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Necessidades/Escassez e Síndrome do Pânico

Congresso Psicologia Ciência e Profissão São Paulo, 05 a 09 de setembro 2006.

Caso: Necessidade/Escassez e Síndrome do Pânico Psicóloga: Ana Cláudia de Souza – CRP 12/01567

O caso que será apresentado, está em execução, sendo realizado em termos interdisciplinares pelos profissionais: psicólogas Lara Beatriz Fuck, CRP 12/01342, Luciana Cascaes, CRP 12/01361; os médicos Dr. Paulo Bittencourt, Dr. Evandro Russo, Dr. Carlos Garcia, e o filósofo Pedro Bertolino, sendo eu, Ana Cláudia de Souza, CRP 12/01567, psicóloga titular do caso.

Os elementos que permitissem a identificação da paciente ou de sua família foram suprimidos, sem prejuízo para a ancoragem empírico-científica das ocorrências. E a paciente assinou autorização para a comunicação deste caso, nos termos em que está aqui exposto, encontrando-se tal documento com registro em cartório em poder da psicóloga responsável.

1 – O Clima Antropológico:

1) A paciente quando chegou a terapia, tinha 34 anos, era casada há 15 anos, tinha 2 filhas de 8 e 15 anos, havendo casado grávida da primeira filha. Iniciou graduação e não concluiu. Trabalhou em algumas empresas, e há 7 anos tinha uma empresa de prestação de serviços por cuja administração respondia; enquanto que o marido administrava outra empresa do casal em sociedade com os irmãos dele. Saiu da casa dos pais aos 16 anos, para fazer cursinho noutra cidade, junto com a irmã. Entrou na universidade, indo morar com amigas. Nesse momento os pais brigavam muito. O apartamento deles estava hipotecado, haviam perdido carros. Ficaram apenas com um apartamento duplex em que moravam e um ponto comercial, aonde os pais montaram uma padaria por iniciativa da mãe. Conheceu o marido numa festa, aos seus 17 anos. Começaram a namorar e ambos entraram para a universidade em cursos diferentes.

No começo do namoro foi tudo muito bom, com 1 mês de namoro ele conheceu os pais dela. A sogra da paciente não apoiava o namoro por achar o filho jovem. A família dele tinha uma empresa e residência na cidade aonde a paciente estava estudando.

2) No primeiro ano de namoro começaram as inseguranças da paciente, pois o marido era paquerador. Brigavam bastante e terminaram algumas vezes. Após um ano e meio de namoro o atual marido voltou a terminar dizendo ser cedo para compromisso tão sério. Continuaram se vendo e meses depois ele anunciou viagem ao exterior, seria a forma de esquecê-la. Neste período soube estar grávida, e desesperou-se com a decepção que provocaria nos pais, passando 10 dias sem conseguir dormir direito. Achou que o atual marido fosse reverter sua posição de viajar, mas ele ficou bem confuso, sugeriu aborto e quando ela se negou, ele tomou a posição de assumir o filho. Foram contar aos pais dela e o atual marido informou que assumiria a paternidade, mas que estava de viagem marcada e apenas na volta decidiria se casariam.

3) A paciente voltou para a cidade onde estudava e tentou aproximar-se da sogra, que se manteve arredia. Na data prevista para retorno de viagem, faltando 4 meses para o nascimento do bebê, o atual marido escreveu dizendo que ficaria mais tempo. Ela se desesperou e chorava compulsivamente todos os dias, já estava financeiramente apertada, sem apoio dos pais, estava numa gravidez de risco, mas não parou de trabalhar por medo de ficar sem dinheiro. As amigas da paciente contaram para a mãe dela o que estava acontecendo, e foi quando a mãe se re-aproximou e veio cuidá-la.

4) O marido quando voltou de viagem estava infeliz, e a sogra fazia comentários maldosos relacionando a tristeza do filho a relação com a namorada, atual esposa.

5) A filha nasceu prematura, deixando a paciente em pânico de perdê-la. A mãe da paciente ficou cuidando delas em casa, e a sogra levou 3 meses para visitar a neta. Após o nascimento da filha, ela e seu atual marido, passaram a morar juntos, mas ele saia muito e não dava atenção ou assistência à paciente e a filha. Numa ocasião ela descobriu uma traição e mandou-o embora, garantindo que ele poderia ver a filha sempre que quisesse. Depois de 3 dias do ocorrido ele voltou a procurá-la muito abatido, dizendo que queria ficar com ela e a filha e que estava disposto a mudar. A partir daí o casamento deles foi efetivamente diferente, ele passou a sair menos, e a reservar os finais de semana para a família, e posteriormente decidiram-se por outra filha. Casaram no civil há apenas 3 anos atrás por ocasião da comunhão de uma das filhas. Após o nascimento da primeira filha, a paciente voltou a trabalhar e não parou exceto nos meses de resguardo da segunda filha há 8 anos atrás.

6) Há 7 anos atrás, a paciente saiu da empresa em que trabalhava e o marido sugeriu montarem um negócio para que ela administrasse. Os familiares do marido não foram a favor, mais ele deu prosseguimento e não se opuseram. A empresa foi se estruturando e crescendo, e há cerca de 3 anos adquiriu proporções maiores do que a administração que faziam comportava. Diante do sucesso e crescimento da empresa a paciente começou a assustar-se com não dar conta e falir. Foi desde então que seus acessos de pânico se acentuaram. Desde que a empresa foi fundada, o marido contribuía na administração. E também ficava a frente da administração do outro negócio que tinham em sociedade com os irmãos dele. Em 2005 quando as dificuldades administrativas da empresa se acentuaram, e a condição emocional da paciente diminuiu, o marido assumiu mais a dianteira da empresa deles, que antes ficava no cotidiano ao comando da paciente.

7) Quanto a relação familiar, o marido é um pai presente, atencioso e carinhoso com a esposa e com as filhas, e ela do mesmo modo. Fazem programas em família e com outras famílias de amigos. Fazem planos para o futuro, principalmente ele, que está sempre pensando num bom negócio que traga mais conforto e boas condições de vida para a família.

8) A sogra da paciente não apoiou o namoro deles, nem a gravidez e o casamento. Porém, atualmente faz visitas, tratando-a com consideração, elogiando-a para parentes por ser cuidadosa com a família. A sogra trabalhava junto com os filhos nos negócios que o marido havia deixado, após o falecimento prematuro, deixando os filhos pequenos. Os irmãos da sogra a apoiaram no encaminhamento dos negócios após a viuvez. Desde pequeno o marido da paciente e seus irmãos ajudaram a mãe nos negócios, o que os unificou muito.

