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Física e Metafísica

Introdução

Partimos da premissa que Deus, o Cosmos, a Vida e a Consciência compõem um mesmo tecido cósmico, o Campo Informacional Oscilatório, objeto de estudo da Física Quântica. Usamos indistintamente os termos Consciência, Psique, Mente, Espírito e Alma.

"Eis que ele me antecedeu, novamente, deixando este mundo estra­nho. Isto não significa nada. Para nós, físicos crentes, esta separação entre passado, presente e futuro guarda somente o valor de uma ilusão, por mais tenaz que ela seja."

Quando Albert Einstein, em 21 de março de 1955, escreveu esta carta à irmã e ao filho de seu amigo de sempre Michele Besso, fale­cido alguns dias antes, para ele também restava um pouco menos de um mês de vida para dizer adeus a este "mundo estranho".

Talvez, de uma maneira disfarçada, o problema da Morte esteja no centro dos artigos que se seguem. Pois a Morte não é, pensando bem, quem nos re­vela a Consciência sob a Matéria? E se acabo de citar Einstein no limiar de sua própria morte é porque, creio, a linguagem da Física é atual­mente apropriada para encetar um diálogo com a Morte, para pro­curar situá-la no quadro da evolução geral do nosso imenso uni­verso.

Por que a Física, e não a Biologia, ou ainda a Teologia? Porque a Morte, como todos os grandes problemas da Metafísica, somente pode ser situada em relação aos limites daquilo que constitui o nosso Uni­verso, na escala do macro e na escala do micro. E é a Física que se propõe a nos fornecer um conhecimento do cosmo em seu con­junto assim como do átomo. Mas, paradoxalmente, enquanto a Física é sem dúvida a mais apta para esclarecer os problemas metafísicos, os físicos se recusam, há perto de três séculos, a ver a Metafísica pene­trar em sua linguagem e em seu campo de experiência; como se estes problemas fossem indignos do conhecimento "científico"; ou ainda, como se as questões que formam os temas da Metafísica não fossem, finalmente, aquelas para as quais o Homem deseja mais ardentemente obter elementos de resposta.

Direi, mais adiante, como os trabalhos de Albert Einstein o levaram ao limiar de um dos problemas essenciais apresentados ao Homem: o da natureza daquilo que chamamos "nossa Consciência", em oposição à matéria de nosso corpo. E direi, também, como o mostram as pes­quisas em Física, em prosseguimento aos trabalhos de Einstein, permitiram continuar esta análise da Consciência, para fazer ver, finalmen­te, que sua aventura é tão "eterna" quanto o próprio Universo, no passado assim como no futuro.

Mas, como me disponho a falar aqui de um problema fundamental da Metafísica na linguagem da Física, espero primeiro, exprimir sem desvios, o que penso da atitude geralmente hostil dos físicos diante dos temas da Metafísica.

Antes, podemos questionar se os principais temas da Metafísica têm alguma relação com os problemas estudados pela Física. O Conheci­mento, a existência do mundo exterior, a substância e a forma, o pro­blema da vida e da morte, a consciência e o cérebro, a alma e o corpo, o problema de Deus, todos estes objetos de investigação tradicionais da Metafísica são sus­ceptíveis de entrar no campo das pesquisas da Física? A resposta a esta questão será afirmativa ou não, se aceitarmos ou não considerar a análise da Consciência como objeto de estudo da Física. O problema da natureza e dos mecanismos da Consciência é, sem nenhuma dúvida, o problema central de toda a Metafísica, do qual derivam todos os outros objetos de reflexão (o Conhecimento, a vida, a morte, a Matéria, Deus). A Física e a Metafísica formam, portanto, duas disciplinas complementares, encarregadas de aumentar nosso conheci­mento do Universo se, e somente se, Matéria e Consciência são insepa­ráveis nos métodos de pesquisa e nas linguagens destes dois ramos do Conhecimento.

