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Neurociência do comportamento agressivo – parte VIII (final)

(continuação)

Referências feitas à vivência individual

O caso do comportamento de agressão interespecífico do rato permite ilustrar concretamente o papel desempenhado a esse respeito pela amígdala. Pode-se abolir esse comportamento de agressão, no rato "assassino", praticando-se uma destruição bilateral da parte mediana da amígdala. Essa lesão perturba os processos graças aos quais os sinais que emanam do camun­dongo adquirem suas virtudes incitadoras e reforçadoras e, por­tanto, a gênese da motivação de natureza apetitiva subjacente a esse comportamento de agressão no rato que tem experiên­cia dele. Mas essa perturbação funcional é apenas transitória e o rato "assassino" recupera sua agressividade interespecífica no espaço de um a três meses.

Inversamente, não parece haver possibilidade de substi­tuição – e, portanto, o déficit produzido por uma lesão seria irreversível – no que concerne à intervenção da amígdala na prevenção da agressão, que resulta normalmente de interações prévias com a espécie estranha. Tal como foi sublinhado ante­riormente, a hiper-reatividade induzida pela destruição do septo facilita nitidamente o desencadeamento do comporta­mento de agressão no rato confrontado com um camundongo pela primeira vez, mas não no animal que teve oportunidade de familiarizar-se previamente com a presença de um camundongo em sua gaiola. Ora, os efeitos preventivos dessa familiariza­ção prévia de modo algum se observam quando o rato é porta­dor de uma lesão bilateral da porção córtico-mediana da amíg­dala durante seus contatos prévios com o camundongo.

No decurso da ontogênese, os contatos so­ciais precoces com a espécie camundongo reduzem pratica­mente a 0% a proporção dos ratos que se revelam "assassinos" na idade adulta. Ora, em um grupo de ratos amigdalectomiza­dos na idade de 8 dias e criados, em seguida, durante várias se­manas, com camundongos, 70% mataram o camundongo na idade adulta. Podemos ain­da assinalar outra aversão que vai nesse mesmo sentido. Quan­do se pratica uma ablação dos bulbos olfativos na idade de 25 dias e assim se provoca uma hiper-reatividade persistente, constata-se que 90% dos ratos matam na idade adulta, caso tenham sido criados em isolamento em seguida à bulbectomia, ao passo que apenas 10% matam, desde que tenham sido cria­dos em grupo e que as interações entre congêneres tenham le­vado a reduzir a probabilidade de desencadeamento de uma conduta agressiva. Mas esse efeito preventivo das interações entre congêneres é nitidamente mais fraco se, na idade de 25 dias, se associar uma lesão bilateral da amígdala à ablação dos bulbos olfativos: nessas condições, não mais 10%, e sim 60% dos ratos operados e agrupados revelam-se "assassinos" na idade adulta. Esses dados experimentais mostram claramente que uma lesão da porção córtico-mediana da amígdala impede que certos fatores expe­rienciais repercutam, no sentido de uma redução, na probabi­lidade de desencadeamento do comportamento de agressão interespecífico.

Assim, a amígdala parece estar profundamente implicada não só nos reforços positivos do comportamento de agressão no rato "assassino", mas igualmente nos reforços negativos desse mesmo comportamento, sob o efeito de diversos fatores experienciais. De maneira mais genérica, convém sublinhar que a amígdala desempenha um papel essencial em dois conjuntos de processos complementares: os que conferem à informação sensorial presente virtudes motivadoras por referência à expe­riência passada e que, desse modo, suscitam um comportamento que constitui uma reatualização parcial dessa experiência passada, e os que registram as conseqüências do comportamen­to e, dessa forma, modelam as motivações das ações por vir.

