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Atualização sobre a maconha comum e sucedâneos

Introdução

Aproveito o gancho da Seção de Notícias de nossa Redepsi (09/07/2008), sobre o skunk, para a atual abordagem sobre o controvertido tema da maconha simples e sucedâneos, pois ainda persiste no mundo científico uma divergência grande de opiniões, talvez por ignorarem os seus danos psiconeurossociais em toda a sua abrangência.

A Notícia fala-nos do skunk, Cannabis sativa, com sementes geneticamente selecionadas, aumentando seu poder de ação psicoativo. É bom lembrar que mais pesa na reação clínico-patológica as pré-disposições mórbidas do usuário do que a potência de seus princípios ativos.

Graças aos avanços recentes dos recursos de neuroimagem (Ressonância Nuclear Magnética, Tomografias Axiais Computadorizadas, PETf, SPECTf,  mapeamentos cintilográficos cerebrais), eletroencefalogramas digitais, polissonografias e exames laboratoriais na área de psiconeuroimunoeletroliticoendocrinologia, é que se pode esclarecer todas estas dúvidas que rondam o meio clínico e, conseqüentemente, a população leiga.

A maconha é única do ponto de vista farmacológico. Não se assemelha a nenhuma outra droga conhecida. Suas ações clínicas são únicas, assim como as substâncias químicas que contém em sua estrutura molecular. A Cannabis sativa é a maconha cultivada no Hemisfério Ocidental, enquanto que a Cannabis indica é a maconha cultivada no Hemisfério Oriental.

A maconha foi descrita por vários pesquisadores como a droga que é a "porta de entrada"; um estudo relata que 98% dos usuários da cocaína começaram com a maconha. Mas, apesar disso, existem lugares onde a maconha é permitida como medicamento o que faz com que a percepção de que a maconha é perigosa deixe de existir.

A planta cânhamo (Cannabis sativa), fonte da maconha, cresce em todo o mundo e floresce nas regiões temperadas e tropicais. É uma das plantas não-comestíveis mais cultivadas no mundo. Seu principal componente psicoativo é o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), que é um alcalóide encontrado na resina que recobre os brotos fêmeos do cânhamo. Além do THC, a resina contém cerca de 60 compostos canabinóides, como o canabidiol e o canabinol. Todos eles bem menos ativos que o THC. Os produtos da Cannabis incluem maconha, haxixe, bang, ganja e sinsemilla.

Haxixe (charas), que consiste do exudato resinoso das inflorescências fêmeas, é a preparação mais potente, contendo cerca de 10 a 20 % de THC. Ganja e sinsemilla são produtos secos das flores das plantas fêmeas e contêm entre 5 a 8% de THC. Maconha e Bhang – também pode ser preparado em forma líquida – são as preparações mais fracas retiradas das folhas e às vezes das flores secas da planta e seu conteúdo de THC é de cerca de 2 a 5 %.

A planta maconha sintetiza pelo menos 400 substâncias químicas. Destas, mais de 60, incluindo o delta-9-tetrahidrocanabinol são canabinóides. A estrutura química do THC é única, diferindo tanto da estrutura dos sedativos quanto da dos psicodélicos.

Composição

Descrevem-se 421 constituintes da maconha, sendo eles:

Canabinóides (61 conhecidos), entre eles do tipo canabigerol, canabicromeno, canabidiol, delta-9-THC, delta-8-THC, canabiciclol, canabielsoin, canabinol, canabinodiol, canabitriol, miscelânio e outros;

Compostos nitrogenados (20 conhecidos), entre eles: bases quaternárias, amidas, aminas e alcalóides espermidina;

Aminoácidos (18 conhecidos);

Proteínas, Glicoproteínas e Enzimas (9 conhecidos);

Açúcar e compostos relacionados (34 conhecidos), entre eles: monossacarídeos, dissacarídeos, polissacarídeos, ciclitóis e aminoaçúcar;

Hidrocarbonetos (50 conhecidos);

Álcool simples (7 conhecidos);