9) O pai da paciente veio de família muito humilde, era o filho mais velho, seu pai, avô da paciente, era alcoólatra, sem emprego fixo, e viviam numa escassez muito grande. Quando chegava bêbado maltratava ao pai da paciente. A avó da paciente cobrava muito do marido condição material, em brigas constantes. O pai da paciente não se relacionava bem com o pai e nem com a mãe dele, a quem chamava de materialista e relaxada, embora admitisse ser batalhadora. O pai da paciente contava que saiu de casa por não agüentar a vida na família de origem. Começou a melhorar de vida quando adolescente, trabalhando como operário, depois técnico, com apoio e incentivo de um patrão, que também ajudou-o na compra da primeira casa quando a mãe da paciente engravidou e eles casaram, ela com 20 anos e ele com 19 anos.

10) Os avós paternos da paciente, quando o pai desta era jovem, moravam em cidade vizinha, eram pessoas humildes mesmo com o bisavô tendo sido coronel do exército.

11) O pai da paciente sempre ajudou a família dele financeiramente. Aos 3 anos da paciente o avô paterno tentou suicídio com um tiro na cabeça por necessidade-escassez. O casal de pais dela foi ajudar aos pais dele, avôs paternos da paciente. Nesta viagem, antes de chegarem ao destino, os pais da paciente sofreram um acidente.

12) Dentro do casamento o pai da paciente ascendeu financeiramente, o que fez a relação com os familiares da esposa melhorar, sem deixar de ser distante.

13) O pai da paciente foi grande empresário. Mas por volta dos 14,15 anos da paciente faliu. Receberam muitas visitas de oficiais de justiça e cobradores, que recolheram seus bens. O pai desesperava-se, mas não conseguiu se re-erguer e abriu mão do negócio. Ficou com dívidas correndo na justiça, que saldou anos depois. Teve imóveis hipotecados, e não perderam a casa aonde moravam porque não estava no nome do pai. Hoje possui um pequeno comércio com a mãe da paciente, que foi funcionária pública e aposentou-se. A mãe da paciente chorava e criticava muito o marido, dizia que se ele tivesse ao menos pago o INSS teriam condição melhor, e que ficaria tudo dependendo da aposentadoria dela. A mãe passou a fazer pães para vender, o pai passou a ajudar e abriram uma padaria, porém a mãe jamais conformou-se com não ter a velhice tranqüila que pensara. O pai da paciente, depois que faliu, não saiu mais de casa, os amigos se afastaram, e ele passou a ter problemas emocionais, vindo posteriormente a usar medicação e consultar psiquiatras. A mãe e as irmãs também fizeram tratamentos e uso de medicação.

14) Quando a paciente engravidou, seus pais ficaram muito chateados com ela, a mãe ficou sem dirigir-lhe a palavra por um mês, dizendo que a filha tinha jogado a vida fora. A paciente chorava muito e por um momento pensou em aborto. Hoje vivem sozinhos, na mesma cidade em que vive uma das irmãs da paciente que se esta separando. A outra irmã vive na mesma cidade que a paciente, separou-se e retornou para o casamento. Até hoje brigam muito. O pai queixa-se de não ter companheira, é muito irritado, se trata com psiquiatra e faz uso de medicação, e já falou em suicídio.

15) A mãe da paciente sai para jogar com amigas, e queixa-se do marido não ser companheiro para passeios, jogar dinheiro fora, etc., sempre ressentida por terem falido, dizendo-se sobrecarregada.

16) Os familiares da mãe da paciente são do interior do estado e tem comércio desde a infância da mãe da paciente; tendo uma condição financeira muito melhor do que a da família paterna. Os avós maternos não foram a favor do casamento da mãe da paciente, a avó chorou durante o casamento inteiro, e o avô perguntou ao pai da paciente se poderia dar a filha dele as condições que ela tinha em casa. A mãe da paciente era professora, funcionária pública, e o pai da paciente, na época era operário.


2 – Situação Psicopatológica: Complicações Psicológicas A paciente vinha sofrendo afetações emocionais em episódios, regulares ou freqüentes como este:

1) Numa segunda-feira de fevereiro de 2005 acordou ansiosa com uma reunião que teria naquela manhã, suspeitava que o cliente fosse desistir de trabalhar com ela. Tentou levar na reunião sua gerente ou o marido e como não poderiam, foi sozinha. No caminho estava muito ansiosa, com pressão na cabeça, taquicardia, pernas moles, tremendo o corpo todo, estando difícil dirigir. Chegou na reunião e conversou com os clientes, estava muito tremula, com sudorese no corpo todo. No decorrer da conversa se acalmou um pouco, mas os clientes colocaram que tentariam trabalhar com outra empresa. Neste momento teve nó na garganta e aumentou a tremedeira. Saiu da reunião e entrou no seu carro chorando, sem energia, muito frustrada, experimentando-se a responsável pelos problemas na sua empresa, pois andava sem condição emocional. Estava na certeza de que perderia todos os clientes e sua vida desmoronaria. Voltou para sua empresa chorando, e contou o resultado da reunião ao marido e a gerente que ficaram chateados, mas o marido conversou dizendo que iriam atrás de outros clientes. A paciente trabalhou mais um pouco, mais não conseguia se concentrar e foi para casa em frustração, permanecendo assim por alguns dias.

2) Num dia de agosto de 2005 a paciente estava vendo TV em casa com as filhas e o marido. A filha menor veio para a sala com o leite e o cereal. Mandou a filha para a cozinha várias vezes sem ser atendida e foi irritando-se, entrando num acesso de pânico, na experimentação de ser mãe de uma filha desobediente, e que daria errado na vida. Não conseguiu se conter, alterou a voz e deu uns tapas na filha, irritada com a filha e com o marido por não ter levantado-se do sofá. Passou esta noite em claro, com remorso e medo que a filha a odiasse, e viesse a querer sair de casa para se livrar dela.  