Papel desempenhado pelos fatores hormonais

Já vimos que em certos domínios (comportamentos de ingestão de alimentos ou de água; com­portamento sexual; comportamento maternal), o desencadea­mento de um comportamento era determinado, em essência, pela indução deste ou daquele "despertar comportamental" específico, em resposta a flutuações, que afetam tal ou qual fator do meio interno. No tocante aos comportamentos de agressão, não se conhece nenhuma modificação de natureza hormonal que pudesse dar origem a uma pulsão agressiva de ori­gem endógena na ausência de qualquer situação potencialmen­te agressogênica (ou sem que haja, no Homem, evocação de tal situação). Mas isso de modo algum significa que os fatores hormonais não interfiram. Bem ao contrário, eles contribuem am­plamente para determinar, a um tempo, a maneira como uma situação é percebida e a maneira como será respondida.

Entre os roedores, e particularmente no camundongo, os hormônios sexuais circulantes controlam estreitamente, a um tempo, a produção de sinais olfativos (de "feromônios") es­pecíficos e a sensibilidade a eles. Em outras espécies – inclusi­ve na espécie humana – nas quais os sinais olfativos estão longe de desempenhar um papel tão preponderante, verificou-se que as taxas plasmáticas de tes­tosterona estavam correlacionadas com a sensibilidade à frus­tração, à ameaça e à provocação. É preciso acrescentar que, em contrapartida, a situação conflitual e o comportamento de agressão repercutem nas taxas de testosterona. No macaco, essas taxas se rebaixam em seguida a uma derrota sofrida face a um congênere. No rato, igualmente, constata­-se uma queda acentuada da taxa plasmática de testosterona no "vencido" em seguida a uma interação agressiva, por menos violenta que seja, ao passo que essa taxa permanece inalterada no "vencedor".

No que diz respeito aos hormônios esteróides secretados pela córtico-supra-renal parece, igualmente, que eles contro­lam a probabilidade de desencadeamento de certas respostas comportamentais e que, em contrapartida, sua secreção é modulada pelo comportamento e por algumas das conseqüên­cias por ele acarretadas. Face a uma dada situação, a ativação do córtex supra-renaliano é mais ou menos intensa, conforme os fatores de novidade, incerteza e conflito que o indivíduo detecte em seu ambiente. No macaco, a probabilidade de aparecimento de um comportamento de medo está estreita­mente correlacionada com a taxa de corticosteróides plasmáti­cos, mas essa taxa depende, por sua vez, da natureza das rela­ções de dominância que o animal manteve anteriormente com seus congêneres. Quando os por­cos são colocados em uma situação de competição, as taxas de corticosteróides plasmáticos aumentam mais nos animais domi­nados do que nos animais dominantes. Os hor­mônios da supra-renal assim liberados exercem uma retroação sobre certas estruturas cerebrais (em particular as que constituem o sistema Iímbico) e, dessa forma, contribuem para a aquisição de um comportamento adaptado à situação. Consta­ta-se, por exemplo, que uma taxa elevada de corticosteróides plasmáticos (seja ela naturalmente aumentada ou artificialmen­te elevada) facilita a aquisição de uma resposta eficaz a um si­nal de perigo, da mesma forma que facilita a extinção de um  comportamento que já não seja recompensado. Sabe-se, por outro lado, que a ativação supra-renaliana torna-se menos intensa, desde que o animal tenha logrado êxito em aprender a evitar, graças a um comportamento adaptado, os choques elétricos que lhe são dados em uma situa­ção chamada de evitação ativa.

É bem possível que, tanto na percepção contextual de uma situação como na aquisição de uma resposta comporta­mental adaptada, as endorfinas ajam paralelamente aos hormô­nios córtico-supra-renalianos. De modo geral, a liberação de endorfinas tem como efeito atenuar – enquanto a administração de naloxona, que bloqueia sua ação, tem como efeito acentuar – o caráter aversivo de certas estimulações. No que concerne mais particularmente às intera­ções sociais, experiências realizadas com diversas espécies de­monstraram que a ação das endorfinas é importante na gênese dos fenômenos de apego e de coesão social. Em todas essas es­pécies, a naloxona acentua – e a morfina atenua – os sinais de "aflição" que apresenta o animal separado de sua mãe ou de seu grupo social. Pode-se acrescentar que, a exemplo dos hor­mônios córtico-supra-renal ianos, as endorfinas exercem sua ação modulatória em particular sobre o sistema límbico.

