Mecanismos cerebrais dos comportamentos de agressão
Percepção da relação individual com uma situação potencialmente agressogênica
Um caso concreto: o comportamento de agressão interespecífico rato-camundongo
Em uma espécie macrósmica como o rato, as informações de natureza olfativa desempenham um papel importante na percepção das mudanças ocorridas no ambiente. Em numerosos casos, um estímulo olfativo pode agir, enquanto tal, como estímulo-desencadeador de um dado comportamento. Mas, em se tratando dos comportamentos de agressão, uma característica particular do estímulo é passível de desempenhar um papel preponderante, a saber, a de sua eventual novidade! De fato, a novidade de um estímulo é um fator importante no determinismo tanto das respostas de aproximação quanto das respostas de evitação (Corey, 1978). E Marler (1976) assinala, com razão, que a estranheza é um estímulo muito eficaz para desencadear uma agressão, e que "talvez seja precisamente a familiaridade que constitui, afinal de contas, o fator mais importante para reduzir a probabilidade de agressão".
Podemos considerar o comportamento de agressão interespecífica (quando o rato é confrontado pela – ou pelas primeira(s) vez(es) com a intrusão de um camundongo, mas não quando já adquiriu a experiência dessa agressão interespecífica) como um comportamento de "intolerância", que visa a desvencilhar-se do intruso e que traduz a "neofobia" do rato, ou seja, sua tendência natural a evitar os objetos não-familiares em um ambiente familiar. Essa tendência é muito mais acentuada no rato selvagem do que no rato de laboratório, e essa diferença pode explicar, ao menos em parte, o fato de a proporção de ratos "assassinos" ser muito mais elevada entre os animais selvagens (aproximadamente 85-90%) do que entre os animais de laboratório (aproximadamente 10-15%). Além disso, certos ratos de laboratório matam os camundongos selvagens, mas não os camundongos de laboratório (com respeito aos quais a neofobia é provavelmente menor) que são introduzidos em sua gaiola. Ademais, no seio de uma dada população de ratos, a proporção dos que matam uma rã introduzida em seu ambiente familiar é nitidamente mais elevada que a proporção dos que matam um camundongo colocado em sua presença.
A hipótese segundo a qual são as características de novidade e estranheza dos estímulos emanados do camundongo que desempenham um papel preponderante no desencadeamento inicial da reação de agressão interespecífica do rato acha-se amplamente confirmada – ainda que de maneira indireta – por todas as observações que mostram que uma familiarização prévia com a espécie camundongo impede, de maneira eficaz, o desencadeamento desse comportamento. Os contatos sociais precoces com camundongos se traduzem em uma incidência nitidamente reduzida da reação de agressão interespecífica no rato adulto. Mesmo os ratos selvagens não atacam os camundongos, desde que tenham tido a oportunidade de se familiarizarem previamente com animais dessa espécie (Galef, 1970). O estado de fome, que eleva o nível de reatividade do organismo, facilita claramente o desencadeamento inicial da agressão interespecífica; mas essa facilitação, induzida pela hipoglicemia, é muito mais acentuada nos ratos que tiveram pouco ou nenhum contato prévio com camundongos do que nos ratos que viveram em contato com camundongos durante períodos prolongados (Paul & cols., 1973).
A destruição do septo, que provoca uma hiper-reatividade pronunciada, facilita igualmente o desencadeamento inicial do comportamento de agressão interespecífica (Miczek e Grossman, 1972; Miley e Baenninger, 1972); e, se não observamos essa facilitação em seguida a lesões septais que praticamos desde 1960, foi por essas lesões terem sido efetuadas em ratos que tinham sido familiarizados, nas semanas precedentes à intervenção, com a presença de um camundongo em sua gaiola. Com efeito, em uma experiência reprisada mais recentemente (Penot e Vergnes, 1976), evidenciou-se claramente que o comportamento dos ratos, no dia seguinte à destruição do septo, diferia profundamente conforme os animais fossem confrontados pela primeira vez com a intrusão de um camundongo em sua gaiola ou, ao contrário, tivessem mantido contatos prolongados com camundongos antes da intervenção: no primeiro caso, 60% dos ratos operados mataram o camundongo introduzido em seu ambiente familiar; no segundo, apenas 8% mataram o camundongo recolocado em suas gaiolas. Podemos acrescentar que, em um estudo relativo aos comportamentos de agressão apresentados pelo rato selvagem diante de sujeitos humanos, camundongos ou congêneres, Galef (1970) constatou que a novidade dos estímulos era sempre uma condição necessária ao desencadeamento da agressão, e que a familiaridade com uma categoria de estímulos reduzia nitidamente a probabilidade de uma reação de agressão diante deles, sem afetar a probabilidade de agressão em resposta às duas outras categorias de estímulos que tinham preservado sua característica de novidade.