3) Num dia de fevereiro de 2005, a paciente chegou na empresa 18:00h e viu uma funcionaria entrando no carro antes do fim do expediente. Quando a funcionaria a viu, veio agitada em sua direção, e imediatamente a paciente pensou: lá vem bomba! Já ficou ansiosa, com taquicardia, e quando a funcionária falou que houve problemas com um funcionário, imediatamente perguntou se ele estava registrado, a funcionária respondeu que não, e ela ficou muito ansiosa, na certeza de que viria a fiscalização, receberia multa e não teria como pagar, vindo a falir. Quando a secretaria continuou contando que havia acontecido um acidente de trabalho, que o rapaz desmaiou, a paciente se descontrolou, teve: frio na barriga, tremedeira, sudorese de pingar, choro compulsivo, ficou branca, gelada, com tontura, taquicardia; amolecimento nas pernas; sensação de desmaio; calorão no rosto, a cabeça começou a latejar e ficou aérea, teve ânsia de vomito, corpo leve, visão turva, foi conduzida para dentro da empresa, e nem sabe como chegou lá, não enxergava nada ao seu redor. O marido da paciente veio ao seu encontro dizendo que se acalmasse, pois o funcionário estava bem. Outras pessoas também intercederam tentando acalmá-la, mas ela não conseguia parar de chorar compulsivamente. Só pensava que estava tudo errado na sua empresa, que o funcionário poderia estar numa situação mais séria e teria que indeniza-lo, e a empresa não teria condições de bancar, além da repercussão negativa do fato entre os clientes. O marido vendo seu desatino ficou bravo. Mas ela continuava chorando e martelando que era tudo culpa sua, que não servia para a empresa, que não daria conta. Chorou compulsivamente por horas, chegou em casa exausta, com o corpo todo dolorido e muito frustrada, na experimentação de que o mundo tinha desabado sobre a sua cabeça.    

4) Nas primeiras sessões realizadas com a paciente foram verificados acessos de pânico neste padrão acima, e constatado que eles estavam ocorrendo diariamente, às vezes mais de uma vez ao dia, diante das situações mais simples. A ansiedade portanto, estava sendo uma constante, chegando a picos em acessos de pânico. Tais acessos ocorriam desde a adolescência da paciente, porém vinham se intensificando desde o ano de 2004, quando uma das irmãs dela passou a enfrentar problemas no casamento, e também após a paciente ter perdido dois clientes importantes. No ano de 2005 os acessos se intensificaram ainda mais após problemas com alguns funcionários, num período de grande volume de trabalho. Acessos tais como estes já haviam levado a paciente algumas vezes ao pronto socorro, e também ao cardiologista. Em nenhuma situação foi constatada anormalidade orgânica, e apenas indicaram-lhe calmantes. A paciente também vinha apresentando recorrentes episódios de candidíase desde o ano de 2004.

5) Os seus acessos diários estavam trazendo transtornos no trabalho e na vida pessoal, aonde ela diante do menor empecilho entrava em acessos de pânico: com ansiedade, taquicardia, tremedeira; tensão no corpo; falta de ar/respiração curta; frio na barriga; precipitação de preocupações; pernas moles; sudorese no corpo e nas mãos; ondas de calor na parte superior do corpo; cabeça leve e aérea; oras pressão na cabeça; tontura; sensação de desmaio; formigamento no corpo; ânsia de vomito; choro compulsivo, experimentando-se na ameaça de algo terrível quando depara-se com notícias de problemas por resolver na empresa ou em casa. Em certas noites conseguia dormir bem, noutras não conseguia parar de pensar nas atividades do dia seguinte e tinha dificuldade para entrar no sono, acordando várias vezes durante a noite, por vezes com compulsão por comida, e no dia seguinte acordava cansada. Quando o desespero era maior levava-a a chorar por muitas horas, ocorrendo a dor de cabeça, onde latejava as têmporas, sentia dormência no braço direito, câimbra até o peito, pernas pesadas, dor nas pernas e ocorria compulsão por suicídio. Sendo que em duas ocasiões de desespero maior, tomou 1 cp de Valiun para conseguir dormir.

6) Os acessos emocionais da paciente, nos quais era posta na certeza de falência, traição e desestruturação familiar, ocorriam diante de:

a) Problemas no trabalho: admissão e demissão de funcionários, acertos com ministério do trabalho, problemas contábeis. Ocorrendo desde que sua empresa começou a crescer; mas desde que o pai faliu quando ela tinha cerca de 14,15 anos.

b) Saídas do marido para o lazer: desde o iniciou do namoro, mas desde que encontrou aos 10 anos um lápis de olho no carro do pai, na certeza do pai trair a mãe.

c) Com as filhas quando não a obedeciam em organização das tarefas. Essas ocorrências se intensificaram quando a filha mais velha foi entrando na adolescência, e a paciente foi ficando no medo de repetir sua mãe.

d) Em atritos com o marido em que este chamava a sua atenção por estar estourada. Esse medo ocorria desde o namoro e mais acentuadamente desde há 3 anos atrás.

e) Quando o marido tomava alguma iniciativa de contenção de despesas, interpretava que ele estava deixando-a na mão. Esse medo vinha desde a gravidez da primeira filha, porém desde a falência de seu pai, onde a mãe da paciente repetia em desespero que se dependessem do marido não teriam como sobreviver.

f) Quando o marido fazia atividades individuais, e ela precisava dar conta da casa e das filhas. Experimentava-se na mesma situação de sua mãe que repetia ter um marido egoísta que a sobrecarregava.

3 – Caminho pelo Cógito Pessoal:

1) A paciente quando pequena saia de carro com os pais ficando em pânico com o pai bater o carro e se acidentarem. Desde pequena sempre que viajavam de carro, a mãe se apavorava na estrada e discutia dentro do carro com o marido por suas ultrapassagens e distrações. Aos 8, 9 anos da paciente, a mãe queixava-se muito da ausência do marido, que estava fora jogando, caçando ou pescando, deixando-a sobrecarregada com o cuidado da casa e das filhas. A mãe estava sempre muito nervosa, brigando com todos e dizendo não poder contar com o marido que priorizava outras coisas. Antes dos 10 anos da paciente os pais já brigavam muito. A mãe queixava-se da ausência do marido, com suspeitas de traição e com queixas de ficar sobrecarregada com os cuidados com as filhas, ficando muito nervosa e estourando em casa. O pai por seu lado queixava-se de desatenção da esposa.

2) Com 10 anos da paciente os negócios do pai prosperaram, e eles melhoraram de vida, ocasião em que o pai viajava muito. Nesta época as brigas não se extinguiram, mas a casa ficou cheia de amigos em reuniões sociais e a convivência ficou um pouco melhor. Aos 10, 12 anos presenciava discussões dos pais por desconfiança da mãe. Os pais ficavam dias sem se falar. A mãe ficava com o rosto inchado de tanto chorar. A mãe sempre foi áspera e dura, e naquela época era ruim conviver com ela que vivia nervosa e xingando as filhas, o marido e as empregadas. Noutra situação aos 10 anos encontrou um lápis de olho no carro do pai e não contou para ninguém, por medo que os pais brigassem ainda mais e se separassem. Aos seus 10, 12 anos, os pais brigavam muito e falavam bastante em separação. A paciente ouvia as discussões e entrava em pânico pensando o que seria feito da vida delas se houvesse separação.

