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Neurociência do comportamento agressivo – parte III

Origem dos estados afetivos e seus comportamentos: Sistema Límbico

Considerado em sua acepção telencefálica estrita, o sistema límbico compreende o conjunto de estruturas corticais e sub­corticais filogeneticamente mais antigas que o isocórtex neopá­lio e o neoestriado. Essas estruturas telencefálicas apresentam importantes conexões recíprocas com as estruturas diencefálicas e mesencefálicas freqüentemente englobadas na noção de um sistema límbico ampliado.

 

É analisando as repercussões de diversas lesões límbicas sobre os comportamentos motivados que se evidencia clara­mente o papel essencial desempenhado pelo sistema límbico na adaptação do comportamento à experiência passada, à vi­vência do indivíduo.

Assim, as estruturas cerebrais que constituem esse sistema não parecem ser necessárias à elabora­ção e à execução de qualquer comportamento no interior do sistema relativamente fechado que constitui o organismo vivo retirado de seu ambiente habitual e colocado em uma situação não referida à experiência passada. Inversamente, no organis­mo que dialoga com seu meio habitual, e está por isso mesmo aberto a sua própria história, o sistema Iímbico interfere de maneira essencial na expressão das nuanças individuais do com­portamento, na expressão de uma personalidade modelada por uma vivência. Portanto, não surpreende que um breve exame de alguns dados concretos torne nitidamente visível que as repercussões de uma lesão Iímbica (que afete, em particular, a amígdala, o hipocampo ou o córtex "transicional") são tão mais profundas quanto, dentre os fatores de motivação que entram em jogo, os ligados à experiência passada, à vivência individual, desempenhem um papel mais importante. Esse papel é primordial nos casos de comportamentos sócio-afetivos; é muito menos importante no que concerne ao comportamento alimentar ou ao comportamento sexual.

•(a)                Repercussão das lesões Iímbicas sobre os comporta­mentos motivados

As lesões límbicas de modo algum impe­dem o atendimento das necessidades calóricas por uma ingestão alimentar adequada. Repercutem apenas em certas atitudes individuais diante do alimento. Mudanças mais ou menos pro­fundas que aparecem nos hábitos e nas preferências alimenta­res; deficiências na aquisição de uma aversão condicionada a determinado alimento; perturbação dos processos que partici­pam do estabelecimento progressivo do estado de saciedade, com base nas aferências de origem bucofaríngea e gástrica que respondem pela quantidade e pela "apetência" dos alimentos ingeridos.

No domínio do comportamento sexual, descrevem-se classicamente sinais de "hipersexualidade" dentre as conseqüências acarretadas pelas lesões bilaterais do lobo temporal nos machos adultos de diferentes espécies, inclusive a espécie humana. As lesões da amígdala, assim como as do hipo­campo, parecem rebaixar, mais do que elevar, o nível da pulsão sexual (medido, por exemplo, pela freqüência com que um rato macho atravessa uma grade eletrificada para unir-se a uma fêmea receptiva, ou ainda pelo tempo de latência da co­brição e da intromissão). De fato, a "hipersexualidade" obser­vada em seguida às lesões límbicas corresponde, em grande medida, a anomalias essencialmente qualitativas do compor­tamento sexual: inadaptação à situação do conjunto (os gatos operados se acoplam em qualquer lugar, ao passo que os ani­mais de controle só têm atividade sexual em um território a que estejam adaptados) e falta de discernimento na escolha do parceiro (por exemplo, tendências homossexuais mais acentuadas que antes da intervenção; os gatos operados cobrem até mes­mo objetos inanimados). Nesse caso, assim como no do com­portamento alimentar, portanto, as lesões límbicas têm como efeito, sobretudo, perturbar a expressão dos matizes individuais do comportamento e fazer com que este último regrida a qual­quer coisa de mais estereotipada e mais automática.

É no domínio dos comportamentos sócio-afetivos que as lesões límbicas provocam as mudanças mais profundas e mais duradouras. As lesões da amígdala determinam, tanto no Homem quanto nas diferentes espécies animais estudadas, um rebaixamento mais ou menos acentuado da reatividade emo­cional e social, o que se traduz em uma certa indiferença face ao ambiente e em reações nitidamente atenuadas diante das dife­rentes estimulações sociais. Basta se expor brevemente dois dados experimentais concretos, obtidos, respectivamente, com macacos que vivem em cativeiro e macacos que vivem em liber­dade, para ilustrar de maneira convincente o papel preponde­rante desempenhado pela amígdala na elaboração dos estados emocionais e das condutas que os exprimem.