Como poderíamos racionalmente impedir que a Física progre­disse através de uma análise não só da Matéria, mas também da Consciência? Desde que as investigações dos físicos se voltam para o micro, ou ainda para o macro, para estas partículas misteriosas que formam a essência da Matéria, ou ainda para nosso Universo em seu conjunto, então as palavras de Agostinho se tornam hoje sem­pre mais verdadeiras: "O mundo é tal como ele nos parece, feito de coisas que não aparecem". E Teilhard de Chardin observava igualmen­te que "atingindo o extremo de suas análises, os físicos não sabem mais se a estrutura que eles alcançaram é a essência da Matéria que eles estudam ou, então, reflexo de seu próprio pensamento".

Neste caso, como não reconhecer como uma evidência atual que a Consciência é parte integrante do domínio de investigação da Física, do mesmo modo que a Matéria, visto que não há descrição possível da Matéria que não faça intervir, em primeiro plano, os me­canismos estruturais de nossa própria Consciência?

Esta importância dada à Consciência no estudo dos fenômenos "físi­cos" que acontecem no Universo, na verdade, nunca foi contestada na Antiguidade e mesmo até o fim do século XVII. Para se convencer, é suficiente lembrar Descartes que nos declara em suas Meditações: "Assim, toda a Filosofia é como uma árvore cujas raízes são a Meta­física, o tronco é a Física e os galhos que saem deste tronco são todas as outras ciências". E Newton, de quem se quis fazer o modelo do "cientista", isto é, do sábio apenas preocupado com as certezas asso­ciadas aos fatos observáveis, na verdade (como demonstram es­tudos recentes sobre Newton) orientou toda sua vida para os proble­mas do Espírito: ele escreveu mais páginas sobre a alquimia e sobre o que hoje chamaríamos de parapsicologia do que sobre a óptica e a gravidade.

Observemos os conceitos de Newton, cujos escritos, se os analisarmos não buscando "ver somente o que queremos ver", são a prova de que o pai da teoria da gravidade sempre defendeu conceitos de essência espiritualista, bem longe das idéias puramente mecânico-positivistas que quiseram lhe atribuir. Uma aproximação surpreendente (compreenderemos melhor este aspecto quando discutir­mos a análise moderna sobre a natureza da Consciência) é a que Newton faz entre o Espírito e a luz. "Não seria possível, escreve Newton em sua Óptica, que os corpos e a luz se transformem uns nos outros? E não seria possível que os corpos recebam a maior parte de seus prin­cípios ativos das partículas de luz que entram em sua composição? Admitido isto, visto que a luz é o mais ativo de todos os corpos que conhecemos, e visto que esta luz faz parte de todos os corpos com­postos pela natureza, por que não seria ela o princípio regente de todas as suas atividades?" E Newton distingue, então, dois tipos de luz: uma luz fenomênica, que seria a que se entende pelo sentido comum do termo, isto é, a que vemos; e uma luz numênica, que seria uma luz virtual, intervindo mais particularmente nos mecanismos do ser vivo, e portadora do que chamamos Espírito.

Veremos, no decorrer destes artigos, que se trata de uma intuição extraordinária de Newton sobre o aspecto "espiritual" da Matéria, aspecto que se confirmará como re­pousando sobre trocas "virtuais" de fótons de luz. Segundo observa P. M. Rattensi: "as reflexões de Newton parecem indicar que no fim de sua vida ele concebeu que o objetivo da pesquisa alquimista con­sistia no restabelecimento do corpo de luz e pensou que isto poderia ser demonstrado através de operações realizadas em laboratório". Assim, Newton, durante toda sua vida, considerou o Espírito como de natureza diretamente acessível à experiência, e portanto, do do­mínio das investigações da Física. Por outro lado, ele viu na luz, que é sem dúvida alguma um fenômeno bem físico, a direção privilegiada para a qual, lhe parecia, deviam se orientar estas investigações.