3) Com seus 12, 13 anos, muitas vezes ouviu conversas e choro de sua mãe e sua tia a respeito dos maridos terem amantes, e de que todos os homens traiam. Por volta dos 14 anos da paciente, o pai teve problemas sérios com a mãe dele, que não quis repassar terras que estavam no nome do avô da paciente que veio a falecer. A mãe da paciente que já não gostava da sogra, se revoltou ainda mais, e incitava o marido contra a mãe dele. Aos 14, 15 anos da paciente o pai começou a falir, por função de planos econômicos do governo e por problemas administrativos na empresa. Já haviam recolhido vários bens do pai, que por fim nem atendia mais a porta, e rasgava as intimações sem abrir. Numa situação entre muitas do mesmo tipo ocorridas na infância da paciente, um oficial de justiça tocou a campainha de sua casa, ela atendeu o interfone e ficou em pânico abraçando-se a mãe e chorando com medo do que levariam daquela vez. A mãe ficava muito desesperada, brigava muito com o pai, chamava-o de desorganizado, e acusava-o de ter jogado dinheiro fora na farra. O pai vivia tenso, com os olhos vermelhos e dizia que quem trabalhava de verdade não tinha valor. A paciente ficava muito aflita com o desespero da mãe e também o do pai. 4) Por volta de seus 16 anos queria gravar fitas k7, e levou até a loja. Quando pediu dinheiro para pagar, a mãe a repreendeu falando que a situação em casa não estava boa. Ficou assustada com a precariedade da condição financeira na qual estavam. Dos 15 aos 17 anos da paciente passaram por um período infernal em casa, com mais brigas aonde a mãe muito nervosa acusava o pai de ter sido desorganizado. A convivência da paciente e das irmãs com a mãe sempre foi difícil, piorando após a falência. A irmã caçula, que era 7, 8 anos mais nova que a paciente, ficou muito revoltada na adolescência, aprontou muito com namorados e drogas e acabou engravidando aos 15 anos e passando por dificuldades até hoje.

4 – Compreensão Científica: Com estes elementos foi possível o seguinte esclarecimento científico da situação da paciente: Pelos inventários realizados concernentes ao clima antropológico, de onde procedem as determinantes e as atmosferas sociológicas, aonde encontramos as variáveis dependentes, chegamos a constatação cientifica de que a paciente totalizou em seu cógito pessoal as certezas de ser na ameaça e no medo pela necessidade e escassez material derivante e, ao mesmo tempo, agente provocador da desestruturação do sociológico familiar. Várias eram as correlações noemáticas entre a situação atual e a situação passada. A mãe da paciente se dizia tendo que lutar para manter a família, com tudo dependendo dela. Ignorando que em termos reais o pai tinha batalhado e enriquecido, e o que sobrou após a falência era em grande parte fruto disso. Esse movimento da mãe foi ter função na paciente quando chegou a sua hora e vez no casamento, onde ela foi para a situação da mãe em que as coisas estariam dependendo dela. Daí decorria o medo de ficar dependendo do marido, porque mesmo não tendo sido a realidade dos fatos, as atmosferas de gênese eram de que depender só dos negócios do marido seria correr o risco de falência e ficar na miséria. Ela por função desse saber de ser instalado pelas peças a disposição dela nesse antropológico de gênese, era sempre na ameaça de ser condenada a ficar como a mãe teria ficado se não tivesse a aposentadoria e o fazer pães para recompor a família: sendo esse o arranjo racional imanente pelo qual se lhe impunha em cada episodio, pela respectiva atmosfera, o campo de possibilidades em que estava destinada ao fracasso de ser sujeito do seu projeto e na viabilização do seu desejo de ser, qual seja, num sociológico familiar seguro e numa situação material que não ameaçasse este mesmo sociológico. Então o que ocorria com a paciente era função da ameaça de necessidade-escassez quando o pai foi à falência e sendo isso marcado pela mãe, se impôs a ela um arranjo racional tal que não ficaria sossegada não tendo ovos numa cesta própria, pois sempre haveria a ameaça do marido falir, tal qual ocorreu com o pai. Daí desdobrava a ansiedade de poder acontecer com ela o destino da mãe, e isso tirava-lhe a tranqüilidade para administrar a empresa, entrando ai também o medo de se perder na administração como o pai. Vindo daí a ansiedade por estabelecer-se numa situação que não fosse a mesma da mãe.

Quando o marido saia para jogar com amigos, indiscutivelmente reproduzindo aquilo que o pai fazia, por correlação material das situações e conseqüente geração de forças virtuais e/ou noemáticas, (sendo que a falência foi atribuída a isso, assim a coisa foi versada e posta no interior da família), ela era posta no saber de ser ameaçada pela falência e desestruturação familiar. E o marido saindo para o jogo, com homens solteiros, tudo isso tirava-lhe a segurança, ativando o saber de ser que se estabeleceu na gênese da personalidade, especialmente naquele episódio em que ela encontrou o lápis de olho no carro do pai, que em seu saber de ser ficou como ela tendo o segredo da falência do pai, vindo de sua infidelidade conjugal. Os impasses com o marido no início do relacionamento, vieram a potencializar o saber de ser no qual a paciente já estava instalada.

Com todas essas correlações materiais, virtuais ou noemáticas, no ninho as folhinhas formavam um fungo só, e ela se movia como se já tivesse sido abandonada por ele e como se tivesse que se mover sozinha para não ir para a necessidade/escassez: embora a situação antropológica, isto é, material presente, não evidenciasse possibilidade de evolução de tal sorte. Ficou prisioneira daquela situação do passado, do saber de ser do passado. Diante de seu descontrole emocional vinha a ameaça das filhas se revoltarem contra ela como ela e as irmãs se revoltaram contra a mãe, ou do marido perder a paciência como aconteceu do pai esgotar a dele com a mãe, e procurar outra mulher. Ela já vivia como estando na situação de não ter pulso com filhas e nem condição emocional, já vivia como estando separada. E procurava o tempo todo garantir-se de ser capaz de lutar sozinha, sempre a espera do marido arrumar outra e abandoná-la como poderia ter acontecido com o pai, e as filhas sofreriam como ela sofreu, no fundo estando sempre a ameaça de ficar na escassez, como teria ficado a mãe se o pai a tivesse abandonado. Tinha medo que o marido ficasse com ela só porque se ele se separasse ela ficaria na escassez, então tinha necessidade de através de seu movimento próprio ter condição de se manter sem ele, para ter a experimentação de que ele estava com ela não porque ela precisava e sim porque desejava ficar. E ao mesmo tempo tinha que ter a empresa para se garantir se ele falisse, se a família dele o exigisse, ou se ele a abandonasse, poderia fazer o que a mãe fez tendo seu negocio próprio. O que por outro lado acabava não sendo saída porque não foi a solução dos sofrimentos na família de origem. Sua insegurança na empresa era função da insegurança com a família, e tinha origem na falência da empresa do pai.

