Origem dos estados afetivos e seus comportamentos: Sistema Límbico
Considerado em sua acepção telencefálica estrita, o sistema límbico compreende o conjunto de estruturas corticais e subcorticais filogeneticamente mais antigas que o isocórtex neopálio e o neoestriado. Essas estruturas telencefálicas apresentam importantes conexões recíprocas com as estruturas diencefálicas e mesencefálicas freqüentemente englobadas na noção de um sistema límbico ampliado.
É analisando as repercussões de diversas lesões límbicas sobre os comportamentos motivados que se evidencia claramente o papel essencial desempenhado pelo sistema límbico na adaptação do comportamento à experiência passada, à vivência do indivíduo.
Assim, as estruturas cerebrais que constituem esse sistema não parecem ser necessárias à elaboração e à execução de qualquer comportamento no interior do sistema relativamente fechado que constitui o organismo vivo retirado de seu ambiente habitual e colocado em uma situação não referida à experiência passada. Inversamente, no organismo que dialoga com seu meio habitual, e está por isso mesmo aberto a sua própria história, o sistema Iímbico interfere de maneira essencial na expressão das nuanças individuais do comportamento, na expressão de uma personalidade modelada por uma vivência. Portanto, não surpreende que um breve exame de alguns dados concretos torne nitidamente visível que as repercussões de uma lesão Iímbica (que afete, em particular, a amígdala, o hipocampo ou o córtex "transicional") são tão mais profundas quanto, dentre os fatores de motivação que entram em jogo, os ligados à experiência passada, à vivência individual, desempenhem um papel mais importante. Esse papel é primordial nos casos de comportamentos sócio-afetivos; é muito menos importante no que concerne ao comportamento alimentar ou ao comportamento sexual.
•(a) Repercussão das lesões Iímbicas sobre os comportamentos motivados
As lesões límbicas de modo algum impedem o atendimento das necessidades calóricas por uma ingestão alimentar adequada. Repercutem apenas em certas atitudes individuais diante do alimento. Mudanças mais ou menos profundas que aparecem nos hábitos e nas preferências alimentares; deficiências na aquisição de uma aversão condicionada a determinado alimento; perturbação dos processos que participam do estabelecimento progressivo do estado de saciedade, com base nas aferências de origem bucofaríngea e gástrica que respondem pela quantidade e pela "apetência" dos alimentos ingeridos.
No domínio do comportamento sexual, descrevem-se classicamente sinais de "hipersexualidade" dentre as conseqüências acarretadas pelas lesões bilaterais do lobo temporal nos machos adultos de diferentes espécies, inclusive a espécie humana. As lesões da amígdala, assim como as do hipocampo, parecem rebaixar, mais do que elevar, o nível da pulsão sexual (medido, por exemplo, pela freqüência com que um rato macho atravessa uma grade eletrificada para unir-se a uma fêmea receptiva, ou ainda pelo tempo de latência da cobrição e da intromissão). De fato, a "hipersexualidade" observada em seguida às lesões límbicas corresponde, em grande medida, a anomalias essencialmente qualitativas do comportamento sexual: inadaptação à situação do conjunto (os gatos operados se acoplam em qualquer lugar, ao passo que os animais de controle só têm atividade sexual em um território a que estejam adaptados) e falta de discernimento na escolha do parceiro (por exemplo, tendências homossexuais mais acentuadas que antes da intervenção; os gatos operados cobrem até mesmo objetos inanimados). Nesse caso, assim como no do comportamento alimentar, portanto, as lesões límbicas têm como efeito, sobretudo, perturbar a expressão dos matizes individuais do comportamento e fazer com que este último regrida a qualquer coisa de mais estereotipada e mais automática.
É no domínio dos comportamentos sócio-afetivos que as lesões límbicas provocam as mudanças mais profundas e mais duradouras. As lesões da amígdala determinam, tanto no Homem quanto nas diferentes espécies animais estudadas, um rebaixamento mais ou menos acentuado da reatividade emocional e social, o que se traduz em uma certa indiferença face ao ambiente e em reações nitidamente atenuadas diante das diferentes estimulações sociais. Basta se expor brevemente dois dados experimentais concretos, obtidos, respectivamente, com macacos que vivem em cativeiro e macacos que vivem em liberdade, para ilustrar de maneira convincente o papel preponderante desempenhado pela amígdala na elaboração dos estados emocionais e das condutas que os exprimem.
