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Tópicos sobre Sören Kierkegaard

Introdução

Sören Aabye Kierkegaard (1813-1855) faz surgir o verdadeiro Existencialismo em sua obra, quaisquer que sejam as raízes remotas da filosofia existencialista. Dificilmente podemos considerá-lo um fenomenólogo. Kierkegaard trata do homem, em sua existência finita, pensada em sua concretude (Kierkegaard, 1941).

Desenvolvimento

O projeto de Husserl limita-se, praticamente, apenas a questões epistemológicas da consciência.

Joel Martins acentua: "Não é um empreendimento fácil determinar o momento preciso para o surgimento de uma idéia, doutrina ou sistema filosófico. Os grandes sistemas, as sólidas arquiteturas filosóficas dos pensadores, são sempre precedidos uns dos outros e, ao mesmo tempo, interinfluenciam-se através de acordos e de oposições".

O pensamento filosófico do primeiro quartel do século XIX é um bom exemplo desses acordos e dessas oposições. Podem ser aí definidos, três grandes momentos:

(a) florescimento das doutrinas que tentaram desvelar a Natureza e a História a fim de possibilitar ao homem conhecer-se como indivíduo e como ser social;

(b) desenvolvimento de um pensamento religioso (católico) como reação ao século XVIII;

(c) reflexões metafísicas alemãs pós-kantianas que puseram em evidência Fichte, Schelling e Hegel, anunciando um caráter profético ou de revelação.

A idéia de existência permeia o pensamento filosófico tornando-se, porém, mais evidente em alguns momentos. Assume maior vigor nas propostas de Schelling que se desenvolvem, posteriormente, com Kierkegaard. Kierkegaard foi educado com uma disciplina intolerante, que deixou marcas em sua forma de pensar. Seu pai foi um jovem pobre que fez fortuna como mercador. Morreu em 1838, quando tinha mais de 80 anos, e quando Sören nasceu passava dos 55 anos. Algum tempo antes de morrer relatou a seu filho que em sua juventude havia trabalhado como pastor de ovelhas. Certa vez, em total solidão, amaldiçoou Deus, e que nunca se recuperou desse pecado. Era um homem amargurado que não conseguiu desfrutar de nada em sua vida. É certo que Sören, sempre devoto e de grande sensibilidade, sentiu-se impressionado com a confissão de seu pai. Isso se confirma com o que ele escreveu:

"A Escritura ensina que Deus castiga os pecados dos pais nos filhos até a terceira e a quarta gerações". (…) "Minha desgraça, humanamente falando, consiste em que tive educação cristã demasiadamente severa. Desde a infância, estive sob domínio de uma melancolia originária. Se eu tivesse sido educado de uma maneira normal, é certo que não teria me tornado tão melancólico; durante muito tempo, tudo fiz para libertar-me dessa melancolia, que quase me impedia de ser homem. Fiz o possível, porque ou a destruía ou ela me destruiria".

Kierkegaard, graças à fortuna de seu pai nunca se viu obrigado a trabalhar para seu sustento. Estudou teologia e chegou a ser ministro, embora sem paróquia. Estudou quase sempre em seu país natal, a Dinamarca, e durante algum tempo em Berlim, dedicando-se, sobretudo, à filosofia, que era seu interesse mais profundo. Começou a escrever precocemente, acentuando o papel do indivíduo e o fato de sua existência em oposição ao ensinamento do clero protestante da época. Após um sofrido rompimento de noivado, em 1834, não voltou a ter relações com outras mulheres. Vivia como um ser infeliz, solitário, como seu pai. Viveu as situações dramáticas do risco e do compromisso, do primado do subjetivo e da incerteza do objetivo, procurando reduzir a problemática do homem à sua pessoal realidade existencial.

Apesar de tudo, escreveu muito. Sobre o tédio, o temor, a melancolia e o desespero. Afirmou que "no princípio foi o tédio". Chamava à melancolia de sua "amiga íntima e confidencial". Disse, ainda: "O homem que está submetido à aflição e à preocupação, conhece as causas da aflição e da preocupação. Contudo, caso se pergunte a um homem melancólico o que lhe deixa nesse estado, responderá: 'Não sei. Não consigo dizer' ". Em toda sua obra, Kierkegaard faz transparecer os seus próprios conflitos, a sua angústia, o seu desespero, confluindo contra o racionalismo absoluto de Hegel.

Escreveu quase sempre com variados pseudônimos durante sua carreira literária. Seus escritos são de difícil compreensão. Às vezes, expressa-se com orações muito longas e complicadas. É freqüentemente amargo, apesar de um aparente humor, ou mais precisamente de uma ironia mordaz. O que dificulta ainda mais o entendimento de suas produções. Muito embora, devamos dar um desconto em função das traduções hesitantes. Kierkegaard nunca parou de buscar a Deus, e parece haver experimentado sentimentos de culpa por suas indagações filosóficas. Torna-se difícil de decidir se seus escritos constituem, em geral, uma fusão ou uma confusão entre religião e filosofia.