Escolha de uma estratégia comportamental adaptada à situação

Entende-se por "estratégia comportamental adaptada" todo comportamento que vise a agir – e que efetivamente permita agir – sobre uma situação para modificá-Ia, ou, mais precisa­mente, para modificar a maneira como é percebida; ou, ainda mais genericamente, todo comportamento que permita atingir o objetivo que a percepção e a avaliação de uma situação dei­xem antecipar. Uma vez que a resposta comportamental é assim amplamente determinada pelas informações sensitivo­- sensoriais que prevalecem em um dado momento, em razão da significação que é associada com elas, é bastante artificial o processo que consiste em dissociar as "saídas" comportamen­tais das "entradas" sensitivo-sensoriais que as suscitam. Eis porque, antes de examinarmos detidamente este ou aquele me­canismo cerebral implicado na determinação da resposta com­portamental, convém expor sucintamente algumas noções ge­rais concernentes às relações entre as "entradas" e as "saídas" do sistema.

Níveis de integração, organização e adaptação

Esses níveis de integração e de organização – que serão distin­guidos de maneira um tanto esquemática – se definem, simul­taneamente, pela natureza das informações que preponderam na gênese e na condução da ação e pelo tipo de elaboração de que tais informações são objeto. No que diz respeito à natureza das informações que prevalecem em um dado momento, pode haver predominância de restrições internas ao organismo ou, ao contrário, receptividade predominante diante das incitações provenientes do ambiente. Quanto ao tipo de elaboração de que tais informações são alvo, podemos distinguir, em par­ticular, os três níveis seguintes:

a) Acionamento de ligações que são, em medida muito grande, geneticamente pré-programadas e, portanto, "pré­-transmitidas". O determinismo é rígido e as referências à expe­riência passada são pouco importantes, ou até mesmo inexis­tentes. As respostas são mais ou menos complexas, mas sempre de tipo reflexo, quase automático, estereotipado. São as restri­ções internas que prevalecem, quer se trate de ajustamentos posturais ou da manutenção da constância do meio interno.

b) As ligações entre as "entradas" e as "saídas" têm um caráter muito mais diacrônico, pois numerosas referências são feitas à vivência individual. As respostas são mais matizadas, mais personalizadas, e visam mais particularmente a manter certa homeostase relacional e afetiva. O comportamento se inscreve em uma história: é, simultaneamente, acontecimen­to-reflexo (do passado) e acontecimento-fonte (do futuro).

c) As informações – com suas conotações afetivas iniciais – são objeto de uma elaboração cognitiva mais ou me­nos manifesta, desempenhando as experiências afetivas, a esse respeito, um importante papel "dinamogênico". Essa elabora­ção cognitiva, que se nutre das fontes da vivência individual e da aprendizagem social, caracteriza a vida mental que é pró­pria do Homem e que comporta o pensamento reflexivo e a comunicação verbal. Não obstante, convém acrescentar, no que concerne à elaboração cognitiva que sofrem as representa­ções geradas pelas interações com o "real", que a diferença entre o animal e o Homem reside menos na própria existência de certas faculdades – ainda que sejam muito mais desenvolvi­das na criança do que no chimpanzé jovem – do que na utili­zação efetiva que delas é feita em condições naturais.