Aldeídos simples (12 conhecidos);

Acetonas simples (13 conhecidos);

Ácidos simples (20 conhecidos);

Ácidos graxos (12 conhecidos);

Ésteres simples e lactonas (13 conhecidos);

Esteróides (11 conhecidos);

Terpenos (103 conhecidos), entre eles: monoterpenos, sesquiterpenos, diterpenos, triterpenos, miscelânea de compostos de origem terpenóide;

Fenóis não-canabinóides (16 conhecidos);

Glicosídeos flavonóides (19 conhecidos);

Vitaminas (1 conhecida);

Pigmentos (2 conhecidos).

Sistema endocanabinóide

Sabe-se atualmente que o sistema nervoso central produz substâncias semelhantes ao THC –
são os canabinóides endógenos – anandamida (N-aracdonil-etanolamina), o 2-aracdonilglicerol (2-AG) e o 2-aracdonilgliceril éter. Estes, juntamente com os receptores canabinóides e as enzimas de síntese e degradação, formam o sistema endocanabinóide.

A anandamida é a mais conhecida e estudada, mas o 2-aracdonilglicerol é o mais abundante. São sintetizados a partir de ácidos graxos de cadeia longa, principalmente o ácido aracdônico. Os canabinóides endógenos são secretados localmente, enquanto que o THC (principal psicoativo da maconha) atinge de uma vez só todos os receptores CEl do cérebro. A ação dos canabinóides dura alguns segundos e o THC permanece horas no sistema nervoso central; por fim, a anandamida é cerca de 4 a 20 vezes menos potente que o THC.

Foi demonstrado que os endocanabinóides anandamida e 2-AG estão aumentados no plasma de humanos obesos e seus níveis estão inversamente relacionados com a atividade da FAAH (fofolipase-N-acilfosfatidiletanolamina-seletiva). Já foi demonstrado que o jejum aumenta os níveis de anandamida no intestino delgado, o que se relacionaria ao estímulo da ingesta alimentar (fome – larica na gíria).

O SNC também possui receptores específicos para os endocanabinóides e o THC. Há dois tipos de receptores conhecidos: o CB1, presente em todo o cérebro (próximo às terminações nervosas de neurônios pertencentes a outros sistemas); o CB2, localizado em tecidos periféricos, principalmente no sistema imunológico.
As áreas do SNC com maior densidade de receptores são as seguintes, com as respectivas funções:

Córtex frontal – raciocínio, abstração, planejamento.

Núcleos da base – motricidade

Cerebelo – equilíbrio e coordenação

Sistema límbico – elaboração e expressão de fenômenos emocionais:

a. Hipotálamo – coordenação das manifestações emocionais

b. Hipocampo – memória emocional e inibição da agressividade

c. Giro do cíngulo – controle dos impulsos

Os receptores canabinóides CB1 estão localizados nas membranas pré-sinápticas de diversos sistemas de neurotransmissão. Os receptores pré-sinápticos é que determinam a quantidade de neurotransmissores que será liberada nas sinapses. Portanto, o sistema canabinóide modula a ação de outros sistemas sobre o cérebro.

O sistema GABA é considerado o sistema de inibição do cérebro enquanto o sistema glutamato é considerado o sistema excitatório. Ambos trabalham em sintonia. O sistema GABA prevalece nos momentos de relaxamento, despreocupação e sono e o sistema glutamato prevalece nos momentos que requerem atenção e vigília.

A atividade do sistema canabinóide parece inibir tanto o sistema GABA quanto o sistema glutamato. Em momentos de maior atividade (trabalho, estudo, jogos etc) inibem o sistema GABA e em momentos de menor atividade inibem o sistema glutamato.

Os sistemas GABA e glutamato estão espalhados difusamente por todo o cérebro. Já o sistema canabinóide se concentra mais no córtex frontal, núcleos da base, cerebelo e sistema límbico.
Os núcleos da base e cerebelo são responsáveis pela coordenação da motricidade e do equilíbrio e o sistema canabinóide é o "maestro" da sinfonia inibitória/excitatória nestas regiões. Havendo um desequilíbrio deste sistema, há prejuízo da função motora e do equilíbrio.

