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Violência doméstica: retratos de Isabelas

Este breve comentário tem como objetivo refletir acerca do tema mais comentado e debatido pela mídia durante o mês de abril de 2008, o “Caso Isabella”. O tema da violência doméstica é algo complexo e prudente não somente aos profissionais da área da saúde ou do direito, mas também aos membros de toda a sociedade.
Este breve comentário tem como objetivo refletir acerca do tema mais comentado e debatido pela mídia durante o mês de abril de 2008, o “Caso Isabella”. O tema da violência doméstica é algo complexo e prudente não somente aos profissionais da área da saúde ou do direito, mas também aos membros de toda a sociedade.Meu interesse é salientar que, apesar deste caso ter ganhado atenção e exposição na mídia, a violência doméstica é um problema universal que atinge milhares de pessoas. De acordo com a Unicef e o Ministério da Saúde estima-se que, diariamente, 18 mil crianças e adolescentes sejam agredidos por ano Brasil, sendo as agressões dentro do ambiente doméstico, a maior responsável pela morte de jovens entre cinco a 19 anos de idade. (BALLONE e ORTOLANI, 2005)O “Caso Isabela” chama atenção por questões pontuais, ou seja, por ter ocorrido numa família dentro de uma nova configuração familiar, contemporânea (onde se dão novas constituições familiares), por se tratar de classe média ou classe média alta (fora dos subúrbios, perto de olhares e ouvidos atentos), por revelar em seu ínterim inconsciente de enorme audiência pública, aquilo que Freud há tempos dizia, isto é, algo da ordem do desejo inconsciente revela o ódio e o desejo de assassinar o próximo. (FREUD, 1972)Existem diferentes referenciais epistêmicos no estudo das causas e características da violência doméstica. Além disso, as amostras de casos (população, idade, localização, etc.) também são variáveis. Contudo, em sua maioria, as situações de violência ocorrem com pessoas que a criança e o adolescente conhecem e têm como uma das mais importantes fontes de referência, causando prejuízos físicos e psicológicos na vítima e, em muitos casos, é possível sua perpetuação cíclica.           

Diante do caso em foco, é possível explicitar o conceito de violência doméstica. Isso porque não é somente o assassinato em si que consagra uma violência intrafamiliar, mas também aquilo que o definiu como “triplamente qualificado”. Dessa forma, o conceito de violência doméstica proposto abaixo, elucida: Todo ato ou omissão praticado por pais, parentes ou responsáveis contra crianças e/ou adolescentes que, sendo capaz de causar dano físico, sexual e/ou psicológico à vítima, implica, de um lado, numa transgressão do poder/dever de proteção do adulto e, de outro, numa coisificação da infância, isto é, numa negação do direito que crianças e adolescentes têm de ser tratados como sujeitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. (GUERRA, 2004, p.1) Este conceito revela que estamos lidando com uma posição subjetiva particular de um adulto em relação a uma criança ou adolescente.

É a partir desta posição, ou seja, lugar na subjetividade, que a Psicologia concebe o sujeito humano e, portanto, suas manifestações sintomáticas. Concebe-se que para uma compreensão deste fenômeno, deva-se levar em conta um estudo da história da infância, da sexualidade, da família e da violência, que têm como pressupostos interações psicológicas, sócio-econômicas e culturais. Para que não se faça uma interpretação que possa ser selvagem, objetiva-se com a enorme exposição do “Caso Isabella”, a atenção que os casos de violência doméstica e, portanto, sociais devem ser levadas “na conta” e na “ponta do lápis” pelos órgãos públicos, pois não se trata de categorizar os agressores como pessoas “miseráveis”, de famílias “desestruturadas” ou que não tiveram chances de “boa educação”, pois isso legitima uma sociedade que acredita que somente o “pobre é violento”. Na verdade trata-se da defesa de crianças e adolescentes como sujeitos. (LEI Nº 8.069, DE 13-07-1990)As medidas de encaminhamento surgem quando os casos de violência doméstica são denunciados. A denúncia pode ser feita ao Conselho Tutelar ou em quaisquer outras instituições intermediárias, como à polícia, Juizado, escola, etc., por qualquer adulto e/ou profissional que está lidando com a suspeita ou confirmação de violência. (PEREIRA, 2004) Manifestações da violência doméstica:

Violência Física.