Nos macacos, procedeu-se simultaneamente a um seccionamento de todas as comissuras inter-hemisféricas (split-brain) e a uma ablação unilateral da amígdala. Em segui­da a essas intervenções, os animais se comportam da seguinte maneira: quando o animal percebe seu ambiente habitual por intermédio daquele dentre seus olhos (o outro é fechado) que está ligado ao hemisfério intacto, apresenta diante dele reações afetivas diferenciadas, às vezes violentas, de conformidade com sua experiência passada; quando apenas o outro olho fica aber­to, o macaco se mostra, ao contrário, perfeitamente plácido e indiferente. Em outras palavras, conforme o hemisfério cere­bral em questão comporte ou não um complexo nuclear amig­dalítico e, portanto, a informação de natureza visual seja ou não tratada por essa amígdala, o comportamento de um mesmo organismo colocado em uma dada situação poderá ser totalmente diferente.

Quando se praticam lesões bilaterais da amígdala em ma­cacos que vivem em liberdade, constata-se que os animais assim operados são incapazes de se reinserirem em seu grupo ou em um grupo vizinho. Parece que esses animais não mais têm condições de adaptar seu comportamento ao de seus con­gêneres, referindo-se à vivência (talvez por serem incapazes de reconhecer a significação dos sinais sociais que emanam dos congêneres), e sua "ressocialização" torna-se então impossível. De fato, embora nenhuma função autônoma seja profunda­mente perturbada e os congêneres tentem reintegrá-Ios no seio do grupo, os macacos operados se isolam e não sobrevivem por muito tempo.

Ao contrário dessa hiporreatividade emocional e social induzida pelas lesões da amígdala, observa-se de maneira muito genérica uma hiper-reatividade emocional, assim como um aumento da freqüência e da duração dos contatos sociais (em particular, um aumento da freqüência e intensidade das rea­ções agressivas) em seguida à destruição de uma outra estrutura Iímbica: o septo. As numerosas observações efetuadas – inclusive na espécie humana – quanto aos efeitos comportamentais de uma lesão septal fazem com que o septo se afigure uma espécie de "atenuador" das reações emocionais -. Convém também lembrar que há ra­zões para supor que as interações sociais exercem uma influên­cia estruturante sobre o desenvolvimento ontogenético do sis­tema septo-hipocâmpico e que é por intermédio desse sistema que elas repercutem no desenvolvimento de certas característi­cas comportamentais.

(b) Modo de ação do sistema límbico

O sistema límbico intervém, essencialmente, em dois conjuntos de processos es­treitamente complementares:

(1) De um lado, os processos graças aos quais os elemen­tos cognitivos, e sobretudo um conteúdo afetivo específico, se associam com os dados objetivos da informação sensorial pre­sente, com referência à experiência passada, à vivência indivi­dual. Essa associação, que confere todo o significado à informa­ção do momento, permite ao cérebro prever, antecipar certos resultados passíveis de serem obtidos ao responder (ou passíveis de serem evitados na abstenção de resposta) de certa maneira. A informação do momento pode, assim, adquirir virtudes motivacionais, isto é, transformar-se em motivo de ação e incitar um dado organismo a responder (ou a abster-se de responder) através de uma dada seqüência comportamental, assim acionando um dos meios de ação cujo conjunto constitui seu repertório comportamental.

(2) Por outro lado, os processos graças aos quais o cére­bro registra "sucessos" ou "fracassos" ao confrontar os resulta­dos efetivamente obtidos com os que tinham sido antecipados quando da programação da resposta comportamental. Con­forme haja ou não concordância, nascerá uma experiência afe­tiva prazerosa ou, ao contrário, desprazerosa, que irá modular a significação da informação sensorial a que acaba de ser dada uma resposta. E, devido à entrada em jogo dos sistemas de re­forço positivo ou de reforço negativo, a probabilidade de de­sencadeamento da resposta pela informação em questão será aumentada ou, ao contrário, diminuída.

Todos esses processos se desenrolam sobre o fundo de certo nível individual de reatividade emocional, em cujo determinismo o sistema límbico está ainda amplamente im­plicado. Os dados experimentais concretos que ilustram o mo­do de ação desse sistema serão expostos em outro artigo que se segue e que irá examinar as duas aberturas complementares de qualquer interação social, seja ela ou não de natureza agressiva: de um lado, os fatores e os mecanismos que determinam a maneira como se elabora a percepção da relação individual com uma certa situação e, de outro, os que determinam a escolha da estratégia que parece ser a melhor para responder a ela de maneira adaptada e eficaz. Antes, no entanto, iremos ainda sublinhar alguns aspectos importantes dos comportamentos de agressão.

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