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Neurociência e Behaviorismo Radical

O Behaviorismo Radical foi muitas vezes acusado de considerar a biologia do comportamento como algo inexistente ou irrelevante e de tratar o cérebro como uma “caixa preta” que deveria ser ignorada no estudo do comportamento humano. Por exemplo, Steven Pinker, acatado como um dos psicólogos mais importantes da atualidade, afirma que “Skinner era defensor ferrenho da tábula rasa” (Pinker, 2004, p. 236), o que é uma falácia.

Tendo em vista que a Neurociência é um corpo multidisciplinar de ciências que tem por objetivo compreender as bases biológicas do comportamento através do estudo do Sistema Nervoso, este artigo tem como objetivo explicar a posição de Skinner acerca do papel que a neurofisiologia exerce na explicação do comportamento e defender que a integração do Behaviorismo Radical/Análise do Comportamento com a Neurociência promoveria uma ciência do comportamento completa.

O Behaviorismo Radical é uma filosofia da ciência preocupada com o objeto de estudo e os métodos da psicologia e caracteriza-se como uma objeção à concepção internalista da ciência psicológica tradicional, que recorre a condições do próprio indivíduo na explicação de seu comportamento, sejam essas condições imputadas à mente, psique, cérebro, volições, pensamentos, estruturas cognitivas ou, ainda, ao funcionamento do Sistema Nervoso Central. Os pressupostos filosóficos do Behaviorismo Radical orientam a Análise do Comportamento, uma prática científica experimental e aplicada que tem como objetivo investigar os processos básicos que permitem explicar, prever, controlar e interpretar o comportamento humano (Skinner, 1953/1965; Tourinho, 2001).

B. F. Skinner, o fundador de tal filosofia, afirma que a postulação de variáveis internas hipotéticas na explicação do comportamento é, na verdade, uma “ficção explanatória” (Skinner, 1953/1965). Em poucas palavras, a crítica do Behaviorismo Radical ao internalismo é um questionamento da crença na autodeterminação do comportamento e seu conseqüente distanciamento do controle ambiental a que o comportamento está submetido (Tourinho, 2001).

Embasado nessa crítica, Skinner propõe um modelo causal voltado para os eventos que são externos ao indivíduo. Segundo o autor, a determinação de todos os processos comportamentais, inclusive dos comportamentos encobertos (como pensamentos e sentimentos), está nas relações com o ambiente que está fora do organismo, o que caracteriza o Behaviorismo Radical como uma abordagem “externalista” (Tourinho, 1999). Skinner (1953/1965), ao discutir as explicações existentes para as causas do comportamento, afirma que “a prática de buscar dentro do organismo uma explicação para o comportamento tende a obscurecer as variáveis que estão disponíveis de forma imediata para uma análise científica. Estas variáveis se encontram fora do organismo, em seu ambiente imediato e em sua história ambiental” (Skinner, 1953/1965, p. 31).

Neste sentido, Skinner (1981/2007) designa o modelo de causalidade do seu sistema psicológico de modo causal de seleção por conseqüências, elaborado a partir da teoria da evolução por seleção natural de Charles Darwin. Segundo Darwin, a formação e a transformação das diferentes espécies envolvem dois processos básicos: a produção de variação aleatória dentro de populações e a seleção ambiental de algumas dessas variações (Andery, Micheletto & Sério, 2007; Catania, 1999).

Skinner (1981/2007) adota o modelo selecionista darwiniano e amplia os princípios de variação e seleção para explicar outro objeto: o comportamento. Segundo o autor, os repertórios comportamentais adquiridos na vida de cada indivíduo e as diferentes práticas culturais existentes também são determinados por processos de variação e seleção. Desta forma, na perspectiva behaviorista radical, o comportamento humano é determinado por três níveis de variação e seleção: a filogênese, a ontogênese e a cultura. Aqui, é essencial apontar que os três níveis de seleção por conseqüências interagem continuamente entre si. Neste sentido, "só poderemos entender realmente o comportamento humano se considerarmos a ação conjunta de três histórias: a história da espécie, do indivíduo e da cultura” (Andery, Micheletto & Sério, 2007, p. 41).

