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Dicionário

MOREL, Bénédict-Augustin (1809-1873)

Morei nasceu a 22 de novembro de 1809 em Viena, durante os deslocamentos das tropas de Napoleão. Nada sabemos sobre sua mãe. Seu pai, fornecedor do Exército, nunca se ocupou dele. Foi entregue, por volta de 1814, ao diretor de uma casa de educação de Lu­xemburgo, o padre Dupont, com quem ficou depois do falecimento do pai. Com a queda do império, o padre o levou consigo para Saint-Dié. Essas vicissitudes lhe proporcio­naram um domínio perfeito da língua alemã. Depois de uma tentativa mal-sucedida no seminário, do qual foi expulso, chegou a Pa­ris por volta de 1831, foi jornalista e durante quatro anos preceptor em uma família ame­ricana. Começou um curso de medicina, que terminou em 1839. Nesse momento, ligou-se a Buchez, Cerise e Claude Bernard, tão desprovido de dinheiro quanto ele, e cujo quarto compartilhou, depois de tentar estabe­lecer-se como clínico. CIaude Bernard o apresentou ao seu patrão, J.-P. Falret, que procurava um tradutor para os seus trabalhos sobre a escola psicológica alemã. Esse en­contro foi determinante para MoreI. Em 1842, apresentou, diante da Sociedade de Medicina de Paris, a sua primeira "Monogra­fia sobre a mania das parturientes", colabo­rou desde o início de sua publicação nos Annales Médico-Psychologiques, para os quais escreveu, com Lasègue, notáveis Es­tudos históricos sobre a alienação mental. Em 1844, Ferrus o encarregou de acompa­nhar uma doente em uma viagem terapêutica através da Europa. Quando voltou, em 1845, publicou suas reflexões sobre a patologia mental nos países que visitou, mas em Vene­za, "em conseqüência de uma febre tifóide", o próprio Morel apresentou um episódio agu­do de angústia, com elementos fóbicos, expe­riência que serviria de base, vinte anos de­pois, à sua descrição do delírio emotivo.

Depois da revolução de 1848, seu amigo Buchez obteve a sua nomeação como suces­sor de Archambault no Asilo de Maréville (Meurthe). Alguns meses depois, chegou um novo médico-diretor, Louis Renaudin, cuja autoridade sombria não suportou por muito tempo a imaginação e a independência re­belde de Morel, "que nunca entendeu nada de rotina administrativa" (Motet) e preferiu deixar o emprego. A 23 de maio de 1856, foi nomeado médico-chefe no asilo de Saint-Yon (Seine- Inférieure). Morreu ali, a 30 de março de 1873, de complicações de diabete, quando

voltava de uma manifestação no Havre, onde pronunciara um discurso sobre Joana d' Arc "em uma linguagem que comovera profun­damente todas as fibras nacionais" (Motet).

Como os alienistas do seu tempo, MoreI considerava o asilo "como uma espécie de pára-raios moral, cujos fundamentos seria preciso realizar à custa dos maiores sacrifí­cios", o que não o impedia de denunciar o caráter carcerário da instituição e propor re­formas: defesa da não-contenção, estímulo às saídas precoces, ao alojamento familiar, às sociedades de amparo, e ao melhoramento do recrutamento do pessoal de enfermagem, mais instruído e mais bem pago.

Foi na França um dos pioneiros da medi­cina legal. Tendo em vista a irresponsabili­dade dos alienados, recusava a noção de Es­quirol de monomania e, vendo "o epiléptico sob a epilepsia", defendia a idéia de uma epilepsia larvada. Chamado em 1858 a Mu­nique como perito no caso do conde Chorins­ki, acusado de assassinato, diagnosticou a loucura e impediu a condenação à morte.

"Vitória completamente francesa", diria Mo­tet em 1874, na atmosfera nacionalista e re­vanchista da época, que contribuiu talvez para que se atribuísse a Morei a paternidade da demência precoce, para opô-Io a Kraepe­lin. Mas deve-se reconhecer que, se ele as­sociava à palavra "demência" o qualificativo "precoce" ou "juvenil", era por precisão cro­nológica e sem pensar, ao que parece, em uma entidade mórbida particular.

Em 1851, instaurou em Maréville um cur­so teórico e clínico de doenças mentais, e seus trabalhos clínicos foram condensados nos dois volumes de Estudos, clínicos, publi­cados em 1852-53 em Nancy, e principal­mente no Tratado das degenerescências (1857) e no Tratado das doenças mentais (1860). Certamente sensibilizado pelos pro­blemas de bócio endêmico que estudou em Rosières-sur-Salines, perto de Nancy, e pelos problemas ambientais que descobriu na aglo­meração manufatureira de Rouen (mudança de ambiente, ausência de vida familiar, intoxicações diversas), propôs uma clas­sificação das doenças mentais que se ligava muito mais às causas do que aos sintomas. Assim, ao lado do "fato exclusivo da heredi­tariedade", insistiu nas "relações anormais que se estabelecem entre a inteligência e o seu instrumento doente, o corpo", nas "in­fluências do clima, do solo e da higiene dos pais", que podiam "criar nas crianças (ou) um estado orgânico especial ou definitivamente transmissível até a expiração da raça".

Essa teoria da degenerescência, "desvio" mórbido de um tipo primitivo "ideal", toma­da por empréstimo às concepções metafísi­cas de Buchez, respondia, na verdade, a preo­cupações de medicina social muito mais aber­tas do que a teoria posterior dos degenerados de Magnan, à qual se tende a assimilá-Ia.

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