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Ser em movimento, por uma emergência da ressensibilização: Um ensaio sobre Le Parkour

Este ensaio visa aproximar uma atividade urbana contemporânea criada na França e espalhada pelo mundo, Le Parkour, com alguns autores da personalidade que trazem teorias que questionam e tentam tratar problemas oriundos de concepções que fundaram o homem moderno.
O homem ocidental herdeiro de diversas correntes filosóficas e científicas se alienou cada vez mais de si mesmo. Mergulhado em exercícios plenos de razão e doutrinas platônicas onde a cabeça (logos) era tudo, e o corpo desconsiderado, a alma vista como algo imutável, incorruptível e a moral transcendente a única verdade a ser seguida, a vida se vê refém da razão.

A partir daí, especulações antropocêntricas foram surgindo, e o homem se apossou do mundo afastando-se cada vez mais da natureza. Eventos naturais poderiam ser totalmente dominados e explorados graças à razão pura e salvadora responsável por uma prática metodológica rígida e reducionista. Um dos problemas era encontrar a solução para grande marca humana, a idéia de morte. Então, criaram instituições, como a medicina, que tinham o poder de formar regras de conduta para o viver. Essas relações de poder, bem como os interesses capitalistas de intensa produção e acumulação de bens transformaram nossos corpos, domesticando e anestesiando-os. A ética capitalista prega a liberdade, mas com a concepção de corpo como propriedade privada em que não há perturbações externas e o transbordamento que ele tanto precisa. Assim nos escondemos atrás da moral e a vida se engessa, desconhecemos nosso corpo por sermos impedidos de sentir. Nossos corpos precisam de movimentos como pulsões, devemos emanar atitudes criativas, independentes de razão ou consciência, para manter a vida.

“Parkour é a arte do deslocamento, os participantes visam se movimentar de um obstáculo para outro com a maior velocidade e precisão possível. Desse modo, o parkour ajuda a superar obstáculos que poderão ser qualquer coisa no ambiente circundante — desde ramo de árvores e pedras até grades e paredes de concreto — possibilitando ser praticado na área rural e urbana. Homens que praticam parkour são reconhecidos como traceurs e mulheres como traceuses.”(Wikipédia)

O grande objetivo do parkour é o movimento. Autores como Reich e Perls valorizam muito isso, pois através da qualidade motora que você permite se conhecer e conhecer o mundo, com experiências inteiramente individuais; subjetivas. Assim como Perls critica a forma cientifico-mecanicista de ver o homem, o parkour, por sua vez não detém leis para treinamentos e manobras, a prática foge da idéia representacionista e normativa, está na pura possibilidade do SER humano e na (des)construção do ambiente, cada um cria seu percurso. Por isso não existem campeonatos, afinal não há o melhor praticante para comparações. A busca está na superação individual, busca-se o crescimento por meio de auto-regulações1. A grande dificuldade de Reich era o conflito de seus pacientes entre racionalização e percepção corporal de suas couraças2 -Percebo que percebo meu perceber-. Cabe na prática do parkour uma ressensibilização do corpo, é preciso saber exatamente onde está seu braço, sua perna, seus olhos, boca, pescoço, tórax, diafragma, abdômen; pélvis quais seus limites, COMO se salta, escala e corre. Tais exercícios intensificam uma autoconsciência3, além da possibilidade de noção do organismo como um todo e sua coexistência com o meio, inserido nas diversas relações obstáculos – atleta.

É interessante a idéia de Perls sobre a ênfase no aqui agora4, para a eficiência dos movimentos, afinal os participantes devem estar focados inteiramente no presente e se a ansiedade e o medo da falha aparecerem será preciso uma total aceitação e percepção do presente como único momento possível. Desta forma os medos são enfrentados e os movimentos feitos com sucesso seguindo o fluxo da energia vital. Enfim, com a leitura desta prática seja como filosofia, esporte ou intervenção urbana dialogando com as teorias de Reich e Perls, entendemos que o homem contemporâneo deve perceber-se como um vivo capaz de auto-regulações, onde a vida não deve se endurecer por meio de repressões e leis externas que determinam sua conduta moral. O homem e o meio da mesma forma que mostramos na prática do parkour são puras possibilidades, fruto de nossa invenção do mundo. A constante apropriação alternativa dos locais e suas explorações, objetivando experiências puras dão possibilidades a intensas explosões de afeto. As relações humanas flexíveis e congruentes com esses afetos permitem uma aplicação ética interessante para nosso crescimento psicológico.

1. Cabe aproximar o conceito de auto regulação com o conceito de autopoiese intensas e infinitas interações entre o meio e o vivo, no qual ambos provocaram mutuas perturbações que engendraram respostas criativas devido à multiplicidade que é o vivo e sua arquitetura ontogênica – Maturana.H; Varela. F.

2. Traços provenientes das defesas do ego resultado de repressões que vão configurando o caráter do indivíduo, o encouraçamento pode aprisionar emoções por meio de tensões musculares específicas que impedem o fluxo bioenergético e o desenvolvimento do caráter genital. Para desencouraçar não é preciso apenas trazer os desejos à consciência, mas também dar forma às emoções, o paciente deve experimentar e dinamizar seu conteúdo.

3. Para Perls a expansão da autoconsciência permite um crescimento pessoal já que um grande problema percebido na clínica é a fuga da conscientização.

4. Os neuróticos são incapazes de viver o aqui agora pois carregam cronicamente situações mal resolvidas (gestalten incompletas). Sua atenção está sempre sendo consumida, em parte, por essas experiências passadas inacabadas desviando energias que seriam utilizadas para viver o presente.

Referências Bibliográficas

FADMAN,A.; FRAGER, R. Teorias da personalidade. São paulo: Ed. HARBRA, 2002, pg. 87 a 148.

FOUCALT, Michel. História da sexualidade 3, O Cuidado de Si. Rio de Janeiro: Ed. Graal, 1985, pg 88 a 136.

GAIARSA, José Ângelo. Couraça Muscular do Caráter. São Paulo: Ed Agora, 1984.

REICH, Wilhem. Análise do Caráter. São Paulo: Ed. Martins Fones, 1995.

ON LINE, disponível em: hp://blog.parkour.com.br. Acesso em 1 de novembro 2007.

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