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A função materna e o desenvolvimento infantil

Introdução 

Este artigo visa fazer uma breve revisão teórica acerca do conceito de função materna e o desenvolvimento infantil, de acordo com diversos autores da escola Psicanalítica.

A função materna é essencial para a organização psíquica do infante e sua constituição como sujeito. Pode-se dizer que é a partir da organização psicológica desenvolvida do relacionamento com a mãe ou com a sua cuidadora que a criança conquista a capacidade de se relacionar com o resto do mundo dos objetos humanos (Coppolillo, 1990).

Durante os anos iniciais do desenvolvimento psíquico, a questão do meio ambiente se resume praticamente à situação de relacionamento entre mãe e filho. Entretanto, não são os aspectos mais formais e visíveis da relação entre os dois os que adquirem importância para a criança, mas sim aquilo que se passa na intimidade dos dois e que se traduz em vivências afetivas significativas (Gorayeb, 1985).

Para Klein (1997), a vida mental da criança é influenciada por emoções primitivas e fantasias inconscientes. O recém-nascido experimenta uma ansiedade de natureza persecutória e sente, de forma inconsciente, como se todos os desconfortos lhe fossem infligidos por forças hostis, o que desencadeia uma ansiedade da qual o ego precisa se livrar, e para isso, projetar. No entanto, se em breve lhe for proporcionado conforto, isto é, quando predominarem os impulsos amorosos, isso  originará emoções mais satisfatórias, representando um apoio contra a ansiedade. O bebê deseja receber da mãe não apenas alimento, mas também seu amor e compreensão, que se expressa através dos cuidados da mãe para com seu bebê. 

Winnicott (1983), ao falar da mãe suficientemente boa, designou o termo holding que corresponde ao amparo e à manutenção da criança, não somente física, mas também psíquica. É a tarefa materna de sustentar o filho, que além do suporte psicológico, também é um suporte físico, como a de dar colo, afagos ou a troca de fraldas. A mãe suficientemente boa tem a capacidade de se adaptar de forma delicada e sensível às necessidades iniciais do bebê, estabelecendo uma relação com o ego do bebê que facilita para a criança introjetar as suas ansiedades de forma suportável (Winnicott, 1978).

No momento em que a mãe falha em sua tarefa de realizar o holding, isto é, quando a mãe não se torna “boa o suficiente”, o bebê pode sentir uma grande aflição, devido à sensação de estar em um estado não integrado, a sensação de não parar de cair e a perda do sentimento do real (Winnicott, 1993).

Segundo Bleichmar (1994), quando a mãe investe em seu bebê narcisisticamente, através de atos como acariciar o bebê, fixar o olhar em seus olhos durante a amamentação, acomodar sua cabeça e pernas no colo, de maneira tranqüilizadora, proporciona-lhe derivações na maneira de satisfazer uma pulsão. Pode-se dizer que o bebê adquire a representação totalizante através do narcisismo egóico da mãe, que permite que a pulsão, intrusiva e atacante, encontre de início formas de ligação por vias colaterais; este processo possibilita a constituição do ego, que então inibe os processos primários e supõe a instalação do processo secundário. A criança adquire capacidade de tolerância à frustração, pois tem o registro do princípio da realidade. Quando ocorrem falhas nesse processo, o bebê fica exposto a uma dor constante, ficando apenas o registro de prazer-desprazer, sem tolerância à postergação.

A amamentação é o primeiro tipo de alimentação do bebê e repercute de forma múltipla na mãe, proporcionando um sentimento de proximidade com seu filho, através de um movimento circular de satisfação, que se origina do oferecimento do peito ao bebê, circula pela sucção, retornando de forma glandular e psíquica sobre a mãe. Ainda diz que a primeira forma de expressão da função materna ocorre através do leite, e vai se re-significando através de outros objetos, no decorrer de seu desenvolvimento (Jerusalinsky, 1984).

Em um entendimento lacaniano, a mãe sustenta para o seu bebê o lugar de Outro primordial. Impelida pelo desejo, antecipará em seu bebê uma existência que ainda não está lá, mas que virá a se instalar justamente porque foi suposta. Através do seu olhar, gestos e palavras, a mãe desenha o mapa libidinal que recobre o corpo do bebê (Kupfer, 2000).

O Outro escreve as primeiras marcas no corpo do bebê, as quais serão os alicerces do seu aparelho psíquico. O Outro, ou seja, o adulto encarregado de cuidar da criança, que geralmente é a mãe, irá manipulá-lo de acordo com o que determinem os significantes de sua história e de acordo com o lugar que esses significantes outorguem ao objeto que tem em suas mãos (Coriat, 1997).

