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A pesquisa em psicoterapia: em busca de medidas que revelem os efeitos da psicoterapia.

A prática da psicoterapia1 encontra-se em um momento especialmente complexo. Por um lado, há um movimento mundial em busca das Psicoterapias Baseadas em Evidências (PBE), que propõe um rol de práticas empiricamente sustentadas, que por esta razão mereceriam o aval e o financiamento de governos e planos de saúde2. Por outro, há uma resistência de muitas abordagens (entre elas, a análise do comportamento) a aderir a protocolos rígidos de intervenção (pacotes de técnicas), especialmente por considerar a idiossincrasia envolvida nos casos clínicos.

Ambas as correntes parecem ter razões bastante consistentes: de fato, a psicoterapia precisa de uma sustentação empírica para suas práticas, de modo a solidificar sua proposta tanto em termos científicos, quanto em termos de validação social.

Mas é também verdade que as propostas de intervenção padronizadas, investigadas por meio de métodos estatísticos, podem obscurecer processos complexos envolvidos nas queixas clínicas, que, em parte, só poderiam ser alcançados por meio da análise individualizada. Como analista do comportamento, tendo a defender e reconhecer a particularidade envolvida na queixa de cada pessoa atendida e a individualização da terapia que decorre dessa concepção. Temos também uma séria preocupação com os modelos de “pacotes de tratamento”, que propõem estratégias padronizadas, com número definido de sessões, aplicados geralmente em função do diagnóstico psiquiátrico (acredito que o que há em comum entre pacientes que compartilham o mesmo diagnóstico psiquiátrico não é suficiente para se delinear estratégias de tratamento unificadas).

A análise do comportamento, talvez mais que qualquer outra proposta teórica, tem um corpo consistente de conhecimento, baseado em um histórico riquíssimo de pesquisa empírica, o que nos dá muita segurança para falar de conceitos, de processos básicos e de muitos fundamentos que dão sustentação à nossa prática. Entretanto, no que tange à prática clínica, as contingências atuais não mais nos permitem justificar nossas escolhas apenas a partir de nosso discurso teórico. Se pretendermos nos opor aos pacotes “baseados em evidências”, temos que oferecer uma psicoterapia individualizada “baseada em evidências”. É verdade que a noção de individualização do tratamento não nos permite produzir manuais, que especifiquem ponto-a-ponto o que deveria ser feito pelos terapeutas, como proporcionado por um protocolo de intervenção. Mas há a possibilidade de se estudar processos e, dentro desses processos, os efeitos proporcionados por diferentes ações do terapeuta.

A linha de pesquisa denominada pesquisa de processo tem essa meta: caracterizar e avaliar os processos de mudança que ocorrem na interação (verbal e não-verbal) entre terapeuta e cliente na sessão terapêutica (Greenberg & Pinsof, 1986; Russel & Trull, 1986). Já temos à nossa disposição muito conhecimento produzido sobre o assunto, e esse conhecimento parece bastante promissor, mas ainda temos muito “chão” para trilhar.

Há ainda uma lacuna que, aos poucos, vem sendo preenchida, que é a associação dos dados de processo aos resultados alcançados na terapia. A validação social da prática psicoterapêutica tal qual acreditamos, bem como o seu reconhecimento pela comunidade científica, depende de mostrarmos que é possível, mesmo sem um protocolo rígido de intervenção, desenvolver um serviço que produz mudança. Nesse sentido, o estudo de processo meramente como uma atividade descritiva, sem associação com resultados, é estéril. E estou longe de defender que o trabalho de investigação desenvolvido até então, de pesquisas descritivas sobre as etapas e processos da psicoterapia foi em vão: antes de se analisar os efeitos e resultados do processo, é preciso investigar como ele funciona, o que vem sendo feito com sucesso. E os pesquisadores brasileiros tem sido muito criativos nesse sentido – vide os trabalhos desenvolvidos na USP, em Belém do Pará, na PUC e em muitos outros centros de pesquisa clínica em análise do comportamento.

O estudo de resultados do processo terapêutico não é uma tarefa com poucos desafios. A começar pela definição do que entendemos por resultado: a grande maioria dos analistas do comportamento têm como certo que o resultado da psicoterapia não pode ser reduzido à amenização de sintomas de um dado transtorno psiquiátrico (o que, em parte, se opõe ao movimento das PBE). Mas não nos furtamos da questão com essa negativa: seria então resultado uma medida de qualidade vida? Ou de satisfação do cliente? Ou ainda uma combinação de todos esses fatores? Supondo que pudéssemos responder de forma satisfatória a essa primeira questão, qual seria o melhor momento para avaliar esse resultado?

