O Rato versus o Homem. Os motivos e os meios de ação
As homologias entre diferentes espécies não aparecerão tanto se considerarmos o comportamento e o cérebro em sua totalidade, desde que essa totalidade seja apreendida, essencialmente, como uma "totalidade-soma", em uma perspectiva que agrega os elementos, em vez de integrá-Ios em um conjunto coerente e dinâmico. Além disso, a solução para os problemas colocados em nada se facilita em decorrência de certas homologias serem postuladas ou rejeitadas a priori, por motivos que amiúde nada têm a ver com o discurso científico.
Na realidade, as homologias interessantes aparecem nos fatos, se considerarmos não mais uma "totalidade-soma", e sim uma "totalidade-devir", contemplando a maneira como o cérebro e o comportamento evoluem e se estruturam pelas e para as – interações com o ambiente. Singularmente, no que concerne às potencialidades relacionais de um organismo individual, a lógica de sua expressão concreta é uma lógica em ação, uma lógica em perpétuo devir. Não são tanto os meios de ação passíveis de serem postos em cena que se modificam, que evoluem. O que se modifica são os motivos de ação, pois eles nascem, em parte, das conseqüências que decorrem concretamente, para o organismo, de suas interações com o ambiente. Reencontramos aqui a importância da dimensão temporal: o comportamento e o cérebro têm uma história e é somente no quadro dessa história que se faz possível elucidar seu devir.
Em outras palavras, as extrapolações do animal para o Homem são difíceis e arriscadas, se colocarmos a ênfase sobre este ou aquele dentre os componentes do repertório comportamental, ou seja, sobre este ou aquele dentre os meios de ação de que dispõe o organismo face a seu ambiente. Tanto mais que podemos ser então conduzidos a considerar o cérebro do animal (sobretudo quando o nível de evolução atingido pela espécie estudada não se caracteriza por uma grande "plasticidade") como uma "totalidade-soma" cujos elementos são essencialmente pré-programados e esperam apenas por um estímulo – um desencadeante adequado – para se exprimir para o exterior. Teremos então dificuldade em encontrar, nesse conjunto basicamente estático e de determinismos rígidos, homologias com as modalidades de funcionamento do cérebro humano. Se, ao contrário, a ênfase for colocada nos motivos de ação, ou seja, nas ligações entre as entradas sensitivo-sensoriais e as saídas comportamentais do cérebro – ligações passíveis de nascer, evoluir e desaparecer -, as coisas se apresentarão de maneira inteiramente diferente. E isso porque o cérebro aparecerá então como uma "totalidade-devir", um conjunto dinâmico de determinismos mais flexíveis e evolutivos, que se exprimem na – ao mesmo tempo que são estruturados pela – vivência individual. É por esse caminho, que está longe de ser fácil, mas é provavelmente mais fecundo, que algumas extrapolações terão sérias probabilidades de serem válidas (o que não significa que não tenham necessidade de ser validadas!).
Nas pesquisas com animais, a noção de "motivo de ação", ou de "motivação", corresponde concretamente à da probabilidade de que, face a um sinal ou a uma situação dados, o organismo utilize este ou aquele de seus meios de ação, ou seja, que "atualize" esta ou aquela das "virtualidades" de seu repertório comportamental. Essa probabilidade, que não é a mesma em todos os indivíduos de uma espécie e que pode variar no tempo em um dado indivíduo, depende de um conjunto de fatores que podemos qualificar de "fatores de motivação". Ora, é evidente que a natureza desses fatores, que determinam a probabilidade de desencadeamento de um comportamento, está estreitamente ligada à função que esse comportamento assegura com vistas a um fim biológico ou psicobiológico: sobrevivência do indivíduo (em particular, manutenção da homeostase do meio interno e preservação da integridade física do organismo); sobrevivência da espécie (os indivíduos devem reproduzir-se e conduzir sua progenitura até o estágio de uma vida autônoma); realização e preservação de uma espécie de homeostase relacional e afetiva, graças às trocas socioafetivas que, simultaneamente, respondem a uma necessidade fundamental de expressão e de interação e participam amplamente da manutenção de um certo equilíbrio de ordem hedônica. Dentre os fatores de motivação, alguns são endógenos e correspondem a flutuações deste ou daquele parâmetro do meio interno; outros são simultaneamente exógenos, na medida em que se trate de incitações provenientes do meio, e endógenos, na medida em que a informação proveniente do meio adquira, amiúde, o essencial de suas virtudes incitadoras, de suas propriedades motivadoras, por referência aos traços deixados no cérebro pela vivência individual. Assim, é fácil concebermos que, conforme o tipo de comportamento levado em consideração e conforme a função que ele assegure ao organismo, a importância respectiva de uma e outra dessas duas categorias de fatores possa ser muito diferente.
