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Psicose de Transferência – Parte I

O tema em questão não tem sido muito explorado pelos autores que se dedicam à escrita psicanalítica, no entanto, trata-se de tema de extrema importância para aqueles que se propõem ingressar no árido campo das psicoses.

Históricamente, já nos dizeres de Freud, as psicoses não podiam receber a influência do tratamento psicanalítico, uma vez que os pacientes não eram passíveis de estabelecer a transferência. Vale lembrar que Freud no início entendia que "a transferência era um produto da análise", tendo em seguida alterado à sua compreensão e evoluído no sentido de poder conceber a transferência como "um produto da neurose".

A Psicose de Transferência não é um conceito que encontramos fácilmente na literatura psicanalítica, sendo portanto necessário embasarmo-nos em alguns autores que a tenham estudado em profundidade. Entre eles, queremos destacar Racker e Etchegoyen. Apenas por uma questão de fidelidade à história, citamos que Etchegoyen foi analisando de Racker.

A abordagem do conceito de Psicose de Transferência torna-se indispensável, uma vez que o seu movimento (ou não-movimento) transferencial,acaba por invalidar o processo analítico.

Ao lançarmos um olhar retrospectivo, perceberemos que no desenvolvimento do conceito de transferência, iremos encontrar Karl Abraham(1908), o qual esforçou-se para estabelecer as diferenças psicossexuais entre a Histeria e a Demência Precoce. Na Histeria, a libido permanece ligada aos objetos e ao mundo externo, enquanto por outro lado, transforma-se em auto-erótica na demência precoce. Na Demência Precoce, a libido passa por um processo onde existe um rompimento radical em relação ao mundo externo.
Aproximadamente um ano mais tarde, Sandor Ferenczí chegou a propor uma divisão dos pacientes em três tipos:

= O demente precoce > retirada da libido do mundo externo.

= O paranóico > projeção da libido no objeto.

= O neurótico > introjeção do mundo de objetos.

Mas tanto Abraham quanto Ferenczí, vão se manter atuais de 1908 a 1914, data célebre na psicanálise pois foi quando Freud instituiu o conceito de Narcisismo, tendo sido propostas duas categorias:

= Neuroses de transferência.

= Neuroses narcísicas.

Ainda na esteira da história, parece que a primeira vez que surgiu o termo "Psicose de Transferência", foi na "Análise de um Caso de Paranóia" e, publicado por Ruth Macbrunswick em 1928. Na verdade, os estudos mais sistemáticos sobre as psicoses surgiram a partir da década de 30 e ocorreram simultâneamente em Londres(Melanie Klein), EUA(Sullivan) e Viena(Paul Federn). Em relação à Psicose de Transferência, não seria justo nos esquecermos do nome de Frieda Fromm Reichman. Um outro trabalho que , sem dúvida alguma, merece ser citado é o de Pichon-Riviére, o qual foi publicado com o título de "Algumas Observações sobre a Transferência nos Pacientes Psicóticos"(1951). Pichon-Riviére, à luz das concepções kleinianas, sustentava que a transferência nos pacientes psicóticos e sobretudo nos esquizofrênicos, deveria ser entendida pelo ângulo do conceito de identificação projetiva.

Podemos observar no paciente esquizofrênico, um intenso movimento em direção a um contato com os outros, mesmo apesar do isolamento defensivo não menos exacerbado. Levando-se esse aspecto em consideração, entendemos que a transferência deve ser interpretada, assim como a angústia que determina o afastamento do mundo de objetos.

Teorias sobre a Psicose e a Abordagem Técnica:

Nota-se que a grande maioria dos autores que se dedicam ao estudo das psicoses são unânimes em considerar que as psicoses são provenientes dos estágios pré-genitais do desenvolvimento e os primeiros anos de vida. Entretanto, divergem em suas explicações teóricas e na sua abordagem prática.

Mesmo correndo o risco de uma simplificação, Horácio Etchegoyen propõe a existência de duas grandes teorias e duas formas de conduzir-se na prática:

= Teóricamente estão os que acompanham o pensamento de Melanie Klein, isto é, que a relação de objeto se estabelece de início e que sem ela, não há vida mental. Existem os que postulam também, a exemplo de Searles, Mahler e Winnicott, que o desenvolvimento parte de um momento em que o sujeito e o objeto não estão diferenciados, existindo uma etapa de narcisismo primário.

Geográficamente falando, essa discussão se dava entre Viena e Londres, ou entre Anna Freud e Melanie klein. Atualmente, existem algumas formas intermediárias entre os dois extremos. É notório, que a partir desses enfoques teóricos ,derivam várias abordagens práticas.

= Abordagens Práticas: autores para quem a Psicose de Transferência deve ser interpretada.

= Existem os que sustentam que os fenômenos referentes ao narcisismo primário, não respondem à técnica interpretativa clássica.

A Psicose de Transferência e a Teoria Kleiniana:

Análise do Caso Dick: uma criança de 4 anos foi o ponto inicial. Apresentava um desenvolvimento mental que não ultrapassava os 18 meses , além de ter sido diagnosticada como portadora de demência precoce. Muito provávelmente, na atualidade seria diagnosticada como um caso de autismo precoce infantil.

Melanie Klein empregou com Dick a sua técnica de jogo, tendo interpretado as fantasias sádicas frente ao corpo da mãe,além da interpretação da cena primária. O que pode-se observar com a apresentação deste caso, é que M. Klein propôs uma nova teoria do símbolo e da psicose, além de uma técnica para abordá-la, como se constituindo num instrumento estritamente analítico.

Importante destacarmos que foram os discípulos de M. Klein e não ela que na década de 40, iniciaram o tratamento de psicóticos através da técnica clássica, ou seja permitindo que se desenvolvesse uma psicose de transferência, além de analisá-la em seus parâmetros. Paul Federn em seu trabalho "Psicanálise da Psicose" (1943 ), propunha que a transferência positiva deveria ser mantida pelo analista e nunca dissolvida. Assim, quando Hanna Segal, Bion e Rosenfeld se propuseram a analisar psicóticos, contaram com o instrumental teórico que Klein havia proposto na construção da teoria das posições, além do valioso conceito de identificação projetiva.

Hanna Segal: estuda o simbolismo na psicose.

H. Rosenfeld: aprimora a técnica.

Bion: ocupa-se com a linguagem e o pensamento esquizofrênico, caracterizando a transferência como prematura e de intensa dependência, o que o leva a postular duas partes da personalidade: a psicótica e a não-psicótica, além de uma teoria do pensamento esquizofrênico.

Interrompemos por ora a apresentação deste percurso, deixando citadas as abordagens da Simbiose de Transferência, a Transferência nos pacientes fronteiriços,etc, com as quais pretendemos concluir essa apresentação.

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