O resultado final do processo terapêutico é remoto no tempo e determinado por um conjunto complexo de variáveis (Rice & Kerr, 1986) e, se tomamos como evidência de resultado uma medida de qualquer um destes fatores ao início e ao final de um processo terapêutico, corremos o risco de uma supersimplificação dos aspectos complexos que o envolvem. Alguns autores, tais como Greenberg e Pinsof (1986), defendem que o resultado é constituído por uma série de pequenos resultados e que, portanto, o seu estudo deveria estabelecer momentos intermediários de avaliação, ao invés de uma medida única ao final do processo. Resta ainda outra questão importante: quem tem melhor condição de avaliar o resultado? É o cliente, como consumidor, e como alguém que, afinal, “sente na pele” a mudança?

Nesse caso, teríamos que nos confrontar com o problema do relato verbal e de todas as questões relativas à sua fidedignidade, problema este que vem sendo discutido arduamente pelos analistas do comportamento3. Se não é o cliente, seria o terapeuta quem está em melhor condição de fazê-lo? Este, como maior interessado em mostrar que seu trabalho “dá certo”, não teria um viés ainda maior que o cliente ao avaliar o resultado? Resta então um observador externo que, sob condições especiais de treino, poderia avaliar os procedimentos do terapeuta e mudanças do cliente. E como defender que tal observador, tão pouco envolvido com o que de fato ocorre na sessão, pode responsabilizar-se por tal tarefa?

Talvez a solução seja a combinação de medidas advindas destas três fontes, conforme defendiam Waskow e Parloff, já em 1975. Tais questões estão ainda muito longe de serem respondidas. Há ainda uma enorme área de pesquisas a ser explorada, que depende de um esforço maciço de pesquisadores, clínicos e teóricos, em busca de se chegar a respostas consistentes e, minimamente satisfatórias. Na tentativa de contribuir nessa direção, defendi em fevereiro de 2008 minha tese de doutorado, sob orientação da Dra. Sonia Beatriz Meyer, na qual desenvolvemos um sistema de categorias para a caracterização da interação terapêutica. Ainda, em dois trabalhos que estou orientando na universidade São Judas Tadeu4, buscamos mapear o que já existe de dados a respeito de cada uma destas questões, tanto no que se refere à medida de resultado, quanto à de aliança terapêutica, esta última considerada um dos fatores importantes para o desenvolvimento de uma boa terapia e uma possível evidência intermediária de resultado.

As pesquisas conduzidas em ambos os trabalhos têm mostrado uma enorme quantidade de estudos desenvolvidos em todos os cantos do mundo, revelando uma área fascinante de estudo, com muitas contribuições já disponíveis para o desenvolvimento da pesquisa e da prática terapêutica.

Denis Roberto Zamignani5.

1. O termo psicoterapia é usado aqui para diferenciar essa prática de outros tipos de terapia, tais como a terapia medicamentosa, a fisioterapia, etc.

2. A esse respeito, vale a pena conhecer o trabalho de doutorado da pesquisadora Simone Neno.

3. O texto escrito por De Rose (1993) oferece uma rica discussão a respeito do assunto.

4. Um dos trabalhos, a respeito da medida de resultados, é conduzido pelas alunas Taiana Grassi Lessa e Aline Gonçalves de Andrade e outro, sobre instrumentos para a medida de aliança terapêutica, é conduzido pelos alunos Leandro André Santana Silvestre e Angélica Simone Escabora.

5. Denis Roberto Zamignani é doutor em psicologia clínica pela Universidade de São Paulo e Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela PUCSP. É Psicólogo Clínico e professor e supervisor do curso de Especialização em Clínica Analítico-Comportamental do Núcleo Paradigma.

Referências

De Rose, J. C. C. (1997). O relato verbal segundo a perspectiva da análise do comportamento: Contribuições conceituais e experimentais. In: R. Banaco (Org.), Sobre comportamento e cognição (Vol. 1, pp. 148-163).

Santo André: ESETec. Greenberg, L. S. & Pinsof, W. M. (1986). The psychotherapeutic process: A research book. New York: The Guilford Press.

Neno, S. (2005) Tratamento Padronizado: Condicionantes históricos, status contemporâneo e (in)compatibilidade com a terapia analítico comportamental. Tese de Doutorado, Universidade Federal do Pará; Belém – PA. Rice, L. N. & Kerr, G. P. (1986).

Measures of client and therapist vocal quality. In: L. S. Greenbert e W. M. Pinsof (Eds.), The psychotherapeutic process: A research handbook. New York: Guilford Press. Russel, R. L. & Trull, T. (1986).

Sequential analyses of language variables in psychotherapy process research. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 54 (1), 16-21. Waskow, I. E., & Parloff, M. B. (1975). Psychotherapy change measures. Washington, DC: U. S. Department of Health, Education and Welfare.

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