando está dirigindo auto­móvel. Não se observa diminuição alguma de sua inteligência" (Michaux).

De acordo com os ensinamentos de I.P. Pavlov, na base das alterações do estado de ânimo e da afetividade se encontram as perturbações das inter­relações entre os processos corticais e subcorticais.

Guiliarovski escreve neste sentido que "as partes superiores do sistema nervoso central mantêm sob sua influência todos os processos do organis­mo, em particular aqueles que regulam os centros vegetativos do sistema ner­voso na região subcortical. Esta última dá o tônus à atividade do córtex. Mas a regulação superior pertence ao córtex. Para a completa compreensão da natureza das emoções é necessário levar em conta não somente o que se pro­cessa no córtex, mas também o que se verifica nas seções inferiores. Os trans­tornos emocionais relacionam-se com alterações do metabolismo, em parti­cular o dos hidratos de carbono". Diz ainda Guiliarovski que o "enfraqueci­mento da influência reguladora, como conseqüência direta de lesão cortical, faz com que as manifestações afetivas nos doentes mentais se expressem de modo súbito, determinando intranqüilidade geral e complicações no tratamento".

Nota: A bibliografia está à disposição do leitor psi, com o Autor.

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