Para que um organismo vivo se insira em seu meio bioló­gico (e, em se tratando do Homem, em um contexto sociocultu­ral), para que possa dialogar de maneira harmoniosa com ele (com eles), é preciso:

– não só que, em cada nível de integração e de organiza­ção, diferentes "operações" (tratamento das "entradas", elabo­ração das "saídas" e integração de umas com as outras) se de­senvolvam normalmente e funcionem de maneira normal;

– mas também que as passagens, os deslizamentos de um nível a outro, assim como as interações complexas entre eles, se efetuem de maneira facilitada. No tocante a essas ope­rações de "comutação", os dados experimentais evidenciaram, de um lado, o importante papel desempenhado a esse respeito pelo striatum, por certas estruturas Iímbicas e pelo córtex pré-frontal e, de outro, o fato de que essas operações são controla­das, moduladas pelos grandes sistemas longitudinais (em par­ticular, os sistemas catecolaminérgicos ascendentes).

Desde o momento que, em determinado nível, as dife­rentes operações não se desenrolem de maneira facilitada, ou que as "comutações" para esse nível não se efetuem facilmen­te, as respostas são amiúde exageradamente submetidas às in­formações que prevalecem em um nível menos elaborado de inte­gração e de organização. Assim é que os dados experimentais evidenciam claramente os seguintes fatos:

– Quando a atenção seletiva, a capacidade de reconhecer o caráter de novidade de uma informação, ou ainda as funções cognitivas mais complexas são perturbadas, o animal apresenta menos atividades exploratórias e mais atividade motora não orientada.

– O animal portador de uma lesão límbica apresenta um comportamento muito menos "personalizado" que antes da intervenção, em conseqüência de referir-se muito menos à ex­periência passada, e observam-se nele nitidamente mais ativi­dades "orais" de todos os tipos, em especial mais atividades estereotipadas ligadas às restrições endógenas. Nesse caso, igual­mente, a disfunção em determinado nível acarreta uma regres­são a um nível de integração e de organização menos elaborado. E destacamos provavelmente mais do que uma simples ana­logia ao sublinhar o fato de que, no comportamento verbal próprio do Homem, uma perturbação que afete os deslizamen­tos – metafóricos e metonímicos – entre significado e signifi­cante corre o risco de levar, também nesse caso, à estereotipia.

Os três níveis de integração e organização que acabamos de ver distinguem-se igualmente pelas modalidades e finalida­des dos processos de regulação e adaptação de que são alvo:

a) Nos comportamentos de tipo reflexo, de determina­ção rígida, são os programas genéticos próprios da espécie que fornecem as referências, os diversos "pontos de equilíbrio". O caráter adaptado do comportamento é inato; é a expressão da "sabedoria do corpo" (The Wisdom of the Body, Cannon).

b) Quanto às trocas socioafetivas, tal como são observa­das no animal, as programações genéticas determinam sua es­trutura, assim como os meios de expressão e de ação de que dispõe – potencialmente – cada organismo individual. Mas a forma adaptada como esses meios são colocados em ação é am­plamente determinada pela experiência individual adquirida nas interações com os outros, graças aos processos de reforço posi­tivo e de reforço negativo postos em jogo pelas conseqüências que resultam, para o organismo individual, dessas interações.

c) A partir do momento em que intervém a elaboração cognitiva que caracteriza a vida mental do Homem, é o contexto sociocultural – com seus sistemas de valores e seus mitos ­que fornece os referenciais. O grau de adaptação se define pe­lo grau de integração nesse sistema sociocultural. Criam-se, desse modo, novas restrições; mas, ao mesmo tempo, desenvol­ve-se certa liberdade em relação às restrições biológicas. O Homem pode não somente inscrever seu destino individual no curso da história de sua espécie, como pode também – pela primeira vez na história evolutiva – "mudar-lhe o curso", tan­to para melhor como, infelizmente, para pior.