O vetor era a relação da situação dela hoje, com a situação dela lá da infância, por funções virtuais e/ou noemáticas, sem sustentação na objetividade da realidade atual. Então havia na situação da paciente a correlação destas diversas situações materiais gerando as respectivas forças virtuais e/ou noemáticas que armavam as atmosferas em que ela era posta psicofisicamente nas suas afetações emocionais, inventariáveis experimentalmente. Ai que a paciente estava o tempo todo sem saída, presa por ter o cão ou não ter o cão. E o que a aprisionava era função do aprisionamento no saber de ser passado, sendo a intervenção psicoterapêutica a interrupção desse movimento circular uniforme, que a impedia de fazer a órbita elíptica, transcendendo-se para a constituição efetiva do sociológico familiar com seu marido e suas filhas. Por fim, esta paciente com a problemática de Síndrome do Pânico, teve as condições para esta complicação psicológica dadas na gênese de sua personalidade, dada em contextos sociológicos e antropológicos que estabeleceram a paciente no saber de ser na ameaça da desestruturação familiar, condição de possibilidade para os padecimentos com os quais chegou na terapia. Como em toda a Síndrome do Pânico havia um monstro a distância que lhe aparecia como inevitável e a sua espera fatalmente, levando-a à situações de emoções delicadas como sempre acontece nessa Síndrome. Sendo esta a Hipótese de Trabalho Psicoterapêutico cientificamente próprio para o caso da paciente.

5 – Planejamento para a Intervenção:

1) Situar a paciente no seu clima antropológico, levando-a ao confronto ou constatação das determinantes nele presentes e constitutivas do mesmo.

2) Localizar a paciente quanto a função das determinantes do clima antropológico no sociológico familiar de origem, traduzidas por variáveis dependentes e independentes, que constituíam internamente o mesmo sociológico familiar de origem.

3) Colocar a paciente em contato com a mediação do sociológico pelo antropológico e vice-versa, através do inventário de episódios e respectivas atmosferas de gênese e da situação atual.

4) Situar a paciente em suas afetações emocionais, valendo-se de episódios sociológicos, para evidenciar seu projeto e desejo de ser originários, com os respectivos impasses e seus padecimentos.

5) Colocar a paciente em contato com as forças virtuais e/ou noemáticas, procedentes pelos pólos objetivos ou acontecimentos materiais que guardavam correlação entre si, na gênese e na situação atual.

6) Conduzir a paciente a destotalização de seu cógito pessoal, possibilitando a ocorrência de atmosferas sociológicas, cujo arranjo racional imanente a fizessem experimentar-se – como horizonte num campo de possibilidades com mediações viabilizadoras para o seu projeto originário e seu desejo de ser.

6 – Intervenção Psicoterapêutica: Depois de situada em seu clima antropológico, cuidou-se de colocar a paciente em contato ou confronto com as correlações materiais e virtuais/ou noemáticas entre as atmosferas em que ela padecia seus episódios e as outras da gênese da sua personalidade. Trabalhou-se então a constituição do saber de ser, das atmosferas e dos episódios esclarecendo e localizando a paciente nos mesmos, como sujeito do seu ser. Com o Modelo de sistema solar, situamos a paciente de que estava acontecendo com ela o movimento de ganhar órbita própria, transcendendo a circularidade em que permaneceu durante certo tempo, fazendo-a balançar nessa transcendência. Localizamos como a passagem do movimento uniforme ao movimento elíptico, quer dizer, a transcendência do passado, no caso dela de ser filha, neta, para um movimento para um futuro, onde transcenderá em direção a ser mãe, esposa, ocorria com todas as pessoas. Porém quando a pessoa não esta devidamente localizada de sua situação, o saber de ser instalado fica sendo função desse passado, e as situações presentes, mesmo materiais, não são levadas para o ninho, e o saber de ser não se transforma. De sorte que a pessoa cresce, enriquece e continua sendo a menina ou a pobre. Dai a incompatibilidade entre o saber de ser da pessoa e a sua situação concreta. Quando por exemplo, ela tratava com o cliente, armava-se a atmosfera virtual, por causa de todas as injunções, em que ela se experimentava ali na condição da filha do pai que teve a falência, do avô que se deu o tiro, e da menina e mulher que sofreu com tudo isso. Daí que vinha a grande parte do seu estremecer psicofísico, ou da sua afetação emocional. A paciente estava sofrendo por um lado as forças do saber de ser passado, e a localização inicial quanto ao funcionamento da personalidade, constituição do saber de ser e atuação do imaginário hipnagógico por correlações noemáticas, permitiria que ela se localizasse de como podia entrar em forte emoção sem que a realidade exigisse, muitas vezes.

Outro procedimento realizado, foi a verificação com a paciente da real situação da empresa aos nossos dias, que não era a mesma realidade do pai, ou do avô, ou pelo menos não teria necessidade de cometer os mesmos erros que eles. Para tanto na medida que a empresa crescia, ela precisava contar com assessoria contábil e econômica que a prevenisse das possibilidades legais e fiscais de sua empresa. Foi orientada a buscar profissionais que os orientassem para um crescimento planejado, sem euforias e sem riscos. A psicoterapia não poderia trabalhar para tranquilizá-la relativamente ao medo da falência se houvesse qualquer elemento de risco real. Quanto ao uso de medicação, situamos a paciente da necessidade de controle de seus acessos por meio de bengala química, como um apoio imediato no controle de seus sintomas, para que ela adquirisse condição mínima de organizar a empresa, e seu cotidiano, saindo das atitudes atabalhoadas que vinha tomando por excesso de ansiedade. Posteriormente elegemos o episódio psicofísico em que a paciente entrou em um acesso de pânico diante da carta recebida do ministério do trabalho, verificando detalhadamente com ela a sucessão de ocorrências, e localizando-a de como foi possível sua afetação emocional a partir do elemento da realidade presente: a carta.