Além disso, é necessário enfatizar que Deus (igualmente no centro da reflexão metafísica) está sempre presente na obra de Newton. Cer­tamente, Newton irá propor suas célebres leis sobre o movimento dos astros, o que permitirá, por volta dos meados do século XIX, ao ma­temático Pierre-Simon de Laplace mostrar que os astros podiam, de acordo com estas leis, se mover de modo estável, sem nenhuma interferência de Deus. Mas o próprio Newton nunca formulou, ou mesmo sequer sugeriu, tal possibilidade; pelo contrário, defendia o ponto de vista da necessidade constante da presença de Deus no Uni­verso. Para Newton, Deus intervinha na natureza por intermédio do Espírito (a luz numênica). "Esta natureza, escreveu Newton, age sem­pre sem trégua, até o seu último termo, e depois cessa; pois, desde o começo, era para ele coisa certa que ela poderia se aperfeiçoar no seu curso e que chegaria, enfim, a um repouso sólido e total, ao qual, para este efeito, ela tendia com todo o seu poder". Assim, Newton tem também a convicção de um sentido definido da evolução do Universo, de uma "flecha" do tempo, como alvo desta evolução, com um estado do Universo que nos lembra o "ponto Ômega" de Teilhard de Chardin. Voltaremos a falar sobre isto.

Apesar desta profunda complementaridade entre Física e Metafí­sica na obra de Newton, paradoxalmente, é a partir de Newton que se produzirá uma clivagem cada vez mais profunda entre Física e Metafísica, isto é, entre as pesquisas sobre a Matéria e as pesquisas sobre o Espírito.

Para isto, como relembra muito propriamente a análise de Jean Zefiropulo e Catherine Monod, far-se-á "Newton oscilar entre o que ele foi e o que dele fizeram, ocultando algumas de suas pesquisas e mesmo dispersando uma grande parte de sua obra".

Os argumentos são bastante complexos, mas pode-se, distinguir algumas correntes principais.

Primeiro, há a enérgica reação da Renascença contra o aristotelis­mo, reinando sobre o pensamento intelectual há dois mil anos. Lutar contra Aristóteles e seu sistema do mundo seria restabelecer o heliocentrismo de Aristarco, perfeitamente demonstrado agora, pelas leis da atração de Newton; e seria, também, restabelecer o velho ato­mismo de Demócrito, segundo o qual "nada mais existe a não ser o átomo e o espaço vazio, tudo o mais é apenas comentário". Finalmen­te, seria explicar todo o nosso Universo através de movimentos de átomos se deslocando segundo leis imutáveis, explicadas matematica­mente.

Assim, não teríamos necessidade de Deus, nem do Espírito para tomar conhecimento do que se passa no mundo. O próprio pensamen­to seria "segredado" por certos movimentos dos átomos, somente a Matéria sendo a substância essencial. Propositalmente esqueceríamos que, entretanto, Demócrito havia proposto seus átomos como conser­vando uma existência independente do Espírito, visto que também "a alma é constituída de átomos particulares, finos e unidos". Mas te­ríamos necessidade de eliminar da Ciência tudo o que não se mani­festasse na Natureza através do movimento de partículas puramente materiais segundo leis conhecíveis (senão conhecidas). E acaso pode­ríamos escolher um porta-bandeira deste novo enfoque científico me­lhor do que Newton, pois foi ele quem descobriu, depois de Kepler, as leis fundamentais que explicam a trajetória das estrelas, dos plane­tas e das maçãs?

Não podemos negligenciar a parte benéfica que provocou este re­torno ao positivismo puramente materialista para aumentar nosso co­nhecimento das coisas. Depois dos desnorteios do período da Idade Média, seria útil que o conhecimento se esforçasse para progredir pes­quisando leis confirmáveis experimentalmente. Mas seria, sem dúvi­da, ir muito longe ao se esquecer da presença do Espírito nesta evo­lução da natureza; não seria simplesmente porque, apesar de tudo, e como o notava tão propriamente o filósofo Georges Berkeley desde Newton, "as coisas só existem na medida em que são percebidas"; e por que outros meios poderiam elas ser percebidas, em última análise, senão pelo Espírito, pelo nosso espírito?

Dentre as circunstâncias que contribuíram para deturpar o processo de pensamento verdadeiro que presidiu às leis e às descobertas newto­nianas, é necessário ver também o fato de que, no princípio, aqueles que eram os mais ardorosos defensores de Newton (contra as teses car­tesianas mais em voga, então, entre os cientistas) foram principalmente ateus que, para melhor afastar Deus das explicações da Ciência, não hesitaram em expulsar igualmente tudo o que se referia ao Espírito.