Papel desempenhado pelos processos de ativação

Todo comportamento, e, em particular, todo comportamento suscitado pelo – e orientado para o – ambiente pressupõe certo grau de ativação do Sistema Nervoso Central. O gerador dessa ativação, que tem o "despertar comportamental" como corolário, é constituído pelo Sistema Reticular Ativador Ascen­dente (SRAA) do tronco cerebral, que é ativado, por sua vez, pelo conjunto de aferências sensitivo-sensoriais e também pelos fatores bioquímicos (em particular, as catecolaminas circulantes). No caso de uma resposta motora simples (por exemplo, abertu­ra da goela por contração do músculo digástrico no gato), constatamos que a ativação do SRAA tem como efeito reduzir – no nível dos neurônios motores do músculo digástrico – o impacto das aferências nociceptivas segmentares e acentuar, ao contrário, o das influências de origem cortical. Em outras palavras, a ativação do SRAA facilita a passagem de uma "pilotagem automática" para uma "pilotagem voluntária" do movimento.

No tocante aos comportamentos mais complexos (ativi­dades exploratórias, comportamentos ingestivos etc.), a área hipotalâmica lateral constitui um verdadeiro prolongamento até a parte anterior do SRAA. Essa área, ela própria, é não ape­nas um sítio de convergência de numerosas "entradas" intero­ceptivas e exteroceptivas, como constitui, além disso, o lugar de passagem de vias nervosas que desempenham um papel im­portante nos processos de ativação comportamental: as conexões recíprocas entre o SRAA e o hipocampo, assim como a via dopaminérgica nigroestriada. Por conseguinte, não surpre­ende que as lesões bilaterais da área hipotalâmica lateral acarre­tem uma supressão das atividades exploratórias (acinesia) e dos comportamentos ingestivos (afagia, adipsia), sempre permitin­do que subsistam as atividades simples e estereotipadas, como a mastigação, os movimentos de sucção, o coçar-se e o lim­par-se. A supressão das atividades orientadas traduz menos uma perturbação das integrações sensório-motoras enquanto tais do que um déficit no impacto que normalmente têm os si­nais sensoriais, e isso devido a um nível de ativação insufici­ente, pois, com efeito, podemos restabelecer – transitoriamen­te – essas atividades orientadas, simplesmente elevando o nível de ativação (o beliscar a cauda, a exposição à água fria ou ou­tras situações tensionantes, a injeção de anfetamina).

Papel desempenhado pelos processos de comutação

A passagem de um comportamento estereotipado para com­portamentos mais orientados e mais bem adaptados faz-se acompanhar pelo aparecimento do ritmo teta ao nível do­ hipocampo (esse ritmo é característico, simultaneamente, da vigília atenta e do sono paradoxal). Essa atividade hipocâmpica não mais aparece no animal em quem a lesão hipotalâmica tenha provocado a supressão das atividades exploratórias e dos comportamentos ingestivos.

Paralelamente, constata-se que a administração de atropina, que induz uma nítida "estereoti­pia" no rato, tem igualmente como efeito bloquear a gênese do ritmo teta hipocâmpico que acompanha normalmente a comutação para um comportamento mais bem adaptado, ou seja, mais bem orientado pelas retroações provenientes do ambiente.

Por outro lado, autores evidenciaram claramente o papel desempenhado pelo núcleo caudal e pela via dopaminérgica nigroestriada nos processos de comutação implicados pela escolha de uma estratégia adapta­da, com base nas informações de origem interoceptiva ou exteroceptiva.

Esses trabalhos demonstraram, inicialmente, que as modificações induzidas nas atividades colinérgicas no seio do núcleo caudal perturbavam a avaliação das prioridades rela­tivas que correspondem, respectivamente, às restrições endóge­nas e às restrições exógenas na escolha das estratégias compor­tamentais. Em seguida, tais trabalhos evidenciaram que, em u­ma situação que coloque em jogo a sobrevivência do animal, uma alteração dos mecanismos dopaminérgicos no neoestriado (provocada por administrações sistêmicas ou locais de doses muito baixas de haloperidol) tem por conseqüência fazer com que o animal mantenha de modo estereotipado o comporta­mento inicialmente escolhido, qualquer que seja a eficácia da estratégia assim adotada e mantida, ao passo que os animais de controle mudam continuamente seu comportamento e desen­volvem rapidamente uma estratégia plenamente eficaz.