Utilizamos o Modelo do Moi em Ato, trabalhando como um acontecimento futuro ativou um passado de falência, e essa função foi estourar sobre ela que ficou em pânico. Fomos objetivando como sua reação emocional era função de um saber de ser do passado, e não dos elementos de realidade, visto que a carta não trazia ameaça efetiva, que sendo o caso provocaria uma emoção reativa. Com o Modelo das formigas carregadeiras, da formação do saber de ser, situamos a paciente de como o dinamismo de uma personalidade devia-se a um saber de ser constituído a partir das folhinhas que a pessoa levava para o ninho, ou seja, da apropriação de algo que acabou de acontecer ou que a pessoa acabou de fazer. E que ao fazer a elaboração reflexiva para se apropriar do imediatamente ocorrido esse pensar passava por um futuro, e aparecia como sendo o espaço de ser para onde a pessoa avançou tendo em vista o que acabou de acontecer ou fazer. Em conseqüência disso, esse saber de ser passava a impor a pessoa um arranjo racional que levava a situações emocionais ou psicofísicas, que quanto mais se repetiam mais reforçavam aquele saber de ser como o fungo do formigueiro, formando o núcleo de força do ser psicofísico da pessoa. As situações psicofísicas podiam ser viabilizadoras ou inviabilizadoras do ser da pessoa, as positivas ou viabilizadoras lançavam a pessoa para o desejo de ser, força que a movia para o futuro e passava a puxá-la, e as inviabilizadoras ou negativas seguravam a pessoa como que travando-a e levando-a a experimentação de impossibilitada de avançar para o futuro desejado. Neste último caso tínhamos as complicações psicológicas as quais sempre eram resultantes de situações sociológicas e possibilitadas ou determinadas por um antropológico especifico de cada pessoa em tempo demarcável. Ou seja, as possibilidades da pessoa no mundo, em viabilização ou inviabilização, vão depender dos acontecimentos, ou das folhinhas que estiveram a disposição da pessoa. Verificando as situações psicofísicas em que a paciente se abalava fomos demarcando o que era reativo, e o que era psicopatológico, para que a paciente fosse se localizando na realidade e saindo gradativamente do mágico e do medo que o mágico gerava. O episódio psicofísico em que a paciente entrou em pânico quando o marido saiu para jogar, foi explorado para localizá-la tanto do movimento concreto do marido na realidade atual, quanto da ativação do saber de ser por correlação noemática com atitudes do marido no início da relação, provocando a afetação emocional forte na qual entrou, que articulava-se ainda com a situação do pai dela indo jogar e deixando a mãe sobrecarregada.

A verificação de mais episódios e situações psicofísicas conduziram do centro do ciclone em seu núcleo que era o medo da falência, para o sociológico ao fundo do social que era a ameaça à família, tornando evidente um projeto e desejo de ser em e com a família, que tinha certa viabilização, mas que a paciente experimentava ameaçado. Na relação com o marido não obstante todos os indicativos objetivos do companheirismo dele em decisões lúcidas e seguras quanto a empresa, a paciente não conseguia evitar a entrada no saber de ser na ameaça do abandono, recorrendo a acontecimentos do início da relação para justificar-se. Para fazê-la avançar na inserção nas suas possibilidades atuais, objetivamos a situação do marido quando ela engravidou, e o movimento dele no atual. Localizando-a das turbulências pelas quais ele também passou naquela passagem de órbita de satélite em volta da família de origem, a órbita elíptica com ela e a filha. Da mesma forma foi localizada quanto as turbulências pelas quais a sogra passou ao ter que deixar o filho nascer para o mundo. Essas localizações se faziam importantes para que a paciente deixasse de ater-se a fatos isolados, e prestasse atenção ao conjunto do fenômeno, ganhando mais segurança de ser na relação com o marido, que era segurança de ser na relação com a família, coisa que ela nunca teve nem quando menina por todos os alvoroços entre os pais, e nem quando adulta quando inclusive na gravidez lhe faltou apoio e aconchego. Para desmontar essas funções virtuais, fez-se necessário, e ainda esta em curso esta intervenção na detecção da implicação noemática e no levantamento dos componentes da situação do passado e da situação de hoje, com o objetivo de estabelecer distância nula entre ela e o passado, promovendo segurança de ser nas suas possibilidades atuais.

Com os parentes do marido, a paciente se referia ao medo de que o marido sendo exigido pela família de origem fosse sempre preterir a ela e as filhas, saber de ser no qual ela entrava, pelos problemas ocorridos no início do relacionamento dos dois. Fizemos a verificação científica do movimento dos parentes dele, bem como do movimento do marido relativamente à sua família de origem, aonde ficava evidente que ele transcendeu seu sociológico de gênese constituindo um sociológico com ela e com as filhas. Este ponto da intervenção tinha por objetivo proporcionar à paciente segurança de ser em suas possibilidades atuais. Outro episódio que foi trabalhado referiu-se a situação emocional intensa no medo da necessidade/escassez, na qual a paciente entrou por ocorrerem problemas financeiros na empresa, e por certas posições do marido na administração da empresa e controle das contas. A paciente já estava numa atmosfera de medo da falência com os problemas de caixa, mesmo não podendo ignorar que a temporada se aproximava com a possibilidade de saudarem as dividas, e que mesmo que não fossem saudadas não colocavam em risco o patrimônio que possuíam. Mas o auge da situação emocional ocorreu quando o marido solicitou que segurasse os gastos com compras. Neste episódio a paciente entrou num acesso emocional com perder o controle da empresa para o marido, o que a faria depender dele, não estando protegida caso ele a abandonasse. Foi sendo localizada de que o marido estava ao lado dela, compartilhando um problema em comum, em expressão conhecida: “fazendo caixas com ela”, mas ela não estava conseguindo compartilhar com ele por medo de ao compartilhar ficar sem nada, porque a sogra poderia levá-lo, ele poderia se encher dela e abandoná-la. O marido estava movendo-se sociologicamente para a família com ela, mas a paciente não conseguia mover-se nos mesmos termos, tinha que ter um futuro preservado a parte, uma ilha aparente de segurança, que não dava segurança nenhuma porque era a proteção quanto a poder ser abandonada.

Novamente ai a preponderância da função virtual sobre as possibilidades atuais da paciente, que sendo re-localizada se permitiria compartilhar a vida com ele, tecer o futuro, e casar sociologicamente com o marido, coisa que não conseguiu efetivar até então por função desse cógito absolutizado no saber de ser na ameaça de desestruturação familiar levando a necessidade/escassez. No final de 2005 inventariamos e trabalhamos outro episodio ocorrido. Num dia de janeiro a paciente estava conferindo o extrato bancário e notou que um cliente depositou um valor abaixo do acerto, descontando um produto que a empresa havia danificado. Na hora ficou ansiosa, com taquicardia, tremedeira, irritada, e ligou incessantemente para o cliente. Sem encontra-lo foi ficando cada vez mais irritada.