Entre estes estava Laplace, que nós já mencionamos; também, especialmente na França, Voltaire e um pouco mais tarde Auguste Comte e seu positivismo; igualmente, no século XX, Paul Valéry e as teses marxistas. Todos se ocuparam em "refutar Deus", e mais amplamente em minar a credibilidade da Metafísica, julgando suas especulações como "logomaquias vazias e estéreis".

Voltaire foi a Londres em 1727 assistir aos funerais de Newton e trouxe um exemplar, em inglês, de seus Principia. Ficou imediata­mente seduzido pelo sistema do mundo newtoniano, e foi o primeiro a difundir, na França, a obra de Newton. Mas difundiu o pensamento newtoniano insistindo, como Laplace, sobre a abertura que ele ofere­cia para uma compreensão de um mundo puramente mecanicista, sem nenhuma necessidade de uma intervenção divina. Isto foi compreendi­do como se a noção do Espírito fosse supérflua e pudesse ser, em todo caso, definitivamente afastada das concepções da Física: estava aí uma deformação do pensamento de Voltaire, pois se ele desejava a "morte de Deus", por outro lado, não preconizava a morte do Espírito. Com efeito, não afirmou ele, como conseqüência lógica de seu racionalismo, a existência de uma "sensibilidade" da Matéria, que não é muito di­ferente da "psique elementar", com que Theilhard proporá, em nossa época, dotar cada corpúsculo de Matéria, visando a apoiar sua con­cepção espiritualista do Mundo?

O caso de Paul Valéry é mais particular. Ele nos exibe sar­casmos, algumas vezes extremamente violentos, contra a Metafísi­ca, e mais amplamente contra qualquer tese de natureza espiritualista. "Os espíritos com suas mesas e seus ectoplasmas, escreveu, têm o mé­rito imenso de colocarem sob sua verdadeira forma grosseira, clara e insensata, o que os espiritualistas, as pessoas com alma, dissimulam para si próprios sob um véu de palavras, metáforas e expressões ambíguas". Mas, nas 6.000 páginas manuscritas de seus Cadernos, que redigia no dia-a-dia, e que começam a ser objeto de publicações, des­cobrimos que Valéry esteve toda sua vida preocupado com a estrutura e com o funcionamento do Espírito, cuja descrição desejava compre­ender na linguagem da Física e das Matemáticas. O estudo do Espírito não é, portanto, especificamente do domínio tradicional da Metafísica? E haveria uma descrição "não-espiritualista" do que cha­mamos Espírito? A leitura mais atenta dos Cadernos nos explica, en­tretanto, esta aparente contradição. Valéry se recusa a reconhecer que existe uma realidade independente da Matéria que se chama Espírito; sua pesquisa sobre mecanismos do espírito está orientada para a descoberta de uma estrutura particular das partículas de matéria, assim como para as transformações no tempo desta estrutura; estas expli­cariam um fenômeno físico de essência puramente material e mecani­cista, que seria a função-espírito ligada ao comportamento da Matéria.

Apostemos, entretanto, que, desde que se torne possível falar do Espí­rito na linguagem da Física, todos os grandes problemas tradicionais da Metafísica se apresentarão com uma acuidade aumentada, e que será necessário dizer o que se tornam, nesta nova linguagem, a Vida, a Morte, o mundo exterior, Deus. Em resumo, apesar do que pensa Valéry, conseguir falar do Espírito na linguagem da Física, como ele o deseja, é introduzir em pé de igualdade todos os temas da Metafísica no campo das pesquisas da Física. Em uma análise posterior estamos, portanto, de acordo com Valéry; mas, à primeira leitura, os ataques de Valéry à Metafísica, sem dúvida, contribuíram para retardar o nas­cimento de uma Física interdisciplinar.