O papel desempenhado pela experiência afetiva de natureza aversiva suscitada por certos estímulos (ou experimentalmente associada a eles), e não tanto por esses estímulos enquanto estímulos-desencadeadores no sentido clássico do termo é igualmente evidenciado pela observação que se segue. Pode-se desencadear facilmente um comportamento de agressão interespecífica no rato naturalmente "não-assassino" estimulando-o ao nível do sistema de reforço negativo e, desse modo, associando à intrusão do camundongo uma experiência afetiva desprazerosa, aversiva, experimentalmente induzida. O comportamento de agressão assim desencadeado pode ser considerado como um comportamento de defesa, como uma conduta por meio da qual o rato se esforça em pôr fim a uma emoção de natureza aversiva. Além disso, constata-se que a agressão desencadeada por uma estimulação ao nível do hipotálamo médio, ou no nível da parte dorsal da massa cinzenta central do mesencéfalo, é sempre acompanhada por uma reação emocional intensa e é freqüentemente entremeada com tentativas de fuga. Todos esses pontos de estimulação são pontos de auto-interrupção: quando se dá ao rato a possibilidade de interromper a estimulação e os efeitos aversivos que ela induz, ele aprende muito depressa o comportamento (por exemplo, pressionar uma alavanca) que lhe permite pôr fim a isso. E, a partir desse momento, a estimulação do sistema de reforço negativo praticamente deixa de desencadear a conduta agressiva diante do camundongo introduzido na gaiola.
Enquanto a anosmia – ou seja, a ausência de qualquer percepção olfativa – provocada pela ablação bilateral dos bulbos olfativos provoca um desaparecimento total da agressão intermachos nos camundongos (Ropartz, 1978), a não-percepção das informações de natureza olfativa que emanam do camundongo de modo algum impede que o rato bulbectomizado ataque e mate o camundongo introduzido em sua gaiola. De acordo com todas as evidências, não são essas informações, enquanto tal, que desempenham um papel essencial no desencadeamento desse comportamento. Isso é corroborado pelo fato – à primeira vista, paradoxal – de que a ablação dos bulbos olfativos facilita até mesmo o desencadeamento inicial da agressão interespecífica. Na realidade, não é a anosmia provocada pela bulbectomia que responde por essa facilitação, pois esta última só é observada quando a anosmia é produzida pela destruição ou ablação da mucosa nasal. O que a bulbectomia bilateral provoca, mais do que a anosmia, uma hiper-reatividade acentuada, que se traduz igualmente por interações agressivas mais freqüentes e mais intensas com os congêneres. Mas, provavelmente, a anosmia deve ser considerada responsável pelo fato de que a bulbectomia facilita a agressão interespecífica não apenas no rato confrontado pela primeira vez com um camundongo, mas também naquele que tinha podido familiarizar-se previamente com essa espécie estranha. Isso mostra que o efeito preventivo da familiarização prévia não mais se faz sentir, a partir do momento em que o rato não mais tem condições de reconhecer o camundongo com base em informações de natureza olfativa.
Essa conclusão se junta à que é extraída de observações efetuadas quanto ao comportamento do rato "assassino" diante do camundongo e diante dos filhotes de sua própria espécie: quando se apresenta a um Rato "assassino", sucessivamente, dois ou três camundongos, e depois um ratinho com a idade de 25 dias (que tem basicamente o tamanho de um camundongo adulto), ele mata rapidamente cada um dos camundongos e, em seguida, investe contra o ratinho, e somente no último momento esse comportamento de ataque cede lugar, bruscamente, a um comportamento quase maternal; uma vez privado de seus bulbos olfativos, o rato mata não apenas os camundongos, mas igualmente as crias de sua própria espécie (que não reconhece suficientemente depressa para que a agressão iniciada possa ser sustada a tempo). Em outras palavras, se as informações de natureza olfativa não são necessárias, enquanto tais, para que se desencadeie uma agressão interespecífica, desempenham, em contrapartida, um papel essencial no reconhecimento do camundongo previamente tornado familiar e, portanto, na prevenção de qualquer agressão diante dele.