Quando falou com um funcionário que passaria o recado conseguiu acalmar-se um pouco. Foi para casa almoçar e contou ao marido o ocorrido, e voltaram os sintomas de irritação, ansiedade, e taquicardia, ao citar tudo que poderiam ajeitar com aquele dinheiro. Começou a chorar compulsivamente, o marido tentava acalmá-la, dizendo entender sua chateação, mas que não deveriam se indispor com o cliente. Se acalmou e almoçou e após o almoço, tomou uma dose extra da sua medicação. Ficou prostrada, com sonolência, mas 1 hora depois obrigou-se a ir para o trabalho para resolver esse contato com o cliente. Não encontrou o cliente e voltou para casa mais cedo, desanimada, prostrada, com o corpo pesado e foi deitar. Um pouco mais tarde levantou-se para fazer lanche para as filhas, e quando o marido chegou contou-lhe das novas tentativas de contato com o cliente, e voltou a chorar compulsivamente, com dificuldade para respirar e tremedeira. O marido buscava tranqüilizá-la e convidou-a para ir deitar, ela foi, ainda chorando por algum tempo na experimentação de que estava perdendo milhões. Na hora que deitou, o estomago embrulhou, teve ânsia de vomito e vomitou. Tomou sua medicação da noite, e conseguiu se acalmar e dormir. No outro dia permaneceu prostrada, e só melhorou quando verificou que o valor cobrado de alguma forma procedia. Neste momento, começou a afetar-se com ter tido o acesso emocional desproporcional a situação, temendo que o marido a considerasse excessiva e perdesse a paciência.

Neste episódio novamente estavam atuando forças virtuais, colocando-a em emoção forte, cuja antecipação era a de falir como o seu pai, e de ficar com a família desestruturada como a sua família de origem, em incompatibilidade com a situação atual. Tal incompatibilidade já vinha sendo trabalhada, porém a paciente não conseguia ficar segura. Alguns acontecimentos antropológicos no contexto atual da paciente, estavam armando a atmosfera em que ela entrava na certeza da desestruturação familiar, o que possibilitava a entrada em episódios como o ocorrido. Acontecimentos tais como: a tentativa de suicídio de uma amiga naquele mês, por problema no relacionamento amoroso; a irmã da paciente que vinha num processo de separação e estava entrando em acessos emocionais, nos quais acusava o marido de traições, e de deixa-la em necessidade com o filho. A mãe da paciente estava envolvida com a separação da filha e em acessos emocionais e criticas ao genro; além de continuar queixando-se do próprio marido, e de dificuldades financeiras. A outra irmã da paciente estava se reconciliando com o marido após uma separação por motivos financeiros, sendo a família contra. Ambas as irmãs e a mãe queixando-se de sobrecarga pelos maridos. Enfim, todos esses acontecimentos foram se somando, armando a atmosfera em que a paciente vinha se debatendo. Por função também de ativadores atualizados. Esses acontecimentos antropológicos se constituíram em ativadores situacionais que foram armando uma atmosfera e alcançando a paciente no seu saber de ser. O “gatilho” que armou essa atmosfera foi a tentativa de suicídio da amiga, que afetou a paciente com a função noemática de destruição da família, colocando-a na atmosfera que esteve em sua família de origem.

Utilizando o Modelo do Sujeito objetivado no mundo, fomos localizando a paciente de como uma ocorrência com correlação noemática com ocorrências passadas, alcança o sujeito armando a atmosfera em que ele é lançado para o saber de ser no qual entrou no passado, quando sofreu a pressão da atmosfera passada. A paciente foi sendo localizada de que estava sujeita a essas situações em função de todos os acontecimentos materiais atuais que estavam repetindo acontecimentos da formação de sua personalidade. A amiga, as irmãs, a própria mãe, em atitudes desatinadas, em desesperos tais quais os desesperos da mãe no passado é que a estavam lançando na ameaça de desestruturação familiar. São ativadores situacionais em efervescência no atual, que fazem re-estabelecer a atmosfera em que a paciente vai experimentar-se como horizonte como esteve no seio da família. Esta demarcação e localização da paciente quanto ao que é reativo e o que é psicopatológico se fazia fundamental, pois assim como acontece em todos os casos em que o contexto antropológico e/ou sociológico de origem da personalidade não foi ainda modificado, ocorre do paciente se recuperar, mais ficar sensível, como cicatriz recente para qualquer acontecimento que tenha correlação noemática com a situação em que padeceu no passado.

E mesmo recuperada da sua situação ela vai sempre ser sensível para esses acontecimentos e não terá a mesma condição que outras pessoas tem de lidar, embora possa ganhar condição psicológica de não entrar em acessos emocionais. A diferença deve ser buscada entre a condição da paciente frente a estes acontecimentos reais e atuais quando já localizada pela terapia, e quando não estava ainda em processo terapêutico. Esses acontecimentos no contexto antropológico atual são elementos adversos ao processo terapêutico, que acrescem dificuldade retardando o processo, mas com as quais a terapia tem que haver-se. A recuperação da paciente é possível, mas dependendo dos acontecimentos no antropológico a recuperação é mais rápida ou mais lenta. Algumas sessões de localização deste episódio, bem como das forças antropológicas em atuação no contexto atual foram feitas conjuntamente com o marido, localizando-o da situação emocional da esposa, de modo que ele pudesse compreender o que estava ocorrendo com a paciente. Esclarecendo tecnicamente o trabalho que estava sendo realizado, e o caminho que estava e permanecerá sendo percorrido para desmonte das funções virtuais atuando na paciente, assim como dos ativadores situacionais que vem do antropológico atual. O marido foi chamado num momento tecnicamente conveniente, de modo a intensificar a possibilidade de sociologização entre eles, na direção da consolidação do casamento. O trabalho segue com a paciente de modo a localizá-la destas forças antropológicas, e da função que exercem na sua entrada nos episódios e acessos emocionais.

Com a verificação dos acessos que se mostraram padrão, providenciamos consulta com um médico neurologista para avaliação do uso de bengala química, levando relatório circunstanciado a respeito da situação da paciente. Comunicamos ao médico que nossa convicção cientifica seria quanto a necessidade de utilização por parte da paciente de uma bengala química, que controlasse a dominante: ansiedade, proporcionando condições mínimas para que esta saísse do desespero diário em que se encontrava.

Para tanto, estávamos submetendo nossa convicção à avaliação dele, bem como a indicação à outros especialistas que considerasse necessário. A paciente ficou medicada com: Rivotril 2 mg: ¼ cp manhã; ¼ cp tarde e ½ cp a noite, e mais ½ cp em situação de maior ansiedade, e Topamax 25 mg: 1 cp, tendo sido realizados os ajustes necessários a medicação em articulação entre a psicóloga e o médico.