Sejam Laplace, Voltaire, Comte, Valéry ou os marxistas, o mais grave reparo que se lhes pode fazer é sua posição dogmática, que consiste em recusar ao Espírito de ser objeto de pesquisa, simples­mente porque não existiria "alguma coisa" chamada Espírito que fosse possível descrever independentemente desta outra coisa chamada Ma­téria. "Pobre presunçoso, você vê uma planta que vegeta e diz vege­tação, ou mesmo alma vegetativa, escreve Voltaire; mas, por favor, o que você entende por estas palavras? Esta flor vegeta, mas há um ser real que se chama vegetação?"

E Valéry se excede: "seria interessante vaguear pelo cérebro, ali não encontraríamos um estado de alma".

Quanto aos marxistas, recusando a evidência, ao mesmo tempo lógica e experimental, segundo a qual nossa única prova irrefutável da existência do mundo é a percepção espiritual que temos dele (como enfatizava Berkeley), eles afirmam, ao contrário, que percebemos o mundo porque ele existe. Como estes marxistas, tão apaixonados por razões "científicas", poderiam fazer a prova científica de sua afirma­ção, visto que toda experiência que temos do mundo exterior, em últi­ma análise, se apresenta como pensamentos, isto é, Espírito?

Para os positivistas, a Matéria é, portanto, principal, e o Espírito é somente uma "emergência" da Matéria, sem existência independente. Neste caso, como o notou Auguste Comte, resta à Metafísica ser re­duzida a uma "reflexão sobre as ciências da Matéria" – ou não ser.

Entretanto, toda a História nos mostra que os dogmas tiveram uma existência apenas provisória. E poder-se-ia verificar que o Espírito apa­rece finalmente como uma realidade tão "tangível" quanto a Matéria; do mesmo modo que as pedras no céu, isto é, os meteoritos, se tor­naram realidade, contrariamente à advertência dogmática de Laplace, segundo a qual "não poderiam cair do céu visto que não havia pedras no céu".

Em todo caso, é isto o que essa seqüência de artigos pretende demonstrar, a fim de tirar certo número de conseqüências das respostas atuais às questões fundamentais que são objeto da Metafísica.

Entretanto, penso que existem outras razões além das que foram retiradas do contexto histórico que, ainda na nossa época, fazem com que pareça difícil aceitar como objetos científicos de pesquisa os gran­des temas da Metafísica.

Rivaud, um historiador da filosofia, escrevia em 1948: "Os únicos filósofos verdadeiramente qualificados da idade moderna são os físi­cos, os químicos… que, partindo do estudo minucioso dos fatos par­ticulares, ousaram formular hipóteses de caráter geral".

É verdade. Em todo caso, para os físicos, não se trata unicamente de formular hipóteses de âmbito geral para serem qualificados de filóso­fos, e ainda menos de metafísicos. A Metafísica exige muito mais do que um esforço de pesquisa: ela exige qualidades de criação, e podemos afirmar, que bem poucos físicos de nossa época são o que chamamos de criadores; em sua maioria, por­que são "especialistas" em assunto determinado, são apenas simples analistas.

Retomemos o que considero uma das melhores definições da Meta­física, para perceber quanto poder criador exige esta disciplina do Conhecimento:
"A Metafísica existe desde que o espírito, em busca de uma unidade total, se decide a encher as lacunas que o quadro 'científico' do Uni­verso oferece, graças a uma 'flexibilidade' tirada de sua própria essên­cia, a um 'princípio' (tomado por empréstimo de sua experiência in­terna ou externa), que ele considera verdadeiramente básico".

