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Resenha do livro A beleza impossível de Rachel Moreno

Ligo a Tv e vejo uma parte de um corpo feminino de costas, dos ombros às coxas,  as nádegas praticamente descobertas, a não ser pela presença de uma minúscula calcinha fio dental. Um homem risca este corpo com uma caneta preta, e então compreendo: trata-se de um desses programas, exibido aos montes hoje em dia, sobre as maravilhas da cirurgia plástica.
A cena  impressiona, e imediatamente me remete à capa do livro “A beleza Impossível”, de Rachel Moreno. Nela, vemos o perfil de uma mulher fatiada em partes, como aquelas figuras de boi quando querem que saibamos a que parte  correspondem os pedaços à venda no açougue.

É o corpo feminino  “vendido” aos pedaços, como afirma Rachel, reduzido a uma pele sem rugas, um bumbum bem torneado, seios fartos e firmes.
E´ um fenômeno da modernidade a quantidade de procedimentos estéticos, de cremes a cirurgias , a que as mulheres se submetem querendo ficar belas.Em contra-partida, a auto-estima nunca  esteve tão em baixa, e a brasileira é uma das campeãs nesse quesito.

A beleza impossível
 
É sobre a busca da “beleza impossível”, sua origem e suas conseqüências de que trata o livro de Rachel Moreno, psicóloga e especialista em mídia. Frente a um ideal inatingível, mesmo com todo o arsenal de cremes e cirurgias à disposição, os efeitos colaterais observados são ansiedade, sentimentos de inadequação, baixa auto-estima, chegando até aos transtornos alimentares como anorexia e bulimia.

Rachel questiona o que é considerado a “naturalidade” da vaidade feminina, mostrando que a nossa maneira de ser integra nossos desejos de ter uma identidade própria, por um lado, e pertencer à sociedade que nos encontramos, por outro. Para sermos aceitos, seguimos códigos e valores que se modificam ao longo do tempo. O conceito do que é belo, por exemplo, já sofreu muitas alterações. As gordas, por exemplo, que já foram modelos de beleza na Renascença, hoje são vistas como pessoas  relaxadas.

No século XX, com a industrialização e a produção em massa, aparece a necessidade de  pasteurizar modelos, produtos e estilos de vida para ser  consumidos, e a mídia tem um papel fundamental nesse processo. O modelo de beleza é hoje o europeu, magro, alto, branco e loiro.
 
No entanto, a mulher brasileira é  resultante de uma mescla de raças e etnias, cuja beleza vem justamente dessa diversidade, com características absolutamente diferentes desse modelo, onde também não cabem as negras, as obesas e as mais velhas. A ditadura do peso se impõe de forma cada vez mais draconiana, e, como afirma Rachel,  “afeta mesmo  mulheres mais esclarecidas e militantes da igualdade  feminina”. Uma parte significativa do orçamento das mulheres é gasta num arsenal de produtos que, na verdade, produz muito pouco resultado no sentido de aumentar a auto-estima e  deter o envelhecimento, só aliviando um pouco o sentimento de culpa de não fazer todo o possível para se manter bela e jovem.

Os modelos de valor, de beleza, de felicidade, são absorvidos desde a mais tenra infância, confundidos com algo que seria natural.O impacto desses modelos é principalmente intenso na adolescência.

Rachel relata uma pesquisa da Dove/Unilever , que  mostra, por exemplo, que 97% das jovens de 15 a 17 anos acredita que mudar algum aspecto de si faria com que se sentisse melhor.

Essas conclusões corroboram as que cheguei numa pesquisa com garotas de doze anos,  que revela que a maioria não está satisfeita e sofre com sua aparência. São freqüentes os relatos de jovens que não se acham bonitas por se considerarem um pouco acima do peso, ou que acham que, para estar bela, é preciso consumir os produtos oferecidos pelos meios de comunicação. São reveladores de uma fragmentação do corpo, e da dificuldade de enxergar-se de uma maneira mais inteira e real. Ao se defrontarem com modelos geralmente fora dos padrões de normalidade e sem um apoio social consistente, as jovens, que já lidam com as dificuldades intrínsecas de possuir um corpo em transformação, tendem a ter um auto-conceito  rebaixado.

E qual seria a saída? A própria pesquisa Dove/Unilever descrita por Rachel aponta alguns , por exemplo na afirmação da maioria das entrevistadas de que uma mudança na maneira de retratar ideais de beleza, quando elas estavam crescendo, teria sido bem aceita. Prefeririam ter visto mulheres mais parecidas com elas quando eram adolescentes. Gostariam também que sua mãe tivesse conversado mais sobre beleza , ajudando-as a criar uma imagem corporal mais realista e saudável. Para isso, crêem que o discurso sobre imagem corporal deve ser ativo e começar cedo. Acreditam também ser fundamental que as mulheres apóiem a  beleza das outras mulheres. Rachel enfatiza o importante papel das mães em reafirmar a adequação social e a aparência das filhas, já que enxergam sua verdadeira beleza. O problema é conseguirem, sendo elas mesmo “colonizadas”, transmitir uma segurança maior do que sentem.

Termina colocando a importância das mulheres se unirem contra esse ideal imposto de beleza, se abrindo para o repertório imenso de possibilidades de garantir o interesse alheio, que passam pela valorização do caráter e da personalidade. “As gerações futuras, e talvez parte desta, se beneficiarão enormemente de um discurso construtivo e diverso com relação aos valores e à beleza”, conclui.

Ao ler a última pesquisa Datafolha publicada na Folha de São Paulo de 27/07/2008, feita com 1541 jovens de 168 cidades do Brasil, que revela que as jovens estão ainda mais insatisfeitas com a aparência que há 10 anos atrás e que 42% delas gostaria de fazer uma cirurgia plástica , é impossível não concordar com ela.

Viviane Namur Campagna é psicóloga, Mestre em Psicologia do Desenvolvimento Humano pelo Instituto de Psicologia da USP , autora de “A identidade feminina no início da adolescência, (2005, Casa do Psicólogo/Fapesp)”. Email:[email protected]

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