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"Psicose de Transferência – Parte II"

Em continuidade à parte I do trabalho sobre a Psicose de Transferência, damos continuidade aos fatores que a justificam em sua plenitude conceitual.

Conforme enunciado no final da parte I da apresentação deste trabalho, voltamos ao tema da Psicose de Transferência, no intúito de fundamentá-la em seus outros aspectos definidores.

Simbiose de Transferência: históricamente, Mahler desenvolveu uma rigorosa e profunda investigação sobre o desenvolvimento infantil, as psicoses na infância e o processo de separação-individuação. Enquanto isso , Searles se posiciona, aceitando plenamente o conceito de Psicose de Transferência proposto por Herbert Rosenfeld (1952), ou mesmo de Transferência delirante de Margaret Little (1958).

Note-se que a Psicose de Transferência não se torna patente, uma vez que o funcionamento do ego do psicótico sofre uma severa diminuição em sua capacidade para diferenciar a fantasia da realidade, o presente do passado, características fundamentais na ocorrência do fenômeno transferencial. O que na verdade fica expresso através da transferência é uma organização egóica extremamente primitiva e que remonta aos primeiros meses de vida, onde o lactante se relaciona com objetos parciais. Esse estado de coisas corresponde ao que Melanie Klein postulou como estados esquizóides. Searles e Mahler optaram por chamar de fase simbiótica.

Searles definiu cinco fases evolutivas quanto à psicoterapia da esquizofrenia crônica, a saber:

= fase sem contato.
= fase de simbiose ambivalente.
= fase de simbiose pré-ambivalente.
= fase de resolução da simbiose.
= fase tardia de individuação.

Searles entende que a etiologia da esquizofrenia deve ser buscada numa "falha" da simbiose mãe-filho, ou mesmo anteriormente, caso essa simbiose não chegue a se formar devido a uma extremada ambivalência da mãe. A denominada fase sem contato corresponde à etapa autística de Mahler. São aquelas crianças que jamais chegaram a participar de uma relação simbiótica com a mãe. O fenômeno transferencial existe, contudo, enquanto o analista permanece identificado, de forma errônea, com um objeto do passado. Nesse momento podemos registrar a maior aplicabilidade do conceito de transferência delirante de Little. Em decorrência direta, o maior problema contra-transferencial, é o fato do analista sentir-se radicalmente ignorado. Através dessa dinâmica, em contrapartida, o analisando não sente que o analista esteja falando com ele, mas sim com outro.

Uma vez tendo início o contato entre o par analítico, inicia-se a segunda etapa do tratamento, ou seja, a fase da simbiose ambivalente. Trata-se aqui do fato em que o silêncio e a ambigüidade da comunicação foram debilitando os limites do ego de ambos, e os mecanismos de projeção e introjeção operam com grande intensidade (em ambos), proporcionando uma base de realidade à transferência simbiótica.

Começa agora a se instalar a fase de simbiose pré-ambivalente (ou simbiose total), onde o analista começa a aceitar o seu papel de mãe-boa, instalando-se a sua dependência infantil frente ao seu paciente.

Segue-se a fase da resolução da simbiose, onde estarão de volta as necessidades individuais de ambos. É somente após esse momento, que ambos entrarão na fase final do tratamento, isto é, a fase de individuação.

A Transferência nos pacientes fronteiriços:

Foi a partir do trabalho "Borderlines States", de Robert P. Knight, o qual foi apresentado em Atlantic City em 1952, que foi aparecendo uma nova entidade clínica, o paciente fronteiriço. A fronteira da qual aqui se trata, é óbviamente a que estaria entre a neurose e a psicose. Segundo Otto F. Kernberg, o paciente fronteiriço não é o depositário daqueles casos de difícil diagnóstico, mas sim portador de uma entidade clínica que possui as suas próprias características. Kernberg prefere falar de uma "organização fronteiriça da personalidade".

No importante trabalho de Knight (1953), ficava patente que o paciente "borderline" não estaria apto ao tratamento analítico, uma vez que o seu ego muito débil correria o risco de se desmoronar frente a natural regressão que o tratamento clássico promove. Knight tinha a tendência de tratar a esses pacientes, através de uma psicoterapia de apoio de "inspiração analítica", onde buscava restaurar as forças perdidas do ego.

Leon Grinberg e Hanna Segal, entendem que o paciente fronteiriço está apto para receber o tratamento psicanalítico clássico. Já Kernberg se posiciona a favor de uma psicoterapia psicanalítica modificada. Para ele, o paciente fronteiriço apresenta uma difusão da identidade, uma vez que não estão claramente delimitadas as representações do self e do objeto, além do predomínio dos mecanismos de defesa primitivos, como a dissociação e, por último, a conservação da prova de realidade que falta na psicose. Assim , essa estrutura originaria um tipo de transferência, a qual Kernberg chama de transferência primitiva, onde a relação de objeto é parcial.

Citamos Kernberg: " A transferência reflete uma multitude de relações objetais internas de aspectos dissociativos do self e aspectos altamente distorcidos, fantasísticos e dissociados das representações de objeto ". Kernberg estabeleceu em 1968, os princípios que devem reger o tratamento desse tipo de pacientes e o fez a partir da idéia de que " quando recebem tratamento psicanalítico, costuma-se observar neles uma peculiar forma de perda da prova de realidade, e inclusive idéias delirantes que se manifestam sómente na transferência; em outras palavras desenvolvem uma psicose transferencial e não uma neurose transferência ".

Queremos ressaltar finalmente, que embora Knight tenha proposto uma "psicoterapia de inspiração analítica", que entendemos que esse termo "inspiração" não deixa de ter os seus problemas. Quando se fala em "inspiração analítica" ou mesmo "analíticamente orientada", entendemos que apesar de levar-se em conta os pressupostos básicos da teorização e da técnica psicanalítica, não o fazem em seu eixo primordial, ou seja, no eixo transferencial. Minha opinião pessoal é de que, uma vez entendida a psicose de transferência como um movimento absolutamente viável, não devemos fazer nada com "inspiração", mas sim com a abordagem técnica completa, priorizando sempre a análise da transferência, nesse caso da transferência psicótica.

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