É considerada a forma mais comum de violência doméstica, caracterizada pela punição repetitiva, como tapas, queimaduras, etc. (AZEVEDO e GUERRA, 2005, p.242)

-Violência Sexual Doméstica – Incesto.

Compreendem os atos de coação de abusos sexuais (exibicionismo, manipulação, coito, etc.) exercidas por um familiar ou responsável adulto. (AZEVEDO; GUERRA; VAICIUNAS, 2005 e COHEN, 2005)

-Violência Psicológica.

Compreende os atos de rejeição, humilhação, ameaça etc. fazendo com que o outro se sinta inferior, dependente e culpado. (GUERRA, 2004 e BALLONE e ORTOLANI, 2005)

-Negligência.

Quando os pais ou responsáveis, deixam de prover intencionalmente os cuidados básicos necessários à sua saúde e ao bem estar, como na privação de alimentos, de cuidados higiênicos (negligência material), atenção e amor (negligência psicológica). (GUERRA, 2004)

-Negligência Precoce.

É o nome dado ao tipo de negligência afetiva dos pais ou responsáveis para com recém-nascidos. (BALLONI e ORTOLANI, 2005)

Síndrome do bebê sacudido (Shaken Baby Syndrome)

Manifestações violentas de sacudir os bebês que podem ocasionar em problemas orgânicos como convulsões, lesões na espinha, cérebro e globo ocular. (AZEVEDO e GUERRA, 2005; BALLONI e ORTOLANI, 2005)

-Síndrome de Munchausen por procuração (Munchausen Syndrome by proxy)

Designa um adulto, geralmente a mãe, que apresenta falsas histórias, fabrica sintomas sobre a criança ou o adolescente para receber atenção da equipe médica, o que faz com que os médicos utilizem procedimentos diagnósticos desnecessários que não resultam em um específico diagnóstico e costuma acarretar na morte da criança. (FELDMAN, 2004)

De acordo com Azevedo e Guerra (2005) as estatísticas sobre violência doméstica são diferentes
entre os países, Estados e Municípios. No Brasil, o maior número de casos que são notificados, ou seja, que chegam a ser denunciados, referem-se às violências do tipo físico, sexual e negligência (principalmente material), sendo que a violência psicológica é raramente mencionada em relatórios de notificações. De acordo com Ballone e Ortolani (2005), Passetti (1999), Azevedo (2006) e Kaplan; Sadock; Greeb (2003), Azevedo e Guerra (2005) as estatísticas nacionais revelam as seguintes características: Referências estatísticas:

-Os maiores agredidos são as crianças menores, geralmente de zero a três anos de idade.

-As formas comumente denunciadas são a negligência (material) e a violência física.

-Os maiores agressores são: o pai, a mãe e o padrasto.

-Geralmente quem denuncia é a mãe, seguida de denunciantes anônimos e familiares.

-A família é a maior responsável nos casos de violência sexual, portanto, famílias incestuosas.

-A violência física é praticada principalmente pela mãe seguida do pai.

-A maioria dos casos envolvendo violência física é acompanhada de negligência

-O agressor sexual é principalmente o pai, seguido do padrasto

-O agressor psicológico é primeiro o pai seguido da mãe.

-A negligência é praticada principalmente pela mãe, seguida do pai.

-A grande maioria das vítimas de violência doméstica é do gênero feminino.

-Crianças prematuras ou com algum tipo de deficiência têm maior probabilidade de se tornarem vítimas.