A Metafísica aparece, através desta definição, enfatizando suas es­treitas relações não somente com o enfoque científico, mas também com o enfoque artístico e ainda com o pensamento religioso. Certa­mente, o físico pode formular princípios gerais, ou leis, que dão a aparência de universalidade às suas descobertas. Mas não faz, neces­sariamente, ainda, uma obra metafísica. Ele faz, precisamente, algumas "descobertas"; isto é, descobre o mundo como se levantasse um véu, como se este mundo preexistisse a seu esforço, e que seu ato de físico não tivesse mudado nada nele, nada lhe tivesse acrescen­tado. Ora, não é, de modo algum, que neste ato de "descoberta" ve­mos, ao mesmo tempo, o espírito do físico e o espírito do metafísico, reunidos ambos para alcançar um progresso no conhecimento pro­fundo das coisas. Na simples descoberta há apenas uma generalização de certo número de fatos de experiência para um número maior de fatos de experiência (ou de fatos sobre os quais será possível expe­rimentar). No ato metafísico de criação, o pensador, ao contrário, age por si mesmo, ele vai buscar no fundo do seu inconsciente uma "flexi­bilidade" ainda não formulada, como observa François Grégoire na sua definição da Metafísica; e é somente em seguida que considera a maneira pela qual esta flexibilidade chegou a completar harmoniosa­mente a visão que ele possuía da Natureza. Este é um enfoque que se aproxima bastante do enfoque do artista ou do religioso, cada um "metamorfoseando" nossa visão do Universo e, através de sua criação, executando um passo novo para o conhecimento do mundo. Esta sen­sação bastante forte de que existe uma distinção fundamental entre o ato criador e o ato de descoberta, somente pode ser, creio eu, ver­dadeiramente percebida sob seu aspecto autêntico por aqueles que ex­perimentaram na vivência um e outro destes dois atos.

Albert Einstein descreveu esta situação em uma fórmula que embaraçou alguns físi­cos: "Uma teoria pode ser verificada pela experiência, mas não existe nenhum caminho que leve da experiência para a criação de uma teo­ria. Um pintor ou um músico compreendem isto perfeitamente. Mas então vocês irão dizer à comunidade científica que a teoria que lhes oferecem é uma obra de artista! Serão logo relegados ao rol de fan­tasistas! Serão tratados de 'metafísicos' e, creiam-me, é um qualifi­cativo que não os deixará mais, […], e, pouco a pouco, todas as portas 'oficiais' lhes serão fechadas. Mas não será porque é necessário ser-se bem pequeno para saber transpor estas portas? Seja como for, fazer Metafísica é também ser capaz de dar prova de um espírito de criação, e não somente de um espírito de des­coberta, no sentido que acabamos de indicar. E os cientistas que conheci, no decurso destes últimos vinte anos, raramente me parece­ram possuir uma imaginação suficiente para serem capazes de 'criar'. A maioria deles é de bons 'funcionários' da Ciência". Esta observação levou Albert Einstein a afirmar que "o templo da Ciência ficaria bem vazio se dele retirássemos todos os que não fazem verdadeiramen­te Ciência".

De nossa parte estou convencido de que, se os cientistas contem­porâneos recusam, instintivamente, a penetração dos temas da Meta­física nas suas pesquisas, apesar de serem tão fundamentais para o Homem, em parte é porque são "incapazes de filosofar"; porque são incapazes de imaginar e de criar; e, finalmente, porque a reflexão me­tafísica lhes é inacessível.

Insistimos no fato de que o "grande público" se interessa pela Ciência, sobretudo através de suas conseqüências "me­tafísicas". Para ele pouco, ou quase nada, importam as técnicas usadas para atingir a Lua ou Marte, o que lhe interessa é saber "se a vida existe lá". Os mecanismos biológicos do cérebro não o deixam indiferente, mas ele gostaria mais de saber até onde chegaram os estu­dos dos fenômenos para psicológicos, isto é, a possibilidade (com evi­dentes conseqüências metafísicas) de cérebros se comunicarem a dis­tância, sem o apoio dos métodos tradicionais de comunicação. Andrô­meda está a dois milhões de anos-luz; bem, mas isto não diz grande coisa ao público; ele desejaria, ao contrário, saber se as particulari­dades da teoria da Relatividade, que fazem "envelhecer" menos de­pressa quando se vai muito depressa, permitirão ao Homem alcançar os planetas habitados da galáxia de Andrômeda, e, mais amplamente, se este enorme Universo, que percebemos à volta de nós, é ou não acessível ao Homem (ao menos em seu princípio, com técnicas de propulsão melhoradas). A descoberta dos vestígios dos primeiros ho­minídeos há algumas centenas de milhares de anos, interessa ao nosso "grande público"; mas é a possível existência de civilizações tão evo­luídas quanto as nossas em um passado distante, vindas talvez de "outros lugares", que o fascina e ele gostaria que os cientistas o esclarecessem sobre isso.

