A chuteira parecia um pouco apertada. Agachou-se, desamarrou-a e tornou a amarrá-la. Não ficou bom, continuava incomodando. Pensou que por mais que tentasse ajeitá-la não ficaria bom, então desistiu. Sentia o coração a mil e seu foco de atenção flutuava pelo mundo à sua volta, porém invariavelmente retornava para as desagradáveis sensações corporais que lhe invadiam.
Também não queria que os outros percebessem, mas não estava certo de obter sucesso nesse objetivo. Na verdade acreditava que qualquer um poderia olhar para ele e perceber o vulcão de emoções que tomava conta dele. Por tal motivo evitava encarar qualquer um, como se pudesse assim disfarçar seu nervosismo. A caminho do campo, já na escada de acesso, passou pelo treinador que o interpelou aos gritos: “Poderia ter aquecido menos! Olha como está suado”! Ele não sabia, mas se estivesse completamente seco o treinador iria reclamar também. No final ficou aliviado, pois o treinador não percebeu o verdadeiro motivo de tanto suor.
Foi com grande esforço que conseguiu percorrer os poucos metros que separavam a saída do túnel e o banco de acesso. Olhar para a torcida? Nem pensar. Pelo menos naquele momento.
No decorrer do jogo dificilmente conseguia prestar atenção na partida. Passou todo o primeiro tempo e parte do segundo tentando se controlar. Viu sem muita consciência dos fatos ao seu redor quando um jogador do seu time saiu de maca e foi levado direto para o vestiário. Só mudou o foco quando o reserva a seu lado lhe deu uma cotovelada razoavelmente forte. “Pô cara! Acorda! O homem ta mandando você entrar!” Um forte arrepio passou pela sua coluna. Ao tentar se levantar sentiu uma enorme falta de força nas pernas. Atrapalhou-se todo para retirar o colete e iniciar o aquecimento, mas enfim entrou em campo.
Estava atônito. Em poucos segundos passou de espectador a protagonista. Como era zagueiro torcia para que a bola ficasse no máximo no meio de campo. Antes mesmo de completar tal pensamento a danada da pelota veio em sua direção. Atrás dela um atacante adversário bufando, com “sangue nos olhos” e muita vontade de deixá-lo sentado no gramado enquanto partia em direção ao gol. Apavorado projetou-se a frente e enfiou o pé na bola literalmente. A torcida foi ao delírio com tamanha bicuda que isolou a redonda no anel superior da arquibancada. Nessa hora sentiu um tremendo alívio. A sua primeira interação com a torcida não tinha sido tão ruim como seu medo anunciava. Ele não havia feito um gol contra e nem mesmo sido fintado de modo humilhante pelo adversário. A imagem que passara era a de alguém que não queria brincadeira. A torcida gostou daquela desengonçada mas produtiva intervenção.
A segunda bola que chegou próxima a ele também foi rechaçada com outro chutão. Desta vez a reação dos torcedores não foi tão efusiva. Aliás, quase não se ouviu nada além dos berros do treinador que lhe trouxeram de volta ao presente: “Calma! Sai jogando moleque!”. E não é que ele conseguiu ouvir? A terceira bola chegou mais lenta. Porém o mesmo não se pode dizer de um jogador adversário que vinha atrás dela. Louco para roubar a bola do novato imprimiu grande velocidade a sua corrida em direção a bola que girava lentamente a frente do zagueiro iniciante. Um lampejo dos tempos de várzea, quando ainda jogava no ataque, foi suficiente para jogar a bola de lado e sair pelo outro, deixando o desembestado atacante adversário passar pelo meio dos dois. Um autêntico drible-da-vaca que foi imediatamente reconhecido pela torcida com urros de alegria! O treinador gritava: ”Cuidado, menino””, enquanto lançava um olhar desconfiado para os seus atletas no banco que sorriam levemente com a finta desconcertante.
Mais alguns minutos e o juiz apitou o final do jogo. A sensação de “quero mais” havia tomado conta do jovem jogador que saia de campo muito diferente do que havia entrado: a ansiedade pelo próximo jogo havia substituído o medo do fracasso. Seria difícil segurar o bom zagueiro que anos mais tarde defenderia a Seleção Brasileira.