Kierkegaard revolucionou a cultura fundada na verdade científica, e redimensiona, assim, a verdade como um valor singular: "uma verdade para mim, (…) para a qual quero viver e morrer".  A partir dessa concepção, inicia-se o critério de verdade como autenticidade existencial. Apesar de muito semelhantes, no exercício prático, existe uma diferença entre a verdade como autenticidade do ser no paradigma onto-fenomenológico de Heidegger, e autenticidade para Kierkegaard, que está em um paradigma da existência finita. Este escreve: "A vida subjetiva, na própria medida em que é vivida, não pode jamais ser objeto de um saber; ela escapa, em princípio, ao conhecimento".

Assim, foi o primeiro a escrever estritamente sobre a existência individual. Mostra-se familiarizado com o que considera a experiência existencial fundamental: a angústia (angest, em dinamarquês), a qual se experimenta frente ao Nada. Quaisquer que tenham sido suas incursões em filosofia: as idéias que desenvolveu sobre a existência, a angústia, o medo, o Nada, seu centro experiencial foi sempre a divindade.

Kierkegaard afirmou que as condições do viver autêntico implicavam situações de compromisso e risco, como uma entrega apaixonada da existência sob o primado da subjetividade. Por isso, escreveu que em qualquer verdade é a paixão o que há de mais elevado na subjetividade e na expressão da existência. Reflete, ele, sobre as grandes emoções do ser humano: medo, angústia e desespero, a necessidade do sofrimento, como notas existenciais características do ser homem, a real área e razão de ser da Filosofia. Kierkegaard postulava que o mais importante era sentir, viver, experimentar o contato direto com a própria vida, dentro dela, confundido com ela, sem ter aquele distanciamento que tanto caracteriza a maneira de filosofar essencialista. O conceito de angústia, em Kierkegaard, identifica-se com o da própria existência, pois existir é sofrer necessariamente angústia, ou mesmo desespero, como modo existencial fundamental do ser humano. O homem debate-se dentro de sua frágil finitude, tomado pelo sentimento de pecado e de culpa originários.

Para Kierkegaard, o contrário do pecado não é virtude, mas sim, a fé cristã, pois, através dela, o homem tenta superar a finitude da existência, ao relacionar-se com o absoluto. Assim, abrem-se diante de si os caminhos da possibilidade, da liberdade, deparando-se ele com o nada, desejando, mas temendo, pendendo sua vida entre os dois pólos da existência: a finitude, o mistério e sofrimento em conexão com o nada e o vazio existencial. Mas, ao mesmo tempo, denunciando esse nada à liberdade do homem, despertando-o a um tipo de viver mais consciente e responsável, sendo transpostos os obstáculos pela fé.  O homem vive na angústia e no desespero, e necessita de ambos como condições fundamentais do seu existir autêntico, salva-se deles pela fé e pela religião, o Homo christianus, completando e superando o Homo natura. À filosofia especulativa do pensador abstrato, opõe Kierkegaard uma dinâmica filosofia da existência, em que as verdades são reveladas pela angústia.

Kierkegaard trabalhou sempre de modo estressante, e aos 42 anos de idade desmaiou na rua. Levado a um hospital faleceu pouco depois. Ninguém havia se ocupado muito dele e nem de sua obra enquanto viveu. Mesmo depois de sua morte ficou, anos no esquecimento. Seu contemporâneo e compatriota literário mais eminente, Heigberg colocou-o no ostracismo, em uma espécie de lista negra. Esta reação se deve ao fato de Kierkegaard ter se levantado contra a igreja protestante, demasiadamente estagnada então, assim como também, contra os principais filósofos de sua época.

No início do século XX, uns poucos pensadores começaram a ocupar-se da obra de Kierkegaard. Entre eles, se destacam Karl Jaspers e Martin Heidegger, os quais foram profundamente influenciados por este dinamarquês, e, incidentalmente, citamos nesta linha, Nietzsche. Heinemann escreve: "O renascimento de Kierkegaard constitui um dos fenômenos mais estranhos de nossos tempos," (…) "foi um homem proléptico que, como indivíduo singular, experimentou em meados do século XIX algo que se converteu hoje em experiência comum, e que teve o poder de expressá-la de maneira muito interessante, paradoxal, e estimulante. A expressão literária de seu pensamento é, além disso, tão enigmática, obscura e às vezes misteriosa, que seus escritos dão a impressão de uma grande profundidade e oferecem a oportunidade para infinitas novas interpretações".

Obras de Kierkegaard em português: Conceito de ironia, 1991. – O matrimônio, 1994. – Migalhas filosóficas, 1995. – Ponto de vista explicativo de minha obra como escritor, 1986. – Temor e tremor, 1984. – Diário de um sedutor, 1984. – O desespero humano, 1984. – O conceito de angústia, 1968. – O banquete: in vino veritas.

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