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Oliver Smithies – Nobel de Medicina de 2007

Introdução

 

"Existe um grande engano sobre o significado de uma célula estar viva, pois no momento em que você reutiliza aquela célula, ela pode gerar um ser humano, ou então criar uma parte de um outro, e você está fazendo cumprir o seu papel de vida. Enquanto que se você 'descascar' a cé­lula – que é como se faz com os embriões não utilizados -, isso sim é morte, e aquela célula nunca irá gerar vida". A argumentação em fa­vor da utilização de células-tronco em pesqui­sas é de um dos prêmios Nobel de Medicina e Fisiologia de 2007, o geneticista Oliver Smithies. Ele esteve em São Paulo, como convidado de honra do I Simpósio Brasileiro de Tecnologia Transgênica, realizado pela Unifesp em março, para discutir as principais técnicas utilizadas no mundo para a geração de animais transgênicos.

Inglês naturalizado americano, Smithies foi responsável pelo desenvolvimento de uma téc­nica que permitiu modificar geneticamente cé­lulas-tronco embrionárias em camundongos, o que lhe deu o Prêmio Nobel, juntamente os geneticistas Martin Evans e Mario Cappechi.

A técnica que consiste em fazer uma muta­ção dirigida, utilizando a recombinação homó­Ioga para modificar um gene e produzir ani­mais nocaute (com um gene especifico desa­tivado) – representa um salto importante nas pesquisas, pois permite saber que gene especí­fico causa determinada doença. Ou seja, mo­dificando-se um gene determinado em uma célu­la-tronco embrionária cria-se um animal com a alteração genética que mimetiza a doença hu­mana. Isso permite avaliar o modus operandi de surgimento da doença, como ela se propaga e a descobrir novas drogas para tratá-la.

Em coletiva à imprensa durante o simpósio, Smithies falou sobre suas pesquisas e as ques­tões éticas e científicas que envolvem a produ­ção e utilização de animais transgênicos:


Entrevista

1. Em que consiste a técnica de­nominada nocaute?

Consiste em extrair células­-tronco de um embrião e colocá­-Ias em uma placa de cultura para gerar um animal, ou seja, você consegue isolar uma célu­la-tronco de um embrião e de­pois fazer com que essa célula-­tronco volte a gerar um animal. Com base na técnica de recom­binação homóloga, mostrou-se que era possível modificar es­pecificamente o genoma dessas células-tronco embrionárias. Se você juntar as duas coisas, per­ceberá que é possível modificar especificamente o genoma des­sas células e ainda gerar um animal a partir dele, criando assim modelos de doenças ge­néticas humanas.

2. A cura de determinadas doen­ças poderia ser viabilizada?

Se você sabe que uma pessoa tem uma doença genética, com cer­teza pode utilizar isso. E uma vez que essas células podem se dife­renciar em qualquer tipo de cé­lula ou de tecido, teoricamente você poderia tratar, por exemplo, problemas cardíacos com elas. Quando você coloca essas célu­las-tronco em cultura, parte de coisas que teoricamente acredi­tava estarem mortas, podendo, após a diferenciação celular, ver células cardiomiócitas pulsando como se fossem vivas. Desde a primeira vez que vi isso, fiquei arrepiado. Imagine você pegar células-tronco embrionárias hu­manas, deixá-las em cultura até formar as células cardíacas, e poder tratar uma pessoa com problema cardíaco.

3. Existem restrições em se uti­lizar células-tronco adultas nessas experiências?

Nós temos a possibilidade de uti­lizar células-tronco embrionári­as, ao invés de utilizar células-­tronco adultas. Na verdade nós deveríamos fazer as duas coisas. Para você fazer essa célula-tron­co adulta ter a potencialidade da célula-tronco embrionária é ne­cessário adicionar alguns genes e é isso que os pesquisadores es­tão tentando fazer agora.

4. Como ficariam as questões éti­ca e religiosa que se colocam?

Religião é uma coisa que cresce com o tempo, está ligada à crença de cada pessoa. Eu pos­so acreditar que a vida foi cria­da por Deus, ou então que ela é fruto da evolução. Independen­temente disso, dá para saber quando uma planta está viva ou não, bem como uma célula. Eu acredito que existe um grande engano sobre o significado de uma célula estar viva, pois no momento em que você reutiliza aquela célula, ela pode gerar um ser humano, ou então criar uma parte de um outro, e você está fazendo cumprir o seu papel de vida. Enquanto que se você "descascar" a célula – que é como se faz com os embriões não utilizados -, isso sim é mor­te, e aquela célula nunca vai gerar vida. Já existem quatro milhões de crianças nascidas por fertilização in vitro no mun­do, mas ainda assim há falta de conhecimento sobre o processo. A situação pode melhorar a par­tir do momento em que as pes­soas conheçam mais como o processo funciona. Eu gostaria, quando morrer, de ver parte do meu corpo dando vida a outras pessoas. Utilizando células em­brionárias para formar células em outras pessoas, é como se eu estivesse doando vida, e não destruindo. Essas células têm vida, mas se você não utilizá­-las, você descartará a possibili­dade de beneficiar alguém.

5. Com o avanço das pesquisas, a cura de doenças como o Mal de Parkinson está próxima?

Acredito que uma coisa comple­tamente nova, que não temos condições de imaginar agora, surja de repente. Nós não pode­mos predizer com precisão. Às vezes, achamos que algo vai le­var 50 anos para acontecer, e, para nossa surpresa, ela aconte­ce em cinco, dez anos. Acredito que conseguiremos fazer tecidos para o coração em cinco anos, mas talvez essa previsão não seja cumprida. As coisas para serem feitas podem levar muito tempo, então eu peço que sejam pacientes e nunca digam que isso vai acontecer logo. Por isso, vocês, jornalistas, devem ajudar – a nós cientistas -, a nos co­municar com as outras pessoas, pois não posso falar com muita gente simultaneamente, mas posso falar com vocês, para que disseminem nossas idéias entre muitas pessoas.

6. Qual a sua opinião a respeito dos alimentos provenientes de animais clonados? Há riscos para a saúde humana?

Não vejo nenhum problema nis­so, pois a natureza já vem fa­zendo essas modificações, en­tão por que nós mesmos não podemos selecionar as melho­res e fazer uso delas? Não exis­tem riscos. Eles são zero.

Concedida ao Jornal do Cremesp – abril 2008

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