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Gravidez na adolescência – Parte V

Para as adolescentes pesquisadas, pertencentes a segmentos mais pobres de população urbana, a gravidez não pareceu percebida de forma negativa e associou-se a alguns ganhos sociais, durante a gestação e os primeiros meses do bebê.

Com referencial psicanalítico, Oliveira (1999) apresenta uma pesquisa com adolescentes grávidas e mães de um primeiro bebê (até cinco meses após o parto), usuárias de um serviço público de pré-natal de Santos, objetivando investigar a percepção das adolescentes sobre si mesmas e sobre suas vidas. Os resultados de 82 questionários com adolescentes grávidas indicaram dificuldades com a educação formal anterior à gravidez, figuras maternas valorizadas e figuras paternas avaliadas negativamente, e gravidez em geral aceita e ocorrida numa relação de namoro.

A autora aponta em seus estudos algumas hipóteses teóricas da “busca” (sic) da gravidez nas adolescentes pesquisadas. Afirma que nas dolorosas passagens da adolescência (lutos), a ausência ou insuficiência de uma “boa mãe” e de um “bom pai” (figuras constitutivas para o desenvolvimento do psiquismo) – associada à pouca gratificação na vida social e principalmente às angústias advindas dos riscos nos grupos de pertinência (por exemplo, da escola) – pode instalar um “estado de “abandono”, gerador de fortes sentimentos depressivos (OLIVEIRA ,1999, p.285) Incapaz de suportar e lidar com essas angústias no campo simbólico, as adolescentes poderiam procurar atuar, até de forma passiva, “em ações concretas para triunfar e controlar tais sentimentos depressivos e, segundo a mesma autora, engravidar poderia ser uma delas” (OLIVEIRA ,1999, p.284) E como se daria essa dinâmica, segundo Oliveira? De acordo com a autora, as jovens estudadas, sentindo-se, por um lado, prejudicadas pelas condições sociais frustradoras e por outro, compelidas pela tendência à ação – característica do estágio de desenvolvimento – ficariam mais propensas a uma atuação – o da procriação. Dessa maneira, a adolescente estaria buscando, inconscientemente, uma resolução para o seu desamparo enquanto filha, não somente através de um desejo de mudança, transformando-se em mãe no sentido de construir uma nova e idealizada relação com o filho e com o pai do bebê, mas também por uma repetição.

Essa tentativa de resolução poderia ter a intenção de uma aproximação com as figuras parentais (frustradoras) visando diminuir essa diferença. Melhor esclarecendo, esse desejo de mudança, de preenchimento do vazio, atuado de forma mágico-onipotente, poderia sugerir uma natureza mais positiva pelo fato de conter elementos de esperança e busca de restauração. Porém, exatamente por sua natureza onipotente e mágica, parece bastante provável que fracasse; o bebê representaria o poder mágico da adolescente de recuperar a própria mãe e o próprio pai: “a procura do “bebê-salvador” podia ser atuada na concretude, quando a adolescente razoavelmente informada sobre concepção e métodos contraceptivos, buscava ou não evitava, a gravidez” (OLIVEIRA ,1999, p.285). Nessa forma de atuar, a idéia delirante de ter um bebê (possivelmente fruto de uma união edípica com o pai ou pré-edípica com a mãe), para o qual a adolescente teria a oportunidade de dar o que ela não teve, poderia exemplificar esse desejo mágico de preenchimento das gratificações frustradas tanto no mundo afetivo quanto no material. No mesmo estudo de Oliveira, as entrevistas em profundidade com 10 adolescentes mães apresentaram a gravidez relacionada a conquistas de benefícios sociais, a grande valorização das figuras maternas e ataques às figuras paternas e aos pais dos bebês (antes mais idealizados), indícios de busca de engravidar, vida sexual sem maiores impedimentos e com algum reconhecimento sobre métodos contraceptivos, queixas de perdas quanto a passeios, relação com a escola tendendo a manter a trajetória anterior à gravidez e relação cuidadosa com o bebê.

A autora chama a nossa atenção sobre o fato de que nas entrevistas, a adolescente sempre preservava a figura materna; mesmo aquelas que sugeriam ausência e abandono foram poupadas dos ataques das filhas adolescentes mães. Talvez, sugere, por pressão de condições pré-edípicas, onde, na fase do bebê pequeno, a adolescente poderia estar duplamente identificada; com a mãe, após conseguir concretizar suas fantasias invejosas diante dela e igualando-se a ela por ter tido o bebê; com o bebê pequeno, necessitado de uma mãe protetora ideal. Dessa forma, uma preservação maciça da mãe se faria necessária. As queixas diante da falta da “boa mãe” (grifo da autora) aparecem de forma disfarçada; as adolescentes mães pareciam “proteger suas mães de ataques sugerindo condição de dependência e identificação” (OLIVEIRA, 1999, p.282). Segundo a mesma autora essa “proteção materna” estaria relacionada provavelmente a mecanismos de idealização e negação que poderiam estar sendo utilizados pelas adolescentes para se protegerem e/ou lidarem com os sentimentos de rejeição e abandono, quando esses pareceram subjacentes à relação com a mãe: A adolescente parecia estar preservando a figura materna, não se queixando e não criticando a mãe, apesar da evidente situação de abandono que sofria.