Nos macacos, procedeu-se simultaneamente a um seccionamento de todas as comissuras inter-hemisféricas (split-brain) e a uma ablação unilateral da amígdala. Em seguida a essas intervenções, os animais se comportam da seguinte maneira: quando o animal percebe seu ambiente habitual por intermédio daquele dentre seus olhos (o outro é fechado) que está ligado ao hemisfério intacto, apresenta diante dele reações afetivas diferenciadas, às vezes violentas, de conformidade com sua experiência passada; quando apenas o outro olho fica aberto, o macaco se mostra, ao contrário, perfeitamente plácido e indiferente. Em outras palavras, conforme o hemisfério cerebral em questão comporte ou não um complexo nuclear amigdalítico e, portanto, a informação de natureza visual seja ou não tratada por essa amígdala, o comportamento de um mesmo organismo colocado em uma dada situação poderá ser totalmente diferente.
Quando se praticam lesões bilaterais da amígdala em macacos que vivem em liberdade, constata-se que os animais assim operados são incapazes de se reinserirem em seu grupo ou em um grupo vizinho. Parece que esses animais não mais têm condições de adaptar seu comportamento ao de seus congêneres, referindo-se à vivência (talvez por serem incapazes de reconhecer a significação dos sinais sociais que emanam dos congêneres), e sua "ressocialização" torna-se então impossível. De fato, embora nenhuma função autônoma seja profundamente perturbada e os congêneres tentem reintegrá-Ios no seio do grupo, os macacos operados se isolam e não sobrevivem por muito tempo.
Ao contrário dessa hiporreatividade emocional e social induzida pelas lesões da amígdala, observa-se de maneira muito genérica uma hiper-reatividade emocional, assim como um aumento da freqüência e da duração dos contatos sociais (em particular, um aumento da freqüência e intensidade das reações agressivas) em seguida à destruição de uma outra estrutura Iímbica: o septo. As numerosas observações efetuadas – inclusive na espécie humana – quanto aos efeitos comportamentais de uma lesão septal fazem com que o septo se afigure uma espécie de "atenuador" das reações emocionais -. Convém também lembrar que há razões para supor que as interações sociais exercem uma influência estruturante sobre o desenvolvimento ontogenético do sistema septo-hipocâmpico e que é por intermédio desse sistema que elas repercutem no desenvolvimento de certas características comportamentais.
(b) Modo de ação do sistema límbico
O sistema límbico intervém, essencialmente, em dois conjuntos de processos estreitamente complementares:
(1) De um lado, os processos graças aos quais os elementos cognitivos, e sobretudo um conteúdo afetivo específico, se associam com os dados objetivos da informação sensorial presente, com referência à experiência passada, à vivência individual. Essa associação, que confere todo o significado à informação do momento, permite ao cérebro prever, antecipar certos resultados passíveis de serem obtidos ao responder (ou passíveis de serem evitados na abstenção de resposta) de certa maneira. A informação do momento pode, assim, adquirir virtudes motivacionais, isto é, transformar-se em motivo de ação e incitar um dado organismo a responder (ou a abster-se de responder) através de uma dada seqüência comportamental, assim acionando um dos meios de ação cujo conjunto constitui seu repertório comportamental.
(2) Por outro lado, os processos graças aos quais o cérebro registra "sucessos" ou "fracassos" ao confrontar os resultados efetivamente obtidos com os que tinham sido antecipados quando da programação da resposta comportamental. Conforme haja ou não concordância, nascerá uma experiência afetiva prazerosa ou, ao contrário, desprazerosa, que irá modular a significação da informação sensorial a que acaba de ser dada uma resposta. E, devido à entrada em jogo dos sistemas de reforço positivo ou de reforço negativo, a probabilidade de desencadeamento da resposta pela informação em questão será aumentada ou, ao contrário, diminuída.
Todos esses processos se desenrolam sobre o fundo de certo nível individual de reatividade emocional, em cujo determinismo o sistema límbico está ainda amplamente implicado. Os dados experimentais concretos que ilustram o modo de ação desse sistema serão expostos em outro artigo que se segue e que irá examinar as duas aberturas complementares de qualquer interação social, seja ela ou não de natureza agressiva: de um lado, os fatores e os mecanismos que determinam a maneira como se elabora a percepção da relação individual com uma certa situação e, de outro, os que determinam a escolha da estratégia que parece ser a melhor para responder a ela de maneira adaptada e eficaz. Antes, no entanto, iremos ainda sublinhar alguns aspectos importantes dos comportamentos de agressão.