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Psicologia Transpessoal, a filha rebelde da ciência

O cenário que marcou a criação do movimento chamado “Transpessoal’ nos Estados Unidos, na década de 60, foi de contestação e irreverência diante de uma atitude de conformismo e submissão dos acadêmicos à metodologia e às premissas científicas da época. Muitas das descobertas na área da física, biologia e psicologia confirmam hoje as teses defendidas pela Transpessoal há mais de 40 anos atrás. Por exemplo, de que o universo é um ser vivo, de que a consciência está em expansão, de que a espiritualidade é inerente ao ser, e que estamos todos interligados nas múltiplas dimensões espaço-temporais da existência. Mas, naquela época, isto era visto como misticismo e religião.

Atualmente, a presença da Transpessoal nas universidades americanas está em franca ascensão. Calcula-se em torno de 50% o número de teses de doutorado que são defendidas anualmente nos Estados Unidos sobre esse tema. Na Europa, o movimento transpessoal se estende das universidades às instituições de pesquisas sobre a consciência.

A grande contribuição da Transpessoal foi a síntese entre as grandes correntes da psicologia tradicional, como o comportamentalismo, a psicanálise e o humanismo. E paralelamente a isto, a integração dos conhecimentos do oriente com o ocidente. A ciência ocidental do século XX conseguiu o feito ímpar de demonstrar cientificamente tudo aquilo que os grandes mestres das Tradições antigas, sábios e iluminados sempre souberam. Nos últimos 50 anos a psicanálise dominou o panorama psicoterapêutico. Uma das grandes diferenças entre a psicanálise e a psicologia Transpessoal é que a primeira sempre se ocupou com as patologias que infestam o psiquismo: neurose, psicose e perversão. Freud foi bem claro quando disse “Eu só me interesso pelo porão da alma humana” e quando escreveu em Moisés e o Monoteísmo, “Toda religião é um delírio coletivo”. Pois bem, isto é a antítese do que a Transpessoal afirma, e vai contra a tendência contemporânea de retorno ao sagrado. Nos últimos tempos, a desconexão com a dimensão da espiritualidade provocou a perda dos valores e da dignidade humanos. O prejuízo tem sido enorme para a vida em todo o planeta. No entanto, entendemos que religião é ‘re-ligare’, e isto a própria psicoterapia promove no processo terapêutico, ou seja, o ‘re-ligare’ consigo mesmo e seu desejo. Este foi um dos aspectos da psicanálise bastante criticados por alguns de seus discípulos mais brilhantes, — Jung, Ferenczi, Reich – e por aqueles grandes expoentes da psicologia Humanista da década de 60, como Maslow,

Moreno, Fritz Perls, Lowen, Pierrakos e outros. Ao invés de focar o olhar no lado doente do psiquismo, como era usual, eles afirmaram o que o ser humano tem de divino, de belo, de saudável, de criativo. Para isso basta olhar a criação artística em todas as suas vertentes: literária, musical, poética, arquitetônica, e perceber que isto é uma manifestação de algo divino em nós, e que podemos desenvolver através do esforço pessoal e da intenção consciente. Isto fez com que a psicologia Transpessoal desenvolvesse pesquisas e estudos sobre os diferentes estados de consciência, produzindo ampla literatura sobre a Consciência Cósmica, morte e renascimento, expansão da consciência, constatando a existência de estados saudáveis e criativos do espírito humano que podem promover o equilíbrio psíquico, a integração corpo-mente e a interação com a dimensão da transcendência. Tudo isso resultou na criação de uma metodologia própria, experiencial, através de vivências ativas e passivas, visualizações criativas, regressão de memória, arte-terapia, trabalho com os sonhos, com a respiração, com exercícios corporais, etc.

O resultado do processo tem sido reconhecido como positivo, intenso e transformador por todos aqueles que o experienciam. Diante desse quadro nos perguntamos: porque a psicologia Transpessoal ainda não é bastante difundida e divulgada, aceita e incorporada aos cursos universitários e pelos conselhos de psicologia? Parece que o problema, no Brasil, está mais no preconceito arraigado de alguns setores, que se mostram pouco inclinados àquela saudável curiosidade natural que abre os espíritos ao novo. Boa parte das cabeças pensantes que estão no topo das instituições acadêmicas e conselhos, ainda estão ancorados no velho paradigma científico newtoniano-cartesiano, que só percebe e registra aquilo que pode ver e medir. Surdos e cegos para as teses e produções científicas que são publicadas anualmente pelo mercado editorial. Isto deixa todo um universo metodológico — que poderia estar à serviço da saúde, da educação, do desenvolvimento do ser humano – à deriva, sem reconhecimento, sem regras. Ora, oportunistas sempre estão à espreita do caminho mais fácil. Pessoas que nunca leram um livro de psicologia Transpessoal e não sabem sequer do que se trata, se auto intitulam ‘terapeutas transpessoais’.

E assim, uma filha rebelde vai se tornando a ‘ovelha negra’ da família. Acredito que a nova geração que está nos bancos universitários poderá reverter essa situação, por sua disposição libertária de espírito e não comprometimento com o velho. A busca por teorias que expressem seus anseios mais profundos revela esse movimento. Talvez esteja chegando o momento em que a humanidade, finalmente, caminhe para uma grande síntese.

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