A mãe sustenta para o seu bebê o lugar de Outro primordial. Impelida pelo desejo, antecipará em seu bebê uma existência que ainda não está lá, mas que virá a se instalar justamente porque foi suposta. Através do seu olhar, gestos e palavras, a mãe desenha o mapa libidinal que recobre o corpo do bebê (Kupfer, 2000).

Ainda de acordo com a teoria lacaniana, quando a criança apresenta um sintoma, esse é o seu modo de se inscrever no discurso familiar, e advém como um meio de protegê-la da alienação no ideal dos pais, ao receber a mensagem deles de uma forma invertida, marcando a presença de um sujeito desejante. O sintoma da criança, portanto, é uma defesa de um mínimo de subjetividade contra a alienação nos ideais do outro. Em outro caso, quando isso não acontece, a criança recebe a mensagem do Outro de uma forma absolutamente direta, causando a própria anulação da sua subjetividade (Prestes, 2004).

Conforme Manonni (1999), a criança ocupa um lugar determinado no fantasma de cada um dos pais. Enquanto sujeito, está alienada no desejo do Outro; portanto, a criança não pode ser isolada artificialmente de um determinado contexto familiar. Quando tocamos no sintoma da criança, possivelmente emergirá aquilo que servia para alimentar ou, ao contrário, para obturar a ansiedade da mãe e/ou pai.Esta autora também estabelece que, ao mesmo tempo em que a mãe tem a função de prover o bebê nas suas necessidades, ela se torna um agente de frustração. É na ausência materna que se instaura a ordem simbólica, introduzindo, através da linguagem, uma dimensão de novas possibilidades de relacionamentos para a criança. Assim, o dom materno ultrapassa os cuidados básicos, e remetem aos investimentos maternos simbolizantes (Manonni, 1986).

É importante também ressaltar que o apoio emocional do marido à esposa durante o período da gravidez contribui para uma melhor adaptação desta ao processo de gestação e parte, além de auxiliá-la a desenvolver sua função materna mais adequadamente (Brazelton e Cramer, 1992).
           
Para Coppolillo (1990), o pai é um aliado de suma importância para os filhos durante a fase de separação-individuação. A inclusão do pai na relação simbiótica entre mãe-filho é fundamental para o desenvolvimento da autonomia da criança.

Assim, o amparo psíquico da figura materna para com seu bebê é de suma importância para a constituição do eu, sendo a base principal para todos demais relacionamentos do bebê no mundo externo. O sadio relacionamento mãe-bebê representa, desse modo, proteção e segurança para a criança, contribuindo essencialmente para o desenvolvimento adequado do aparelho psíquico.

Referências Bibliográficas 

Bleichmar, S. (1994). A fundação do inconsciente. Porto Alegre: Artmed.
 
Brazelton, T.B. & Cramer, B. (1992). As primeiras relações. São Paulo: Martins Fontes.
 
Coppolillo, H. (1990). Psicoterapia psicodinâmica de crianças.  Porto Alegre: Artes Médicas.
 
Coriat, E. (1997). Psicanálise e clínica de bebês. Porto Alegre: Artes e Ofícios.
 
Gorayeb, R. (1985). Psicopatologia infantil. São Paulo: EPU.
 
Jerusalinsky, A.N. (1984). Psicanálise do autismo. Porto Alegre: Artes Médicas.
 
Klein, M. (1997). A psicanálise de crianças. Rio de Janeiro: Imago.
 
Kupfer, M. C.M. (2000). Notas sobre o diagnóstico diferencial da psicose e do autismo na infância. Psicol. USP, 11(1), p.85-105.
 
Mannoni, M. (1986). De um impossível a outro. Rio de Janeiro: Zahar. Mannoni, M. (1999). A criança, sua “doença” e os outros. São Paulo: Via Lettera Editora e Livraria. 

Prestes, S. C. (2004). O sintoma da criança e o trabalho analítico com os pais. In: http://www.escolalacaniana.com.br – Escola Lacaniana de Psicanálise do Rio de Janeiro (acessado em 9 de novembro de 2006).

Winicott, D.W. (1978). Textos selecionados: da pediatria à Psicanálise. Rio de Janeiro: Francisco
Alves. Winicott, D.W. (1983). O ambiente e os processos de maturação: estudos sobre a teoria do desenvolvimento emocional. Porto Alegre: Artmed. 

Winicott, D.W. (1993). A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes.

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