A significação e os efeitos comportamentais dos estímulos que emanam do camundongo são, provavelmente, inteiramente diferentes no rato "assassino" que tem a experiência do comportamento de agressão interespecífica. De fato, à medida que esse comportamento se repete, a motivação a ele subjacente evolui no sentido de tornar-se cada vez mais nitidamente uma motivação de natureza apetitiva. O rato "assassino" mata mais depressa e mais "friamente"; é raro apresentar a reação emocional mais ou menos intensa que se observa quando dos primeiros confrontos com o camundongo. O fato de que o comportamento de "intolerância" e defesa torna-se, desse modo, progressivamente, um comportamento de apetência é atestado por um conjunto de constatações concretas. Por um lado, observa-se que o rato "assassino" que tem a experiência desse comportamento procura o camundongo e o mata, mesmo que seu nível de reatividade tenha sido consideravelmente rebaixado (por doses de clorpromazina ou reserpina elevadas até o nível de 15-20mg/kg) ou que ele tenha sido privado de suas aferências olfativas, visuais e auditivas. Por outro lado, a disponibilidade do camundongo para uma agressão interespecífica pode desempenhar uma função de "recompensa" nas situações de aprendizagem instrumental (Myer e White, 1965; Van Hemel, 1972).
Portanto, o próprio comportamento de agressão interespecífica se reforça de maneira positiva. Esse reforço positivo se deve, provavelmente, à conjugação de pelo menos três fatores: (1) a execução de uma seqüência comportamental característica da espécie, com as retroações proprioceptivas que comporta, tem, em si mesma, virtudes reforçadoras; (2) o rato aprendeu que essa agressão é eficaz para pôr fim a – e para prevenir – uma experiência de natureza aversiva; (3) o rato come parcialmente o camundongo morto, em particular seu cérebro (ao passo que, na maioria das vezes, não come nenhuma parte dos primeiros camundongos que mata). Seja como for, concebe-se facilmente a natureza muito particular da "espera" – da antecipação das conseqüências passíveis de decorrerem da reação de agressão – que é suscitada, nesse caso, pelos estímulos que emanam do camundongo. E de modo algum surpreende que, precisamente nesse caso, a ablação dos bulbos olfativos tenha o efeito – à primeira vista, paradoxal – de atenuar a tendência do rato "assassino" a atacar o camundongo (Bandler e Chi, 1972; Thompson e Thorne, 1975), ao passo que essa mesma intervenção acarreta, como vimos, uma facilitação do desencadeamento da agressão interespecífica no rato "não-assassino". De modo geral, torna-se evidente que as informações de natureza olfativa não podem ter a mesma significação – e que sua supressão não pode ter os mesmos efeitos comportamentais – conforme se trate de um rato confrontado pela primeira vez com a intrusão de um camundongo em sua gaiola, ou de um rato "não-assassino" que se tenha familiarizado com a presença de um camundongo em seu ambiente, ou ainda de um rato "assassino" que tenha uma longa experiência do comportamento de agressão interespecífica e de suas conseqüências.
Assim, dado que a significação das mensagens olfativas é passível de evoluir no tempo, convém sublinhar que essa significação é, a um tempo, resultante do tratamento dessas informações – singularmente, no nível das estruturas Iímbicas do lobo temporal – e um determinante importante, que afeta, em contrapartida, algumas das etapas iniciais de seu tratamento ao nível dos bulbos olfativos. Vimos anteriormente que, no domínio do comportamento alimentar, a resposta do bulbo olfativo aos odores alimentares era objeto de uma facilitação seletiva, graças à atuação de uma influência centrífuga provavelmente proveniente do hipotálamo, a partir do momento em que o organismo estivesse hipoglicêmico devido à privação de alimento. No que concerne aos comportamentos socioafetivos do rato, o registro da atividade bioelétrica das células mitrais do bulbo olfativo demonstrou que essa atividade era modulada em função da natureza "amedrontadora" (por exemplo, o odor de um predador, como a raposa) ou, ao contrário, "tranqüilizadora" da informação tratada, e também em função do nível de vigilância, que, por sua vez, pelo menos em parte, é determinado pela significação da mensagem emitida pelos receptores olfativos (Cattarelli & cols, 1977; Cattarelli & Chanel, 1979).
Dessa maneira, parece que, em um comportamento tão "simples" quanto a agressão interespecífica rato-camundongo, e em um nível tão periférico quanto o dos bulbos olfativos, já existem interações complexas entre o tratamento dos dados objetivos da informação sensorial, o nível de vigilância e de reatividade do organismo, e a significação que tem, para este último, a informação tratada. E, como vimos, essa significação é muito diferente conforme o rato seja "ingênuo" quanto às interações com a espécie camundongo ou tenha a experiência do "não-assassino", ou, ao contrário, a do "assassino". Nessas condições, a interpretação dos efeitos comportamentais induzidos pela manipulação experimental dos bulbos olfativos (ablação; modificação de ordem neuroquímica por via geral ou local) é mais difícil – e deve ser feita com maior prudência do que se supõe à primeira vista.