Não há nada lá dentro que ele possa sentir como seu. Tudo pertence à empresa, inclusive ele. Como já ficou comprovado, o mundo nestas instituições é o da solidão, do abandono, da impessoalidade. É a morte do tempo, e após vários anos tendo como única visão do mundo os muros altos, e como único caminho a seguir aquele determinado objetivando unicamente o bom funcionamento destas empresas, acaba por acontecer também a morte do indivíduo, da pessoa como um ser humano. Basaglia, psiquiatra italiano pioneiro da desinstitucionalização psiquiátrica na Itália, compara os hospitais psiquiátricos a campos de concentração nazista: o “habitat” manicomial é isolado do exterior, fechado com total ausência de privacidade pessoal.. Ao longo da história destas instituições, os instrumentos que se sobressaem, são os de controle. O choque elétrico (que graças a constante fiscalização de auditores do Ministério da Saúde, e apesar da grande resistência inicial de muitos hospitais, foram reduzidos) e a camisa de força. Com a difusão dos psicofarmacos, a camisa de força passou a ser química. Muitas vezes causam impregnação nos internos, ou seja, um travamento da musculatura, o que acarreta movimentos rígidos, robotizados.
A exclusão isola o diferente do restante do corpo social. Neste caso, o excluído é considerado estranho, louco. Ele incomoda e desperta inquietações e diante disso, é punido com o exílio, a morte ou a prisão num hospital psiquiátrico. O “enclausuramento do louco” produz o chamado paciente crônico (aqueles internos que um dia entraram para serem tratados, mas nunca mais saíram. Alguns estão asilados há décadas) e a destruição gradativa dos vestígios de humanidade. O louco é o herege dos tempos atuais, e a sua punição é o confinamento em hospitais psiquiátricos. Na maioria das vezes, uma vez diagnosticado, mesmo após uma situação de vida isolada, o rótulo se torna permanente, e a maneira de lidar com ele passa a ser desconfiada, temerosa e cuidadosa. Caso seja internado em um hospital psiquiátrico, aí então é que se configura realmente o preconceito e a discriminação, principalmente porque como já foi comprovado através da história, em muitas destas instituições, o objetivo maior não é promover a saúde mental, mas sim desencadear e alimentar o adoecimento mental. Infelizmente, mesmo tratando-se de uma “doença”, nunca se percebeu na maioria destes hospitais psiquiátricos, um tratamento direcionado para promover a cura, muito ao contrário, a conduta adotada até então pela maioria destas “clínicas”, foi a de armazenamento e manutenção mínima possível para que continuassem vivos e, portanto gerando lucros, através do pagamento das suas AIHs(autorizações de internações hospitalares).
A partir do momento que se posicionaram principalmente como empresa e direcionaram as internações no sentido de asilar e institucionalizar, perderam assim a conotação médica e adotaram uma filosofia carcerária, que resultou na cronificação de um grande número de seres humanos, diminuindo drasticamente as suas possibilidades de exercerem seus direitos de cidadãos, e os tornou alvos de estigmatização e preconceito, dificultando assim, a sua aceitação social, colocando-os numa posição de “doidos”, ou seja, sem direito de voz ou de vontades. A lei da reforma psiquiátrica que tem como objetivo principal justamente a humanização do tratamento direcionado ao portador de sofrimento mental, teve que se transformar numa luta devido a resistência de muitos daqueles que na verdade deveriam ser seus mais atuantes defensores: os proprietários destas instituições,aqueles que até então se colocaram como habilitados( e receberam verbas da saúde pública) para cuidarem destes pacientes.
O direito do portador de ser respeitado e tratado dignamente tem sido rebatido por muitos donos de hospitais. Nesta tentativa de derrubar esta lei que defende o ser humano, muitos destes empresários têm usado artimanhas que só comprovam a total ignorância e o total desrespeito que têm por estes seres humanos que internam em suas instituições. Muitos, numa tentativa de causar pânico na população, ameaçaram abrir as portas e despejarem das suas empresas pacientes que insistiram em manter aprisionados por anos e até mesmo por décadas. Outros ameaçam os familiares (aqueles mesmos familiares que durante o período de internação foram mantidos afastados e ignorantes a respeito do tratamento utilizado), sobre a possibilidade de reativarem aquele (dentre tantos outros) triste episódio na história da doença mental, quando, por exemplo, os “loucos” do interior de Minas, eram levados para Barbacena, e desapareciam para sempre nos porões da loucura. Cresce a preocupação de se prestar um atendimento ético. Felizmente, o direito a um tratamento digno para estes seres humanos está sendo aos poucos reconhecido Já é um começo!