O hipocampo, responsável pelo armazenamento da memória, faz parte do sistema límbico, que é rico em receptores CB1. A presença de anandamida e THC inibem de forma retrógrada tanto o sistema GABA (inibitório) quanto o sistema glutamato (excitatório) – este com maior intensidade – tornando esta estrutura incapaz de armazenar informações provenientes das diversas situações, devido ao déficit de processamento das informações sensoriais.

Experimentalmente, no hipocampo os neurônios ficam atrofiados e com menor número de conexões entre si após meros três meses de exposição dos ratos ao THC.

Farmacologia

Apesar das pesquisas com maconha terem começado há cerca de 150 anos, só em 1964 foi isolada uma substância ativa chamada delta-9-tetrahidrocanabinóide (∆9-THC) e apenas em 1970 chegou-se à conclusão de que este é o principal componente psicoativo da maconha, sendo alguns outros canabinóides também ativos – menos potentes – e até mesmo agonistas do THC.

A distribuição do THC, que é solúvel em gorduras, é rápida e completa. Os efeitos farmacológicos ocorrem cerca de 10 a 15 minutos após o uso do cigarro, permanecendo por cerca de 3 a 4 horas, se outra dose não for administrada. A substancia pode ser detectada no corpo até 12 horas após o uso de um único cigarro. A absorção oral é lenta e incompleta e os efeitos surgem em % a 1 hora, podendo persistir por até 5 horas.

Sabe-se que o efeito da Cannabis é três vezes mais potente quando fumado que quando ingerido pela boca, mesmo na forma natural (chá ou resina), embora a absorção gastrointestinal seja satisfatória.

Um cigarro médio de maconha tem cerca de 0,5 a 1 grama da planta. Se considerarmos como 5% o percentual de THC, teremos aproximadamente 50 mg de THC por cigarro. Em geral, cerca de 1,4 a 1,2 do THC presente no cigarro é disponível na fumaça. Então, em um cigarro com 50 mg de THC, cerca de 12 a 25 mg são disponíveis na fumaça. Na prática, a quantidade de THC na corrente sangüínea após o uso de 1 cigarro de maconha está entre 0,4 a 10 mg.

Uma vez absorvido, o THC é distribuído aos vários órgãos do corpo, principalmente aqueles ricos em gordura. Portanto, penetra rapidamente no cérebro – rico em gorduras – sem ser bloqueado pela barreira hemato-encefálica. O THC também atravessa a barreira placentária e alcança o feto rapidamente. É quase completamente metabolizado no fígado a um metabólito ativo (TEIC) que é subseqüentemente convertido em metabólitos inativos e então excretado pela urina e fezes. O metabolismo do THC é bastante lento: uma meia vida de 30 horas é aceita pela maior parte dos pesquisadores, mas alguns reportam uma meia vida de 4 dias. Portanto, o THC pode permanecer no corpo por vários dias ou semanas e o uso subseqüente de novas doses de maconha podem ser intensificados ou prolongados.

Pelo fato de apenas mínimas quantidades de THC serem encontradas na urino de usuários, os testes isolam principalmente seus metabólitos. Em usuários agudos ou ocasionais os metabólitos podem ser identificados por 1 a 3 dias na urina. Já em usuários crônicos (mesmo 2 ou 3 vezes por semana) os testes permanecem constantemente positivos. Um usuário pesado que para de fumar pode ter testes de urina positivos por cerca de 30 dias. Portanto, um único exame positivo não esclarece se o usuário é agudo ou crônico. Múltiplas amostras podem ser necessárias para diferenciar os resultados.

A maconha pode se tornar extremamente tóxica quando está intoxicada com paraquat, um herbicida químico muito venenoso usado para matar plantas indesejáveis. Ele afeta os pulmões e outros órgãos. O pior problema é que muitas vezes este herbicida é dificilmente identificado na maconha.