As avaliações negativas, o sentimento de rejeição e as ameaças de expulsão recaíam sobre a “avó” (que estava substituindo a mãe) e sobre o pai da adolescente (Idem p.115) E conclui que: As dificuldades e prejuízos em termos de proteção, cuidados e apoio da mãe pareciam justificados por E pelas frustrações que a mãe tivera na vida, principalmente com seus companheiros – (…) minha mãe (…) sempre trabalhou muito na vida dela, né… pra pôr as coisas dentro de casa… porque infelizmente ela não deu sorte com nenhum dos maridos dela…”). E desculpava a mãe e parecia identificada com ela, talvez para preservar-se de sentimentos muito dolorosos de abandono real – (“… ela não deu sorte…”). Para as adolescentes pesquisadas, pertencentes a segmentos mais pobres de população urbana, a gravidez não pareceu percebida de forma negativa e associou-se a alguns ganhos sociais, durante a gestação e os primeiros meses do bebê. Uma tônica forte, quase que constante no relato das estudadas, foi “ter mais responsabilidade”; fala “recorrente e até esteriotipada, parecendo lembrar uma expressão-chave para adultez, status recém adquirido pelo papel de mãe” (OLIVEIRA, 1999, p.275). A análise de 150 desenhos de auto-retrato de adolescentes grávidas destacou sinais de ambivalência, auto-imagens não muito prejudicadas, tendência de se retratar num momento mais próximo ao presente, auto-retratos anteriores à gravidez com menos sinais de conflito, desenhos estando grávida com sinais de ansiedade e auto-retratos posteriores ao parto com indícios compensatórios.

Relação com o uso de métodos anticoncepcionais

Como visto, a gravidez adolescente envolve fatores muito mais complexos do que o mero conhecimento ou desconhecimento dos métodos anticoncepcionais. No entanto, este tem sido um tópico importante nos estudos sobre o assunto. Em nossa pesquisa constatamos que a ocorrência do fenômeno não estaria apenas associada à falta de informação ou desconhecimento da sexualidade por parte das adolescentes grávidas. Encontramos na literatura estudos sobre esta questão que apontam que há uma lacuna entre o conhecimento e o uso de métodos contraceptivos. Vitiello (1998) observa que além dos fatores sociais há também fatores emocionais, conscientes ou inconscientes, como por exemplo, o pensamento mágico, o temor à infertilidade, o desejo de agredir os pais e que tais fatores podem levar ao uso inadequado dos métodos anticoncepcionais. Schor (1995), entrevistou 387 adolescentes de 10 a 19 anos e observou que 62 já haviam iniciado a sua vida sexual e 34 tiveram uma ou mais gravidezes. Dentre elas, 68,7% entrevistadas informaram conhecer algum tipo de método anticoncepcional. No grupo com vida sexual ativa apenas 49,1% referem estar usando MAC e 54,8% já haviam tido pelo menos uma gravidez. Em um trabalho anterior, Schor (1990) verificou que em um grupo de 78 adolescentes puérperas (parto ou aborto), atendidas em um serviço de obstetrícia do município de Cotia, em São Paulo, no período de 01/05/86 a 31/07/86, 61.5% tinham algum tipo de conhecimento sobre MAC.

Outra pesquisa significativa em relação ao conhecimento de MAC foi realizada por Lescano (2001), que entrevistou 173 adolescentes no puerpério imediato antes da alta hospitalar, no Hospital de Apoio de Sullana, Peru. Conclui que 91,9% detinham algum tipo de conhecimento sobre MAC, porém não o utilizaram, mesmo tendo vida sexual ativa. A pesquisa realizada por Pirota (2002), com 952 alunos com idade de 17 e 24 anos, na cidade de São Paulo, no ano de 2000, investigando as práticas e as representações ligadas à vida reprodutiva entre universitários da Universidade de São Paulo, revelou que a contracepção é cercada de descuidos, erros e esquecimentos. O uso da camisinha é freqüente principalmente na primeira relação sexual; entretanto, apresenta descontinuidade e negligência. Com relação ao uso inadequado de anticoncepcionais pelas adolescentes, Katchadourian (1980), citado por Romera (1985), alega como razões: dúvida em relação à própria fertilidade; descrédito em relação ao fato que a prática do sexo possa resultar em gestação, especialmente quando estão praticando raramente; ignorância da fisiologia reprodutora. Acrescenta que os métodos nos quais geralmente se apóiam são as tabelinhas, coito interrompido, duchas; ou seja, os mais inseguros e, considera o autor, isto se deve ao fato de que outros métodos são mais difíceis de se obter. Não obstante, conclui que muitas jovens engravidam porque querem, "o que não é quase nunca por motivos simples" (KATCHADOURIAN, 1980, p.24, apud ROMERA, 1985, p.90).

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