Fatores de Motivação e Mecanismos colocados em ação
Em numerosos comportamentos sociais, ao contrário, são as incitações provenientes do meio e a significação que Ihes é conferida por referência à experiência passada que desempenham o papel preponderante. Nesse caso, uma dada informação sensorial adquire a essência de suas virtudes motivadoras não em função da existência de um despertar comportamental específico, de uma pulsão endógena (fome, sede, pulsão sexual) que traduza a existência de uma certa necessidade biológica, mas em razão das adaptações emocionais e sociais progressivamente realizadas pelo indivíduo com respeito a essa mesma informação ou a situações análogas. Ao longo de toda a ontogênese, uma certa significação – em particular, de natureza afetiva – pode ser conferida a tal ou qual estimulação ou situação, que assim adquire um valor de incitação seletiva para o organismo individual, ou seja, incita-o a responder de certa maneira que lhe é própria e que é o reflexo de um aspecto particular de sua experiência passada, de sua história. E é aí que o sistema Iímbico desempenha um papel essencial, pois está profundamente implicado na constituição e na utilização dos traços mnésicos, ou seja, todas as vezes que, na determinação do comportamento presente, faz-se referência aos traços deixados pela experiência passada, pela vivência individual.
Gênese de um despertar comportamental específico (fome, sede, pulsão sexual etc.)
A ativação desses detectores acarreta a de um conjunto de neurônios da área hipotalâmica lateral, neurônios estes que J. Olds qualificou de drive neurons (isto é, "neurônios de pulsão"), e que são igualmente ativados, por exemplo, quando se privam de morfina ratos previamente intoxicados com essa droga. A ativação desses neurônios assinala a existência de um estado de necessidade (tal como a glicoprivação ou a desidratação celulares) e conduz a que sejam postos em jogo processos que têm como efeito criar um despertar comportamental específico e, desse modo, orientar o comportamento do organismo para a satisfação da necessidade. É interessante constatar que a atividade desses neurônios cessa a partir do momento em que informações sensoriais apropriadas permitem ao organismo antecipar a satisfação da necessidade, isto é, bem antes que o desequilíbrio (energético ou hídrico) tenha sido efetivamente corrigido. Cabe acrescentar que um despertar comportamental semelhante pode ser também induzido experimentalmente, aplicando-se uma estimulação elétrica no nível da área hipotalâmica lateral, o que, inicialmente, levou a que se contemplasse a existência de "centros" especializados nessa região do diencéfalo. Na realidade, a área hipotalâmica lateral é um lugar de passagem e transmissão privilegiado de importantes vias neurais – tanto ascendentes quanto descendentes – que ligam o mesencéfalo e o telencéfalo. E, por conseguinte, é difícil fazer a separação, nos processos numerosos e diversificados postos em jogo pela estimulação, entre o que se deve à ativação local de agregados neuronais do próprio hipotálamo e o que decorre da ativação à distância de outros grupos de neurônios. Qualquer que seja o caso, podem-se distinguir, na gênese de um despertar comportamental específico (seja ele devido à ativação natural dos "neurônios de pulsão" ou induzido por uma estimulação aplicada ao hipotálamo lateral), três conjuntos de processos com efeitos motivadores complementares:
a) Pela ação de interações complexas entre o hipotálamo lateral e as estruturas mesencefálicas, em particular o sistema reticular ativador, produz-se uma elevação do nível geral de atividade e reatividade do sistema nervoso central. Essa ativação se traduz por uma acentuação da vigilância difusa, por uma maior abertura para o ambiente e por uma disponibilidade aumentada com respeito a ele (o Handlungsbereitschaft dos autores alemães e a readiness to act dos autores anglo-saxões). Essa ativação traduz-se igualmente por um aumento da atividade locomotora, que apresenta um evidente interesse para a fase dita apetitiva do comportamento (busca de alimento, de água, de um parceiro sexual receptivo etc.), assim como por uma facilitação geral dos reflexos medulares e das respostas motoras simples, que apresenta um interesse evidente para a fase dita consumatória do comportamento.
Esse primeiro conjunto de processos corresponde a um despertar comportamental sem nenhuma orientação específica; são os dois outros que irão dar a esse despertar um caráter muito mais seletivo (specific arousal). Podemos acrescentar que, se um certo nível de ativação geral é parte integrante, necessariamente, da gênese do despertar comportamental específico, uma ativação demasiadamente intensa (pela administração de anfetamina, por exemplo) pode "impedir" a elaboração de um comportamento orientado e adaptado.
b) De imediato, é o tratamento privilegiado das informações sensoriais pertinentes (tais como os odores alimentares ou os odores sexuais) que contribui para dar ao despertar comportamental uma orientação definida, a saber, aquela que conduz à satisfação da necessidade biológica que está precisamente na origem da ativação dos "neurônios de pulsão". Dois exemplos concretos, um dos quais concerne ao comportamento alimentar, e o outro, ao comportamento sexual, ilustram bem essa noção geral.
