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O Lado Negro do Recrutamento e Seleção de Pessoal

A graduação de psicologia forma profissionais aptos para os mais diferentes campos de atuação, entre eles, está presente o campo das organizações, ao qual, 70% das vagas absorvem psicólogos para o subsistema de Recrutamento e Seleção de Pessoal.

O psicólogo aprende a compreender o ser humano em sua totalidade, respeitando aspectos da subjetividade, ganha um leque de ferramentas de testagem, estuda recorte de abordagens e chega através de afinidade e interesse a escolha de um referencial teórico, ao qual vai se especializando filosoficamente, metodologicamente e conceitualmente. Na graduação, próximo dos laboratórios, livros e professores, o aluno se sente seguro e apto para diversas atuações.

Mas somente quando ele sai para fora dos muros da Universidade e das asas dos seus mestres é que ele entra verdadeiramente em contato com as dificuldades da vida real. As Universidades ainda não descobriram como lhe dar com o “GAP” (Abismo) que há entre a teoria e a prática. Sabemos o quanto esforçados são nossos mestres ao nunca jamais nos darem uma resposta dita e pronta, mas estimular nosso raciocino e nos ajudar à chegar a solução de problemas e compreensão de fenômenos.

Coitado é do aluno que não desenvolveu ou experienciou tais contingências junto aos seus educadores, pois é exatamente na prática que ele vai desejar voltar no tempo. O recrutamento e seleção de pessoal com todo seu teor de avaliação psicológica é a isca perfeita para maioria dos estudante, inclusive, destes que não desenvolveram um repertório analítico, mas sim, decoraram técnicas e testes psicológicos. Nesta coluna, gostaria de ilustrar o lado obscuro do subsistema de Recrutamento e Seleção de Pessoal, pois a entrada de um aluno com altas expectativas em relação ao uso da psicologia pode ser o fator crucial para uma frustração.

A Teoria

As teorias de psicologia organizacional, técnicas de exame e aconselhamento psicológicos, estágios supervisionados em organizações, dinâmicas de grupos e gestão de pessoas nos diz em termos de Recrutamento e seleção, que devemos respeitar a subjetividade, empregar a ética nas metodologias e ferramentas de testagem, fornecer feedback à sujeitos submetidos à análise, que devemos mensurar testes que nos forneçam subsídios adequados à confecção de laudos e pareceres, que planejemos os ambientes de avaliação, que sejamos críticos, e assim por diante.

O Cenário

O Brasil é um país subdesenvolvido cuja população é em grande maioria economicamente classificada como média e pobre, sua etnia abrange negros, japoneses, índios, brancos, entre outras particularidades, há uma heterogeneidade considerável entre gêneros, religiões, opiniões políticas, formação acadêmica, e afins. Culturalmente, somos classificados como o povo que tem preguiça de ler, que tem motivos de sobra para festas e de menos para trabalho pesado. Nossa educação é uma das mais falhas do mundo, onde pessoas são condicionadas à passarem de ano em contigüidade, ou seja, independente do seu desempenho acadêmico, o aluno é aprovado para uma série mais avançada, enfim, trata-se de uma país onde a mão-de-obra entendida como desqualificada ingressa em um círculo vicioso: Não consegue se qualificar porque não tem dinheiro e não tem dinheiro porque não consegue se qualificar.

É um país onde o capitalismo dita as regras da qualidade de vida, onde a má alimentação causa obesidade, onde o poder aquisitivo compra até mesmo as instituições de ensino pública e contribui para que a classe pobre não avance jamais o chão de fábrica, trabalhos informais e trabalhos rurais, onde a beleza virou um produto e por sinal, um dos mais caros à ser adquirido e mantido. Empresas para sobreviverem neste cenário contratam psicólogos para seleção dos melhores funcionários, para os cargos adequados com o objetivo de alavancar a produtividade. É aqui que os perfis profissiográficos são minuciosamente elaborados para que o então, “Selecionador de Pessoal” vá à campo atrás das pessoas e suas competências comportamentais.

A Prática

Sem sobra de dúvidas que há empresas que acreditam e levam a sério o trabalho do psicólogo em recrutamento e seleção de Pessoal, por isso eu ainda estou neste campo e tenho orgulho de divulgá-lo. Mas a coluna deste mês se refere aquela parcela de empresas que nos admitem para uma atividade mecânica ironicamente traduzida de “Cara – Crachá”. São as empresas que lançam o estudante de psicologia em “estágios” de seleção de pessoal, mas na verdade ele atua como um aplicador de testes, muitas vezes sem saber por que está utilizando aquela ferramenta, ou ainda, quando ele tem discernimento para usá-la, não tem autonomia para escolha de pessoas que realmente tenham tido destaque em termos de competências, pois o que dita às regras de admissão são os “rostos bonitos”. Há empresas que preterem candidatos pela sua aparência física (Obesidade, Cor, Beleza, etc) e não pelo real conteúdo que deveria ser avaliado em processo seletivo.

Este “Lado negro” do R&S está mais perto do que imaginamos. Faço questão de dizer que não precisamos de 5 longos anos de psicologia para selecionar belos modelos, magros sem restrição no SPC. Faço questão inclusive de chamar a atenção destes empregadores que estamos no Brasil! Como podemos ser tão rigorosos com a beleza, educação, restrições em SPC, obesidade, raça e afins, se a população nacional é composta em sua grande maioria pelos candidatos preteridos? São estas pessoas que sustentam a minoria da pirâmide do capitalismo, são estas pessoas os clientes das grandes indústrias, e mesmo assim, quando um pobre negro ou obeso tem grande destaque comportamental (Liderança, Dinamismo, Flexibilidade, etc), ele não pode ser selecionado porque não atende padrões X de beleza ou detém um cheque devolvido no mercado da esquina, pois perdeu o seu emprego.

Conclusão

Somente quando pararmos de tratar pessoas como produtos defeituosos em recrutamento e seleção de pessoal é que chegaremos ao verdadeiro propósito deste subsistema: Selecionar as pessoas certas para o cargo certo. No dia em que uma Linda Loira de olhos verdes, esbelta, com inglês fluente, graduada na USP em administração, com o nome limpo no SPC aceitar ganhar R$500,00 para ser recepcionista será o dia em que o capitalismo venceu o mercado de mão-de-obra, selecionaremos pessoas por quanto elas ganham, provavelmente será o dia em que eu já terei deixado o barco para um campo mais digno da atuação do psicólogo. Enquanto houver empresas que acreditem no trabalho digno do psicólogo, que não dos obriguem à confeccionar laudos e pareceres em 5 minutos, empresas que nos dêem espaço para debater à respeito das práticas de RH, aqui estarei eu, ao lado dos meus colegas de RH firme e forte para dizer as coisas boas e nem tão boas de trabalhar neste subsistema.

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