Os "cientistas" raramente falarão ao público sobre tais assuntos "metafísicos", simplesmente porque suas pesquisas não são autoriza­das pelos donos da ciência "oficial" a serem orientadas para tais assun­tos metafísicos. Ainda uma vez, os grandes temas metafísicos não podem ser objeto de pesquisa científica.

Pessoalmente, acho esta atitude descabida. Primeiro, porque o "grande público", que deseja legitimamente esclarecimentos (senão respostas) sobre as questões metafísicas, é, na verdade, quem finan­cia, com seu próprio trabalho, a pesquisa científica. Além disso, o grande público não tem o direito de ver inscritos, nos programas de pesquisa, os temas que mais lhe interessam? Portanto, quem pode estar autorizado a considerar esse público como uma criança incapaz de saber o que gosta de comer? E antes de tudo, com que direito decidi­ríamos privá-Io do conhecimento que gostaria de receber?

Quero me fazer compreender: não pretendo que não deva haver pes­quisas teóricas ou aplicadas sobre assuntos especializados, escolhidos por cientistas "sérios e oficiais", cujos resultados, por natureza, per­manecerão incompreensíveis para a maior parte do "gran­de público". Mas pretendo que o que interessa a esse público deveria também ser considerado por aqueles que comandam os programas da pesquisa científica. Muitos pesquisadores, e mesmo alguns dos melho­res, estariam dispostos a enfrentar tais temas metafísicos em bases cien­tíficas. Solicitem a um Rémy Chauvin, professor na Faculdade de Ciências de Estrasburgo, para colocar em ação uma equipe de jovens pesquisadores sobre a parapsicologia; ou a Guérin, astrônomo em Meudon, para organizar, em bases científicas, uma pesquisa sobre a possibilidade de visitantes extraterrestres; rapidamente, eles utiliza­rão os créditos que vocês colocarem à disposição deles, com prudência e "cientificamente".

Se olhamos esse problema de outro ângulo, reconhecemos que os cientistas se prejudicam a si próprios recusando a "colaboração" do grande público soberano em suas pesquisas. "Soberano", ele o é sem­pre, esse público, e eu diria por construção: pois, mais uma vez, é ele quem deve pagar de seu bolso todas as despesas do Estado, inclusive a pesquisa científica. Sêneca já havia enfatizado que "nada de impor­tante e de durável pode ser realizado sem o apoio da população". E não são os cientistas do projeto ApoIo, que necessitaram de enormes somas de dinheiro para colocar o Homem na Lua, que desmentirão Sêneca; pois sabem que foi o esforço de propaganda para fazer o público americano participar desse projeto que proporcionou à NASA os créditos necessários a este empreendimento, marcando uma etapa na história da humanidade.

Esta advertência de Sêneca é mais verdadeira do que nunca em relação à Ciência contemporânea. Se nossos ministros, nossos depu­tados e nossas comissões científicas oficiais atualmente decidem, na maioria das vezes, limitar os créditos para as pesquisas aplicadas, em detrimento das pesquisas teóricas, é, em parte, porque nosso grande público não está, na verdade, interessado diretamente na pesquisa teó­rica, pois não lhe mostram as ramificações metafísicas. A pesquisa aplicada fará de nós, portanto, apenas simples consumidores de bens materiais, e paciência se a principal característica e a vocação essen­cial do Homem na evolução é, entretanto, como já observava Pascal, ser um "animal pensante".

Abrir para a Metafísica as portas da Física é, primeiro, exigir dos físicos que sejam capazes de refletir filosoficamente; é dar curso livre à imaginação e à criação na pesquisa; e é, também, saber que os pro­blemas verdadeiramente "importantes" para o Homem devem ser igual­mente enumerados pelo "Senhor Público".
Há já bastante tempo nossos físicos se preocupam um pouco mais, sem precisar esconder-se, com o aspecto "espiritual" da matéria que estudam.

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