Mesmo que ainda não se conheça com precisão o papel desempenhado, respectivamente, pelo hipocampo e pelo siste­ma dopaminérgico nigroestriado nesses processos de comuta­ção, claro está que é nessas duas direções, em particular, que as pesquisas serão fecundas.

Papel desempenhado pelos processos de reforço

A escolha de uma estratégia comportamental adaptada e eficaz implica, evidentemente, que o comportamento seja modulado pelas conseqüências – com suas conotações afetivas – que dele decorrem (outcome-determined, para os autores anglo-saxões). Desde que um comportamento seja posto em ação em razão de seu valor "instrumental" ("operatório") antecipado, é im­portante que este último seja devidamente verificado, para ser confirmado ou refutado. Já vimos, que o sistema límbico desempenha um papel essencial na confrontação dos resultados efetivamen­te obtidos com os que eram antecipados no momento da ela­boração da resposta comportamental, na gênese da experiência afetiva – prazerosa ou desprazerosa – que dela decorre, e na colocação em jogo de um processo de reforço positivo ou nega­tivo (que aumenta ou, ao contrário, diminui a probabilidade de utilização posterior do instrumento que constitui esse compor­tamento no diálogo com o meio ambiente).

O estudo dos sistemas de reforço é feito graças às experi­ências chamadas de auto-estimulação e auto-interrupção. Nas experiências de auto-estimulação, implanta-­se um eletrodo em uma determinada região do cérebro e dá-se ao animal (ou ao humano) a possibilidade de estimular a si próprio – por exemplo, pressionando uma alavanca. Constata-­se então que, em certas estruturas cerebrais (no nível da área hipotalâmica lateral ou próximo aos núcleos da rafe), o rato se estimula até perder o fôlego; quando está esfaimado e é co­locado na presença de duas alavancas, uma das quais lhe permi­te estimular-se eletricamente na área hipotalâmica lateral, en­quanto a outra lhe permite obter o alimento, ele despreza esta última e se interessa tão-somente pela auto-estimulação. Pode­mos concluir daí – de maneira perfeitamente objetiva – que a ativação dessa estrutura cerebral tem efeitos que o animal procura efeitos "apetitivos" que reforçam positivamente qualquer comportamento que Ihes dê origem.

Inversamente, quando implantamos o eletrodo de esti­mulação em algumas outras estruturas cerebrais (por exemplo, o hipotálamo médio ou a parte dorsal da massa cinzenta central do mesencéfalo), não só o rato não se estimula, como também se observa que evita cuidadosamente tocar na alavan­ca; além disso, quando lhe impomos uma estimulação em uma dessas estruturas cerebrais e lhe damos a possibilidade de inter­rompê-Ia pressionando uma alavanca, constata-se que ele aprende muito depressa a praticar essa auto-interrupção. Por­tanto, fica demonstrado que essa estimulação, ao contrário da anterior, tem efeitos que o animal procura evitar, efeitos "aver­sivos" que reforçam negativamente qualquer comportamento que Ihes dê origem, mas reforçam positivamente qualquer com­portamento passível de pôr fim a eles.

É com referência aos conceitos que decorrem dessas experiências de auto-estimulação e auto-interrupção que con­vém agora explicar os resultados obtidos nas experiências em que se desencadeia, por estimulação intracerebral, uma condu­ta agressiva no rato. Tomemos o exemplo do comportamento que se tem estudando há longos anos em laboratório, a saber, o apresentado pelo rato (que qualifica-se, para efeito de sim­plificação, de "rato assassino") diante de qualquer camun­dongo introduzido em sua gaiola.