Tendo em vista que o modelo de causalidade skinneriano é claramente voltado para as relações do organismo com o ambiente que lhe é externo, será explicitada, a seguir, a posição de Skinner acerca do papel que a neurofisiologia, uma disciplina que se ocupa do funcionamento interno do organismo, poderia ocupar na explicação do comportamento humano.

Inicialmente, é importante observar que Skinner e seus seguidores nunca supuseram que os processos comportamentais independem de processos fisiológicos, pois tal posicionamento envolveria um dualismo corpo-comportamento análogo ao dualismo mente-corpo, tão criticado pelo Behaviorismo Radical (Reese, 1996a). Portanto, “(…) o analista do comportamento reconhece o substrato fisiológico do comportamento, mas sustenta que este substrato não precisa ser contemplado em sua explicação, pois é uma parte do organismo, cujas respostas podem ser explicadas a partir das relações com o ambiente externo” (Tourinho, 1999, p. 111).

Skinner defende que a Análise do Comportamento é uma disciplina independente da neurofisiologia, mas aponta que a relação entre essas duas ciências é de complementaridade. Neste sentido, o autor assevera que as eventuais descobertas da neurofisiologia não invalidariam a proposta e a pertinência de uma ciência que tem por objeto o comportamento em si mesmo, isto é, uma ciência que se ocupa das relações entre respostas e estímulos (Skinner, 1938; Skinner, 1953/1965; Tourinho, 1999). Em seu primeiro livro, Skinner (1938) afirma que “a própria noção de ‘correlato neurológico’ implica (…) que há dois objetos de estudo independentes (comportamento e sistema nervoso) que devem possuir suas próprias técnicas e métodos e produzir seus respectivos dados. Nenhuma quantidade de informação sobre o segundo irá ‘explicar’ o primeiro ou ordená-lo sem um tratamento analítico direto por parte de uma ciência do comportamento” (p. 423).

Em um texto publicado cinqüenta anos após o lançamento desse livro, Skinner (1989) se refere a este como uma “declaração de independência” em relação à fisiologia e define o Behaviorismo Radical como “a filosofia de uma ciência que trata do comportamento como objeto de estudo em si mesmo, à parte de explicações internas, mentais ou fisiológicas” (p. 122, itálicos no original). Skinner (1953/1965) afirma que a neurofisiologia não se explica sem se referir às interações do organismo com o ambiente que lhe é externo. Assim, quando concebe a possibilidade de a fisiologia identificar as condições neurais imediatamente antecedentes a instâncias comportamentais, ele defende que “será descoberto, então, que estes eventos, por sua vez, são antecedidos por outros eventos neurológicos e estes por outros. Esta série nos levará de volta para os eventos fora do sistema nervoso e, finalmente, fora do organismo” (Skinner, 1953/1965, p. 28).

As declarações de Skinner evidenciam que a Análise do Comportamento e a neurofisiologia são disciplinas que possuem domínios diferenciados na investigação do comportamento. Reese (1996b) defende que as explicações fisiológicas não podem substituir as explicações comportamentais, mas apenas suplementar o conhecimento sobre o comportamento, na medida em que elas lidam com os fenômenos que ocorrem dentro do organismo enquanto ele se comporta. Neste sentido, Skinner (1974/1976) afirma que o conteúdo neurofisiológico não pode ser ignorado no estudo do comportamento, mas pode ser deixado de lado nos programas de pesquisa da Análise do Comportamento, uma vez que esta ciência e a fisiologia se ocupam de um "pedaço" diferente do fenômeno comportamental (Carvalho Neto, 1999). Portanto, os processos fisiológicos são, na ciência do comportamento de Skinner, dispensáveis como parte da explicação.