No rato, as respostas do bulbo olfativo a um odor alimentar são nitidamente moduladas pelo estado nutricional (estado de fome ou saciedade), ao passo que uma modulação similar praticamente não é observada nas respostas suscitadas por um estímulo olfativo desprovido de qualquer significação alimentar. Se registrarmos a amplitude média da atividade multiunitária no nível da camada de células mitrais, constataremos que o odor do alimento habitual tem efeitos sensivelmente contrários, conforme o animal esteja esfaimado (na maioria das vezes, aumento da atividade de base) ou, inversamente, saciado (atividade basal freqüentemente diminuída ou inalterada); no caso da estimulação odorante sem significação alimentar, ao contrário, a resposta do bulbo olfativo é a mesma (atividade basal diminuída ou inalterada), qualquer que seja o estado nutricional do animal. É provável que essa modulação diferencial das aferências olfativas em função do estado nutricional do organismo (com um tratamento privilegiado dos odores alimentares no animal esfaimado) se faça pela atuação de uma via centrífuga, anatomicamente identificada, que liga o hipotálamo aos bulbos olfativos.
O rato macho responde de maneira preferencial ao odor da urina emitida por uma fêmea receptiva, em comparação com a emitida por uma fêmea não-receptiva, e essa preferência está ligada à presença dos hormônios sexuais masculinos no meio interno. No que concerne às respostas bioelétricas registradas ao nível do hipotálamo, parece que a amplitude das respostas suscitadas por um ou outro dos dois odores, no nível da região pré-óptica, é nitidamente modulada pelas taxas de hormônios sexuais circulantes.
c) A ativação hipotalâmica traduz-se igualmente por uma modulação mais ou menos seletiva dos efeitos de reforço positivo (de recompensa, de prazer) e de reforço negativo (de punição, de aversão), ligados, de início, à antecipação dos resultados passíveis de serem obtidos por este ou aquele comportamento, e, em seguida, à atuação dos sistemas de reforço pelas retroações sensoriais que decorrem do próprio comportamento. Numerosíssimos dados experimentais deixam transparecer claramente a influência moduladora exercida por diferentes parâmetros do meio interno.
Desde 1958, Olds demonstrou que a freqüência das pressões sobre uma alavanca, pressões que permitem ao rato estimular-se ele próprio por intermédio de um eletrodo implantado permanentemente no hipotálamo lateral ou no septo (essa freqüência exprime a intensidade dos efeitos de recompensa induzidos pela auto-estimulação), é função tanto do estado nutricional quanto das taxas de andrógenos circulantes. A privação de alimento determina um aumento da freqüência da autoestimulação no nível do hipotálamo lateral, e esse efeito só é observado ao nível dos pontos hipotalâmicos cuja estimulação desencadeia um comportamento alimentar. Inversamente, a freqüência da auto-estimulação diminui nitidamente em seguida à administração de uma solução hipertônica de glicose por via intravenosa ou intragástrica. Por outro lado, a distensão gástrica, da mesma forma que a obesidade experimentalmente produzida, acentuam nitidamente o componente aversivo dos efeitos da estimulação hipotalâmica lateral, o que incita o animal a interrompê-Ia mais freqüentemente.
Para certos pontos situados no hipotálamo posterior, e cuja estimulação desencadeia um comportamento de copulação no rato macho, constata-se que a freqüência da autoestimulação diminui em seguida à castração e aumenta novamente quando se administra testosterona. Quando se acompanha a evolução dos desempenhos de autoestimulação no nível de um mesmo ponto hipotalâmico lateral durante o ciclo ovariano do rato fêmea, constata-se que as freqüências de pressão mais elevadas coincidem com o aparecimento de queratinização vaginal, testemunha de uma taxa elevada de estrógenos circulantes.
No Homem, os fatores do meio interno modulam o componente afetivo (prazeroso ou desprazeroso) de certas sensações de natureza gustativa, olfativa ou térmica. Se pedirmos a indivíduos humanos, por exemplo, que avaliem (dando uma resposta em cifras) o prazer ou o desprazer evocados por estímulos olfativos alimentares ou não-alimentares antes e após uma refeição, observar-se-á os seguintes fatos: os odores alimentares, percebidos como agradáveis antes da refeição, tornam-se cada vez mais desagradáveis durante os 60 minutos que se seguem a ela; inversamente, a avaliação ("agradável" ou "desagradável") dos odores não-alimentares não é modificada por essa mesma refeição.
Tal como foi sublinhado mais acima, as flutuações deste ou daquele parâmetro do meio interno – com toda a diversidade dos processos que elas põem em jogo e que concorrem para a gênese deste ou daquele despertar comportamental específico – desempenham um papel preponderante no desencadeamento dos comportamentos que asseguram a sobrevivência do indivíduo (e que mantêm a homeostase de seu meio interno) ou da espécie. Esses fatores humorais estão longe de desempenhar um papel desprezível na determinação dos comportamentos socioafetivos que criam e preservam uma espécie de homeostase relacional e afetiva; mas seu papel não é mais o de um primum movens. Assim, na determinação desses comportamentos, são os traços deixados pela vivência que constituem os fatores de motivação primordiais, pois a referência feita a esses traços mnésicos condiciona, simultaneamente, a maneira como uma situação é percebida e a escolha da estratégia que deverá permitir responder a ela de maneira apropriada. E o sistema límbico, que desempenha um papel essencial na constituição e na utilização dos traços mnésicos, está profundamente implicado nessa determinação.