O rato "assassino" que conta com a experiência desse comportamento mata friamente o camundongo, sem nenhuma reação emocional aparente. Ao se repetir, a agressão interespe­cífica reforça a si mesma de maneira positiva, sendo-lhe cada vez mais nitidamente subjacente uma motivação de natureza apetitiva. É pos­sível abolir esse comportamento de apetência praticando-se uma lesão (hipotalâmica lateral ou amigdaliana) que perturba o funcionamento normal do sistema de reforço positivo. Inversamente, pode-se incitar ao com­portamento de matar imediatamente um rato que, de hábito, só mata depois de um retardo de várias horas, estimulando certos pontos do hipotálamo lateral ou do tegumento médio do mesencéfalo. Ora, constata-se que todos esses pontos de estimulação, sem nenhuma exceção, são pontos de auto-esti­mulação, pontos do sistema de reforço positivo. E, quando se dá ao animal a possibilidade de estimular a si próprio no nível de um desses pontos, ele se es­timula efetivamente e, por isso mesmo, incita-se a atacar e matar imediatamente o camundongo que, de outro modo, só atacaria e mataria ao cabo de várias horas. Da mesma forma estimulando-se o rato "assassino" ao nível desses pontos, pode se fazer com que ele aprenda um labirinto mais ou menos  complexo que lhe permita ter acesso a um camundongo e matá-Io. Dado que o rato só efetua uma aprendizagem na me­dida em que a tarefa aprendida lhe permita obter uma recom­pensa, podemos concluir que a estimulação hipotalâmica lateral ou tegumentar ventral faz com que o animal antecipe uma re­compensa que irá encontrar sob a forma de um camundongo passível de ser atacado e morto.

A ativação experimental do sistema de reforço positivo permite também criar completamente uma agressividade intra­específica entre congêneres que absolutamente não existia de início.

Escolhem-se dois ratos perfeitamente calmos em rela­ção um ao outro. Em um deles, implanta-se um eletrodo no nível de um ponto onde constatemos que ele efetua a auto-estimulação e que, portanto, corresponda a um ponto do sistema de reforço positivo. Todas as vezes que esse animal apresenta a menor veleidade de agressão, o menor esboço de conduta agressiva com respeito a seu congênere, estimulamo-Io através do eletrodo implantado. Em outras palavras, recompen­samos qualquer veleidade de agressão, associamos regularmente uma experiência afetiva prazerosa com qualquer esboço de conduta agressiva. E constatamos que, desse modo, desenvolve­-se nesse rato uma agressividade cada vez mais acentuada e cada vez mais estável. Essa agressividade diante do congênere não existia de maneira inata; desenvolveu-se porque a tornamos "recompensadora", porque permite ao animal reviver uma experiência afetiva prazerosa que associáramos previamente, de maneira repetida, através da estimulação intracerebral, com qualquer veleidade de agressão.

Mas tal ativação do sistema de reforço positivo, de re­compensa, não desencadeia o comportamento de agressão inte­respecífica no rato "não-assassino", ou seja, no animal que jamais matou espontaneamente um camundongo colocado em sua presença. Ao contrário, como já vimos mais acima, pode-se facilmente desencadear esse comportamento de agressão no rato "não-assassino", estimulando-o ao nível do sistema de re­forço negativo e associando à intromissão do camundongo uma experiência afetiva desprazerosa, aversiva, experimental­mente induzida. O comportamento de agressão assim desenca­deado não é mais um comportamento de apetência, mas, ao contrário, um comportamento de defesa, uma conduta que permite ao rato pôr fim a uma emoção de natureza aversiva. Essa agressão é desencadeada no nível de pontos de estimula­ção que revelam ser, efetivamente, pontos de auto-interrupção. E, desde o momento que se tenha concedido ao rato a possi­bilidade de interromper a estimulação intracerebral e os efeitos aversivos por ela induzidos (pressionando uma alavanca), essa mesma estimulação do sistema de reforço negativo praticamen­te não mais incita o rato a atacar e matar o camundongo apre­sentado em sua gaiola.

Esses dados experimentais deixam transparecer clara­mente o papel preponderante que resulta da utilização dos sis­temas de reforço na gênese e na evolução dos estados de moti­vação subjacentes aos comportamentos de agressão.