Embora a Análise do Comportamento seja, de fato, uma ciência independente, isso não significa que o conhecimento acerca do funcionamento biológico do organismo não deva ser acrescido a ela. Diversos autores defendem explicitamente a complementaridade entre a Análise do Comportamento e a Neurociência, uma vez que o acréscimo dos níveis de análise desta pode aumentar o valor preditivo da análise comportamental (Guerra, 2006). Quanto a essa possibilidade de integração, Skinner (1974/1976) é enfático: “o fisiólogo do futuro nos dirá tudo que pode ser conhecido acerca do que está ocorrendo no interior do organismo em ação. Sua descrição constituirá um progresso importante em relação a uma análise do comportamento, porque esta é necessariamente “histórica” – isto quer dizer ela está limitada às relações funcionais que envolvem lacunas temporais. Faz-se hoje algo que virá a afetar amanhã o comportamento de um organismo. Não importa quão claramente se possa estabelecer esse fato, falta uma etapa, e devemos esperar que o fisiólogo a estabeleça. Ele será capaz de mostrar como um organismo é modificado quando é exposto a contingências de reforçamento e porque então o organismo modificado se comporta de maneira diferente, em data possivelmente muito posterior. O que ele descobrir não pode invalidar as leis de uma ciência do comportamento, mas tornará o quadro da ação humana mais completo” (p. 236-237).

Além de produzir uma forma de conhecimento complementar à da Análise do Comportamento, a Neurociência pode demonstrar (e o tem feito) os mecanismos fisiológicos correlatos aos processos comportamentais descritos pela ciência skinneriana, como, por exemplo, a neurobiologia do reforçamento. A demonstração desses substratos do comportamento pela “ciência do cérebro” seria uma forma fascinante de promover, de uma vez por todas, a aceitação universal da Análise do Comportamento.

Em conclusão, a integração disciplinar entre a Análise do Comportamento e a Neurociência faria nascer uma “super-ciência”, uma vez elas são ambas indispensáveis para alcançar o nobre objetivo de produzir o entendimento completo do comportamento humano.

Referências:

Andery, M. A. P. A., Micheletto, N. & Sério, T. M. A. P. (2007). Modo causal de seleção por conseqüências e a explicação do comportamento. Em: M. A. P. A Andery, T. M. A. P. Sério & N. Micheletto (orgs.), Comportamento e causalidade (pp. 31-48). Publicação do Programa de Estudos Pós-graduados em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Carvalho Neto, M. B. (1999). Fisiologia & Behaviorismo Radical: considerações sobre a caixa preta. Em: R. R. Kerbaury & R. C. Wielenska (orgs.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 4. Psicologia comportamental e cognitiva: da reflexão teórica à diversidade na aplicação (pp. 262-271). Santo André: Esetec.

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre: Artmed.

Guerra, L. G. G. C. (2006). Princípios de condicionamento à luz da análise neural do estímulo antecedente. Tese de Doutorado não publicada, Universidade de São Paulo.

Pinker, S. (2004). Tabula rasa: a negação contemporânea da natureza humana. São Paulo: Companhia das Letras.

Reese, H. W. (1996a). How is physiology relevant to behavior analysis? The Behavior Analyst, 19, 61-70.

Reese, H. W. (1996b). Response to commentaries. The Behavior Analyst, 19, 85-88.

Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton Century Crofts.

Skinner, B. F. (1953/1965). Science and human behavior. New York: Free Press.

Skinner, B. F. (1974/1976). About Behaviorism. New York: Vintage Books.

Skinner, B. F. (1981/2007). Seleção por conseqüências. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, IX, 129-137.

Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill.

Tourinho, E. Z. (1999). Conseqüências do externalismo behaviorista radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 15, 2, 107-115.

Tourinho, E. Z. (2001). Eventos privados em uma ciência do comportamento. Em: R. A. Banaco (org.), Sobre comportamento e cognição: Vol. 1. Aspectos teóricos, metodológicos e de formação em análise do comportamento e terapia cognitivista (pp. 160-171). Santo André: Esetec.

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