7 – Resultados da Intervenção Interdisciplinar: A situação atual da paciente encontra-se do seguinte modo:

1) Na execução do primeiro ponto da intervenção psicoterapêutica, a paciente começou a constatar como as suas afetações emocionais eram incompatíveis com o sociológico futuro, em grande parte das situações de sua vida atual. A objetividade do movimento do marido, das filhas, e a própria situação da empresa não exigiam em sua materialidade a fragilidade emocional em que entrava. Começou a localizar-se de que suas afetações emocionais tinham correlação com os episódios ocorridos em sua família de origem, ficando mais leve ao encontrar estas determinantes.

2) As verificações de episódios psicofísicos da paciente na relação com suas filhas, foram tornando evidente como suas afetações emocionais frente as filhas reproduziam as afetações na relação com a mãe da paciente, onde esta entrava agora na função da mãe. Diante das localizações passou a sair do mágico com tais situações, começando a ganhar distância, mesmo que num momento posterior ao acesso emocional, da atmosfera que se armou lançando-a para a emoção. Atualmente ainda ocorriam afetações dela frente as filhas, porém em intensidade bem menor que anteriormente.

3) Com a localização do efetivo movimento do marido na situação atual, distinguindo-o do movimento dele no início do relacionamento, a paciente foi confrontando-se com a distinção entre os dois momentos antropológicos. Passando a constatar que as situações socialmente semelhantes faziam com que fosse alcançada em função sociológica idêntica, por função do saber de ser na certeza de ser na qual entrou lá no passado. E que na verdade vinha desde a gênese de sua personalidade onde foi posta no saber de ser de que todo homem inevitavelmente traia. Desta forma que a ocorrência do marido sair com amigos aqui, que se equivalia a sair com amigos lá, a deixava pressa nessa percepção empírica, de movimento aparente, sem localizar-se em termos do movimento real do marido que já não era idêntico ao movimento lá. Progressivamente a paciente veio conseguindo tomar distância destas situações, vendo o conjunto das atitudes do marido com planos para o futuro da família, e a incompatibilidade disto com o saber de ser que se impunha a ela na ameaça de perdê-lo. Assim os episódios de irritação ou desespero com o marido foram sendo reduzidos.

4) A paciente passou a compreender que sua afetação na empresa desdobrava do medo da desestruturação familiar no qual já saia de casa, chegando na empresa sem tranqüilidade, o que fazia com que qualquer coisa fora de ordem a lançasse para o desespero, em acessos emocionais que em anos anteriores a levaram a pronto socorro com medo de problema cardíaco. Constatando como conjuntos de ocorrências atuais se articulavam a conjuntos de ocorrências passadas, ativando seu saber de ser passado, a paciente começava a compreender suas crises emocionais.

5) Quanto as suspeitas da paciente quanto aos parentes do marido, as verificações do movimento destes tornou evidente que havia uma transcendência e respeito do marido para com eles e vice-versa. Ficando assim inevitável para a paciente encarar que seu pé atrás vinha do seu saber de ser e não de ameaça atual.

6) Quanto ao episódio de afetação dela com o marido estar assumindo a administração da empresa, e ter colocado limites nos gastos dela, foi localizada na atmosfera que se armou e da afetação na qual entrou de ter que ter a empresa na sua mão como um algo a parte no qual pudesse se segurar por não confiar no casamento. Começou a identificar atitudes do marido de resguardar o futuro deles, e como foi atingida por estas, como pouco caso e abandono. Confrontou-se novamente com não ter elementos objetivos quanto ao marido estar abandonando-a, mas pelo contrário, estava sociologicamente tecido e sendo companheiro, e constatando-se não conseguindo ser companheira nos mesmos termos, por não conseguir confiar no marido e na possibilidade de uma família viabilizada por função do seu saber de ser.

7) A partir da localização do último episódio que veio sendo trabalhado, a paciente conseguiu ser afetada com menos intensidade diante de um episódio na família de origem que antes a colocaria num acesso. Num domingo de março de 2006, a paciente ligou para os pais e não os encontrou em casa. Telefonou para a casa da irmã e encontrou-os lá. Conversou com o pai que contou de problemas com o neto que estava revoltado com a separação dos pais, e com a filha que estava desatinada com a separação. Contou também que a mãe da paciente estava perdendo o controle e dizendo bobagens ao neto. A paciente falou ao telefone com sua mãe tentando acalmá-la, a mãe queixava-se da filha estar matando-a de preocupação. Tentou interceder com a mãe que se calou ao discordar da paciente. Neste episódio não teve acessos emocionais, embora afetada conseguiu ganhar distância da situação vendo que estavam perdidos, criando atritos desnecessários. Também não se assustou, como ocorria antes com as queixas de dificuldades financeiras, pois agora já conseguia ver que costumavam se queixar, mas não passavam efetivamente por dificuldades. Após o telefonema, a paciente estava triste, mas não arrasada como das outras vezes.

8) Num outro episódio no dia seguinte a paciente recebeu uma documentação do contador que tinha que apresentar no período da tarde ao ministério do trabalho, após uma fiscalização que tinha ocorrido há uma semana. Ficou bastante ansiosa com os documentos a aprontar, e com o marido que solicitava que fizesse um balancete. Teve tremedeira e sudorese nas mãos, mas conseguiu concluir o trabalho no horário previsto, sem descontrolar-se. Pediu que o marido fosse no ministério, pois achou que ficaria muito ansiosa, e voltou para casa bem. Em momentos anteriores, na ocorrência de episódios do mesmo tipo, com uma situação administrativa até menos comprometedora que a atual, a paciente teria entrado em severo acesso de pânico, tal qual encontramos em descrições anteriores. A sua localização inicial frente ao contexto antropológico atual, permitiu que tais acessos não se repetissem com a mesma freqüência e intensidade.

9) Concluindo: com o apoio da bengala química, bem como com sessões psicoterapêuticas voltadas para resolver afetações emocionais em curso, a paciente vem com seus acessos emocionais consideravelmente reduzidos na freqüência e na intensidade. E este processo de superação de sua complicação psicológica avança na medida em que se vai alterando o seu saber de ser em suas possibilidades atuais, mesmo com as situações adversas em ato (quais sejam, as de suas família de origem atualmente) na medida em que a paciente vai sendo posta no seu efetivo campo de possibilidades presentes, aonde confronta-se com as mediações para a viabilização do projeto e desejo de ser fundamental, quais sejam: ser mãe, esposa, companheira, livre da ameaça da falência material, e da destruição do sociológico. Esse processo está em curso progressivo e irreversível pelas constatações científicas que vimos fazendo nas sessões psicoterapêuticas semanais.

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