Comentários finais

Esse trabalho, eu o realizei, ao longo de três anos, nos Institutos de Bio-Ciências e de Bio-Medicina da USP, pesquisando em Neurociência Experimental com mamíferos inferiores, em busca de um fio de Ariadne para encontrar alguma abordagem eficiente, em Psiquiatria Forense, na minha lide com psicopatas e encefalopatas criminosos reincidentes nas Penitenciárias e Manicômios Judiciários. Seja com fins diagnósticos, seja a um possível tratamento.

Pelos métodos atuais, vejo esses indivíduos desviantes como absolutamente irrecuperáveis, ainda que o nosso sistema prisional pudesse ser melhorado em muito. Acredito na Psicocirurgia como uma intervenção promissora nesses casos-limite, e sempre raciocinando em termos de correlação mente-cérebro não-causal. Enquanto não se defina uma conduta terapêutica mais precisa, a única maneira de proteger a Sociedade destes indivíduos, a meu ver, é a Pena de Morte. Antes de se pensar em medidas eugênico-sociais das fontes dessa espécie que não chega a ser humana, sempre a meu ver, temos de atuar eutenicamente, no aqui-e-agora. Só conheço, em a Natureza, um exemplo de beleza e pureza, que consegue brotar sobre os dejetos da Humanidade: a flor de Lótus.

Quer se trate dos mecanismos cerebrais que concorrem para a percepção da relação individual com uma situação potencial­mente agressogênica ou dos que estão implicados na escolha de uma estratégia comportamental adaptada, são numerosos os mecanismos a respeito dos quais não há nenhuma razão para supor que o cérebro humano difira essencialmente do cérebro de qualquer outro Mamífero.

Mas tratou-se repetidamente do "valor instrumental" do comportamento, ou seja, do fato de que o repertório compor­tamental dota o organismo vivo de meios de ação que lhe são necessários para obter aquilo que busca e para evitar aquilo de que procura escapar. Ora, é precisamente a esse respeito que se faz necessário sublinhar uma diferença essencial pela qual o Homem se distingue do animal. Neste último, tanto o que pre­cisa ser procurado como o que deve ser evitado corresponde, essencialmente, a imperativos biológicos inatos, geneticamente pré-programados.

No Homem, o leque de necessidades – e, so­bretudo o de "desejos" – ampliou-se singularmente.

Aquilo que "vale buscar", do mesmo modo que aquilo de que "vale escapar" não mais decorre apenas de necessidades biológicas fundamentais, mas sim, amplamente, de "sistemas de valores" que fornecem inúmeras motivações especificamente humanas. É comum dizer que o universo humano é feito de significações. Não que o cérebro do animal também não associe certa significação a este estímulo ou àquela situação, mas essa signi­ficação permanece estreitamente ligada à satisfação de neces­sidades propriamente biológicas. No Homem, uma história cul­tural veio enxertar-se na história biológica da espécie e numerosas significações são retiradas do mundo das idéias e se ligam aos símbolos que remetem a ele. Sabemos da força fre­qüentemente aterradora que as idéias encerram, conforme a maneira como sejam manejadas ou manipuladas. Em Roi des Aulnes, Michel Tournier levou um de seus personagens a dizer:

"Mas ainda não vedes onde leva essa terrível proliferação de símbolos. No céu saturado de figuras prepara-se uma tempesta­de que terá a violência de um apocalipse e que nos tragará a todos!"

Que seja permitido a um biólogo dizer que, em sua opinião, nenhuma fatalidade de ordem biológica jamais pode­ria ser considerada responsável pelo fato de os Homens se ser­virem de certas idéias para subjugar e aviltar outros Homens, e pelo fato de que idéias potencialmente geradoras de promoção individual e progresso coletivo se transformem em dogmas de­fendidos com intolerância e fanatismo, tornando-se, por isso mesmo, potencialmente – ou até mesmo efetivamente – gera­doras dos piores desdobramentos de violência.

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