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Demência Vascular: Uma interface entre a neuropsicologia e a terapia cognitivo-comportamental

Alexandre Magno Frota Monteiro¹,
Luís Flávio Chaves Anunciação²

Introdução
 
A demência vascular (DV) é conseqüência de um acidente vascular encefálico (AVE) que promove alterações cognitivas como hipofuncionalidade de raciocínio, memória, percepção entre outras. [1] Essa patologia apresenta início súbito e evolui, freqüentemente, com grande flutuação sintomatológica e de curso[2], o que gera uma dificuldade de diagnóstico definitivo, já que os diferenciais, tanto para o critério de síndrome demencial como para outros tipos de conseqüências de AVEs, são inúmeros. Muitas vezes, é apenas quando há comprometimento suficiente para interferir nas atividades diárias do paciente e existem evidências laboratoriais é que o profissional de saúde vai chegar ao diagnóstico correto. Pela DV ser do tipo córtico-subcortical[3], sua sintomatologia é geralmente percebida pelo paciente, o que pode gerar casos de depressão secundária por parte do enfermo.

A psicoterapia cognitivo-comportamental tem de lógica focal, visa ter um tempo limitado[4], é sistematizada de forma a possuir uma linguagem única para facilitar a interação dos profissionais de saúde e além de ser uma indicação consistente para tratamento de transtornos mentais, foi utilizada nesse caso. É necessário frisar que pacientes dementados apresentam dificuldades para se submeter a psicoterapias de maior duração, bem como essas psicoterapias possuem diversas técnicas que, em razão da patologia, podem não ser funcionais.
 
 
Estudo de caso

A paciente do presente estudo é uma senhora de 64 anos, com história patológica pregressa (HPP) de 7 AVEs, internada em uma clínica geriátrica particular da zona sul do Rio de janeiro por cerca de 1 ano e meio e interditada judicialmente pelo filho, que recebe sua pensão como filha de militar. Na data de entrada, a mesma encontrava-se em cadeira de rodas, com alterações da linguagem e pensamento, memória, orientação e com dispraxia causada por acidente de carro. A história social e familiar revelaram que a mesma é natural do Rio de Janeiro, possui curso superior incompleto, conhecimento de dois idiomas estrangeiros, separou-se do marido ainda grávida do único filho, que possui 34 anos, e que já havia passado por outras instituições de saúde. Após algum tempo trabalhando de forma focal e sob orientação da Neuropsicologia clínica, a recuperação cognitiva da paciente permitiu que a mesma falasse sobre si e relatar que estar numa clínica não é o seu lugar, porém possui afeto agradável pelo ambiente, já que todos a tratam muito bem.
 
Algo que a aflige muito e vai de encontro a pensamentos automáticos é o receio de ter novos AVEs e vir a óbito. A paciente possui a crença de que se a equipe de Psicologia a avaliar e der um parecer favorável, ela recuperará seus bens materiais na justiça e retomará sua vida novamente de forma independente, o que é racional, porém improvável, já que a mesma não responde judicialmente por si. Uma das queixas freqüente é de ter sempre sustentado outros e atualmente viver de mesada para comprar pequenas coisas, como lanches.
 

Objetivos

· Reduzir a progressão das alterações cognitivas;
· Reorganizar a vida psíquica da paciente;
· Reduzir a emissão de comportamentos indesejáveis, neste caso o comportamento agressivo;
· Extinguir o sentimento de rejeição da cliente em relação a seu filho que a interditou;
· Modificar a crença central de que reaverá todos os seus bens na justiça caso a equipe de psicologia dê um parecer positivo; o que não é possível no seu caso.
 

Método

A paciente foi submetida a uma avaliação neuropsicológica que foi correlacionada a exames laboratoriais para fornecer um diagnóstico e uma estratégia terapêutica. A avaliação mostrou quadro cognitivo condizente com diagnóstico de DV e sintomas de depressão na área afetiva (reatividade emocional diminuída, anedonia, isolamento social e tristeza) e cognitiva (dificuldade de concentração, ideação de desesperança, de culpa e de inutilidade).
 
Após o diagnóstico, inicialmente foram utilizadas técnicas da Neuropsicologia Clínica para reabilitação cognitiva e, posteriormente, foi feito um tratamento pelo viés da TCC, de forma individual e em grupo com objetivos direcionados à: 1) orientação auto e alopsíquicas; 2) redução da freqüência para o comportamento de memorização de dados novos, como nomes de pessoas; 3) habilidades sociais; 4) crença de que tem condições de viver de forma independente e sem cuidados fora da instituição em que vive atualmente.
 

Resultados

Como resultados, obtivemos o aprendizado de estratégias compensatórias, onde tudo o que lhe era falado e ela julgava ter relevância era anotado em um bloco de anotações, o qual era revisto diariamente; diminuição do comportamento agressivo; melhora da orientação e do armazenamento de novas informações; a aceitação de que apresenta dificuldades físicas e cognitivas e  de que no momento carece de cuidados especializados.
 
O resultado intra-equipe também foi favorável, já que a paciente era percebida como ‘difícil’, já que não aceitava os tratamentos oferecidos pela instituição e essa recusa vinha acompanhada de uma atitude agressiva física e verbalmente. Atualmente, a equipe não encontra mais impeditivos para a manutenção do cuidado com a mesma, nem apresenta receio de alterações abruptas comportamentais por parte da paciente, que tem o quadro é estável, largamente melhor do que quando da entrada e as alterações que merecem comentário são a diminuição da freqüência de comportamentos agressivos para com os funcionários e os outros pacientes da clínica, dispraxia e hipomnésia de evocação para nomes de atores e pessoas da mídia.
 

Discussão

A Psicoterapia Cognitivo-Comportamental tem sido estudada para pacientes fora do campo da saúde mental[5] e não há qualquer contra-indicação conhecida da união dessa forma de tratamento com a forma diagnóstica de outro campo da psicologia como, no caso, a Neuropsicologia. O quadro em questão torna-se cada vez mais freqüente nos ambientes de atuação do psicólogo, tendo em vista que o mesmo vem sido requisitado para tarefas que exigem complexidade diferente das que a Clínica solicita.
 
O trabalho se refere diretamente à atuação do psicólogo em uma clínica especializada e mostra que é possível conciliar as estruturas teóricas que por vezes se situam sob embasamento diferente em uma pratica parcimoniosa e voltada ao resultado, como no caso apresentado. Ademais, é de suma importância que o saber psicológico se faça presente nas instituições de saúde, porém, isso será mais fácil a partir do momento em que o profissional de psicologia se utilizar de técnicas mais bem reconhecidas no campo científico e uma linguagem e semiologia única como os diversos campos de conhecimento que preenchem o espectro da saúde, tanto a mental como a geral, já fazem.
 
Importante alertar que esse trabalho teve um triplo ganho na concepção de seus autores: primeiro por conseguir um diagnóstico e uma estratégia terapêutica favorecedora à melhora; segundo por aliar duas áreas que se situam sob teorias diferentes e, terceiro, por valorizar a profissão do psicólogo hospitalar.
 
 
Bibliografia
 
BECK, J.S. Terapia cognitiva: teoria e prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.
 
BOTINO, C.M.C. Demência e transtornos cognitivos em idosos. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006.
 

¹ Coordenador do serviço de psicologia, Neuropsicólogo e Terapeuta Cognitivo-Comportamental.
² Estagiário de Psicologia.

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