Cabe ao profissional que lida com uma situação de violência doméstica, escutar o relato, atentar
aos indicadores sintomáticos, como dores abdominais, fissuras na região anal ou vaginal, infecções urinárias repetidas, doenças sexualmente transmissíveis, corrimento não-específico, abuso de álcool ou drogas, aproveitamento escolar deficitário, dificuldade de manter a atenção, medo de exames médicos de rotina, comportamento sexual precoce ou exagerado, alterações do apetite e sono, estados fóbicos ou compulsivos, auto-mutilações e tentativas de suicídio. Estas são algumas informações que podem servir como indicadores de que algo pode estar acontecendo com estes sujeitos. (AZEVEDO, 2002) Dessa forma, concebe-se que os profissionais devem se posicionar frente a estas situações de maneira a não serem complacentes com estas situações. A denúncia, a proteção da vítima, o encaminhamento e o atendimento da vítima e do agressor são fundamentais para que o ciclo da violência doméstica seja interrompido. São inúmeras Isabelas que recebemos em consultórios, casas-abrigo. São Isabelas de diferentes idades, ambos os gêneros, diferentes lugares de origem. O que isso nos revela? Num mundo de avanços, o que pode ser considerado humano, ou mesmo ético? Em pauta, surgem inúmeras questões que pretendo deixar em aberto são, também, minhas questões. 

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A (Orgs). Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. 4º Ed. São Paulo: Cortez, 2005.

AZEVEDO, M. A. Módulo 3B – Os Compromissos de um Profissional; Módulo 4A – Que Medidas Psicoterapêuticas são Possíveis? Telecurso de Especialização em Violência Doméstica contra Crianças e Adolescentes – LACRI – IPUSP. São Paulo, 2002. 

AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A.; VAICIUNAS, N. Incesto Ordinário: A vitimização sexual doméstica da mulher-criança e suas conseqüências psicológicas. In: AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A (Orgs). Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. 4º Ed. São Paulo: Cortez, 2005.

COHEN, C. O Incesto. In: AZEVEDO, M. A.; GUERRA, V. N. A (Orgs). Infância e Violência Doméstica: fronteiras do conhecimento. 4º Ed. São Paulo: Cortez, 2005.

FREUD, S. Três ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. In: Obras Psicológicas Completas. Ed Standart Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1972/77 vol I. 1950 (1892-1899).

ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE (ECA). LEI Nº 8.069, DE 13-07-1990. São Paulo: Atlas, 1997.

KAPLAN, H. I.; SADOCK, B. J.; GREBB, J. A. Compêndio de Psiquiatria. 7º Ed. São Paulo: Artmed, 2003.

PASSETI, E. Violentados: Crianças, adolescentes e justiça. São Paulo: Imaginária, 1999.

PEREIRA, T. S. da. O novo Código Civil e a violência intrafamiliar. In: PIZÁ, G.; BARBOSA, G. F. (Orgs). A violência silenciosa do incesto. Clínica psicanalítica da violência. São Paulo: Imprensaoficial, 2004. Referências Eletrônicas:

AZEVEDO, M. A. Instituto de Psicologia USP: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI). Ética Invalidante: Parentalidade, Autoridade, Laço e Lei. Disponível em: www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/eticainvalidante.htm. Acesso em: abril de 2006.

 ________________Instituto de Psicologia USP: Laboratório de Estudos da Criança (LACRI). Ponta do Iceberg – 2005: Dados de Incidência e Prevalência. Disponível em: www.ip.usp.br/laboratorios/lacri/iceberg.htm. Acesso em: abril de 2006.

BALLONE, G. J. e ORTOLANI. Violência Doméstica e Violência: Uma visão Mundial. Disponível em: www.psiqweb.med.br. Acesso em abril de 2005.

GUERRA, V. Prevenção da Violência Doméstica Contra Crianças e Adolescentes. Palestra conferida no I Seminário Regional de Combate à Violência Doméstica e Exploração Sexual Contra Crianças e Adolescentes – Ação em Debate, em 23/11/2004, Uberada, Minas Gerais. Disponível em: www.usp.br/ip/laboratórios/lacri/uberaba.doc. Acesso em março de 2006.

FELDMAN, M. D. Munchausen Syndrome. Disponível em: www.munchausen.com. Acesso em fevereiro de 2004.

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