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Ensaio sobre o corpo III – Uma visão Lacaniana

Nesse último “ensaio sobre o corpo”, procurei trazer uma visão lacaniana do corpo em psicanálise, a qual me parece imprescindível quando se aborda essa temática. A noção de “gozo” adquire um aspecto central na teorização lacaniana.

“O gozo só se apreende , só se concebe pelo que é corpo. Seja qual for a maneira como goza, bem ou mal, ele só pertence a um corpo de gozar ou de não gozar, ou, pelo menos, é essa a definição que daremos ao gozo” = Jaques Lacan.

Dando continuidade a questão do corpo em psicanálise, vamos aqui defini-lo em relação aos dois parâmetros fundamentais, os quais delimitam o campo psicanalítico: a fala e o sexo. Entendemos que tudo aquilo que fica fora do domínio da fala e do sexual, não pertence ao nosso campo. Dessa consideração, deriva que o psicanalista concebe dois estatutos do corpo, ou seja, o corpo falante e o corpo sexual.

Segundo Lacan, o corpo sexual reduz-se à sua parte “gozosa” e, visto por esse ângulo, não existe corpo total, ou seja, o corpo é sempre uma parte; ou, em outras palavras, “ele é o gozo local acumulado nessa parte”.

O que vem a ser um corpo sexual?

Porque o corpo é todo gozo e porque o gozo é sexual. A meta do gozo é sexual e, assim sendo, tudo o que ele toca ou acarreta em seu fluxo sexualiza-se, quer seja uma ação, uma palavra , uma fantasia, ou um dado órgão do corpo que se tenha tornado erógeno.

O que vem a ser um corpo falante?

O corpo que interessa à psicanálise não é um corpo físico, mas sim um corpo tomado como um conjunto de elementos significantes, os quais falam entre si.

Por exemplo: quando um corpo suscita um sentimento, ele é um corpo-imagem, mas quando o mesmo corpo desperta um dizer imprevisto, ele é um corpo-significante.

Seguindo os dizeres de Juan David Nasio: “Quando um analista vai buscar seu paciente na sala de espera, olha-o em seu rosto. Isso, é mais do que um gesto de acolhida, mas sim, o primeiro passo da sessão que se inicia. Esse corpo que desperta meu sentimento de simpatia ou antipatia não é o corpo significante. Esse corpo será significante, na medida em que desperte em mim, por exemplo, uma intervenção inesperada no decorrer da sessão”.(…) “O corpo significante não é o corpo evocador que me fala,mas o que está investido do poder de determinar, sem meu conhecimento, um ato na análise.

O corpo, então, é um corpo falante e sexual além de ser também uma imagem, contudo não é a imagem que vemos no espelho que nos reflete, mas sim a imagem que me é remetida pelo outro,meu semelhante. A imagem do corpo, nos volta de fora para dar forma e consistência ao meu corpo sexual, o do gozo.

A imagem do corpo deve reunir duas caracteríticas:

= que seja proveniente do exterior, de um outro ser humano.

= que seja prenhe e que se preste a abarcar os focos do meu gozo.

Existem assim, três dimensões do corpo que devem ser observadas:

As dimensões: real, simbólica e imaginária.

É importante observar que, quer estejamos na dimensão do real, do simbólico ou do imaginário, ainda estaremos no contexto do parcial.

A psicanálise privilegia a parte, uma vez que na dimensão inconsciente só existe o parcial. Quando falamos no conceito de um objeto parcial, estamos pressupondo a existência prévia de um Todo, do qual o objeto teria se destacado. Quando estamos no terreno da psicanálise, devemos entender que só existe a totalidade na ficção.

A dificuldade do analista diante da presença maciça do corpo na análise:
Inicialmente, o analista deve ter uma teoria e coloca-la à prova, para se instalar na escuta. Algumas condições se fazem necessárias:

Ter uma teoria, a qual deverá ser substituída por uma fantasia que seja, ao mesmo tempo, derivada dos conceitos e embasada no dizer concreto do paciente. Após esse movimento, dispor-se para a escuta, esquecendo de tudo isso, teoria e fantasia, sem se defender do esquecimento. (J.-D. Nasio).

Qual a teoria freudiana existente para dar conta das afecções orgânicas surgidas no decorrer do tratamento?

É notório que Freud jamais foi indiferente sobre às afecções orgânicas do corpo, tendo explicado a sua psicogênese por uma intensificação excessiva do papel erógeno do órgão, chegando a perturbar as funções fisiológicas, ou mesmo lesar os tecidos. “ O papel funcional é desviado em função do papel erógeno”. Para descrever esse estado mórbido com relação a um gozar excessivo, Freud empregou a expressão alterações tóxicas da substãncia orgânica, oriundas de uma estase da libido ou por uma intensificação da significação erógena do órgão. Dessa forma, o corpo real do gozo confisca o órgão, destruindo os seus tecidos como um agente tóxico, além de invadir o espaço da análise.

É, exatamente para essa invasão, que o analista deve estar muito atento desde o seu lugar.

Bibliografia Auxiliar

= “ O Estranho Gozo do Próximo” — Philippe Julien

= “Escritos Clínicos — Serge Leclaire

= “O olhar em psicanálise” — Juan David Nasio

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