Efeitos farmacológicos no homem

Para uma droga tão bem estudada como a maconha, ainda existem muitas controvérsias sobre os seus efeitos agudos e crônicos no homem, talvez pela falta de trabalhos que estudem o uso da maconha na "vida real". Veremos a seguir o que a literatura atual, baseada nas novas descobertas da psiconeuroimunoendocrinoimunologia, tem a nos dizer:

Efeitos neuropsicológicos

Quatro pesquisadores da Universidade de Washington publicaram um estudo na respeitada revista Journal of Neuroscience mostrando o que ninguém queria acreditar: maconha mata neurônios. O uso crônico da maconha pode levar a déficits cognitivos e perda de tecido cerebral como demonstram inequivocamente vários estudos.

Sistema cardiovascular

Conforme já foi descrito, o aumento da freqüência cardíaca e da pressão arterial são efeitos comumente observados após o fumo da maconha e são proporcionais à dose. Estes efeitos se devem à ação vagolítica da planta. As veias da córnea se dilatam, provocando a hiperemia observada logo após o uso da substância.

Sistema pulmonar

Em um estudo clássico, fizeram uma análise dos componentes do tabaco e da maconha e notaram que, com exceção da nicotina no tabaco e do THC na maconha, os outros inalantes eram muito semelhantes.

Em 1995 encontraram-se evidências de irritação e inflamação brônquica em usuário de maconha, mas não puderam demonstrar um declínio da função pulmonar a longo prazo, como nos estudo com tabaco.

Também ainda não se pode associar o uso da maconha com o desenvolvimento do câncer de pulmão, mas os cientistas também não podem afirmar que o uso crônico da maconha seja seguro para o tecido pulmonar. Ressalta-se ainda a presença do benzopireno, carcinogênico altamente poderoso, e o benzotraceno, encontrado em uma proporção 50% superior na maconha com relação ao cigarro comum.

Sistema imune

Fora do SNC, existem receptores canabinóides específicos no sistema imune.

O uso prolongado da maconha é associado com vários graus de imunossupressão, que pode desencadear infecções e outras doenças. As evidências a este respeito ainda são inconclusivas, mas deve-se ressaltar que outras drogas depressivas como álcool, barbitúricos, benzodiazepínicos e anticonvulsivantes compartilham esta ação imunossupressora.

O baço e os linfócitos, por sua importância no sistema imune, foram estudados quanto à sua relação com os canabinóides. Foram identificados os mesmos receptores de canabinóides em células do baço e foram identificados os mesmos receptores nos linfócitos. Quando ativados pelo THC estes receptores inibem a resposta imune destas células. Autores reportaram que tanto o THC quanto a anandamida inibem a função de células matadoras de tumores.

Sistema reprodutor

As evidências sobre os danos ao sistema reprodutor e hormônios sexuais estão cada vez mais fortes, em usuários crônicos de maconha. Já se sabe que diminuem os níveis de testosterona e a espermogênese em homens.

Em mulheres, os níveis de LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo estimulante) estão diminuídos e podem ocorrer ciclos anovulatórios e irregulares. Todos estes efeitos são reversíveis com a interrupção do uso da droga.

Gestação

Já se sabe que a maconha atravessa a barreira placentária livremente. Pesquisou-se o efeito do uso de maconha na prole de usuárias e não foram encontrados dados significativos em crianças de 1 a 3 anos, mas com 4 anos houve aumento dos problemas de comportamento, diminuição da performance visual e cognitiva. A posição pré-natal altera funções de execução e, portanto afeta o lobo pré-frontal da criança em formação.

Estudos recentes relacionam o uso de maconha por mulheres grávidas ao desenvolvimento de leucemia linfoblástica na criança. O THC parece produzir aborto espontâneo, baixo peso do concepto ao nascer e deformidades físicas quando dado em períodos específicos da gestação.

Alguns estudos revelaram que filhos de mães que fumavam maconha durante a gestação eram menores, ou tinham menor peso.

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