RedePsi - Psicologia

Colunistas

Cap 2 – História da Neuropsicologia: De Descartes à Gall

A busca do órgão unitário da alma.
 
A história caminha sempre; junto a ela diversas formas de compreensão do cérebro, tanto anatomicamente, quanto fisiologicamente (suas funções), foram surgindo.

Vimos em nosso último texto que no inicio do século XVI, Vesalius (1514 – 1564) traz grandes contribuições para a anatomia cerebral, principalmente no uso do método cientifico observacional, substituindo as crenças dogmáticas (Religiosas e Filosóficas) estabelecidas na época de Galeno, mudando assim a compreensão do homem renascentista a respeito do cérebro.

Entretanto, a metade do século XVII e o início do século XVIII vêem nascer uma busca, de vários cientistas, pela localização de um centro cerebral da alma (=mente), local esse que serviria como centro catalisador das experiências e vivencias humanas. Importante ressaltar que essa busca foi muito mais filosófica do que baseada em investigação clinica e dados científicos.

Como cita Walsh (1994), temos como ícone maior desta busca a figura de René Descartes, que ao selecionar a glândula pineal
como esse centro integrador, tinha como argumento principal a localização desta glândula em relação a cérebro.

Para Descartes:

“… por ela estar estrategicamente situada entre os canais anteriores e posteriores, poderia assim, tanto influenciar como ser influenciada pelos movimentos dos espíritos entre esses canais.”
(Walsh 1994, p.13)

Esta teoria admitia que a alma (denominada res cogitans, “a coisa pensante”) era uma entidade livre, não substantiva, imaterial, indivisível e o corpo (res extensa, “extensão da coisa”) uma parte mecânica, material, divisível. Embora diferentes, a alma interagia com o corpo por meio da glândula pineal, que também funcionava como centro de controle (Pinheiro, 2005).

Sendo assim, Descartes acreditava que as experiências dos órgãos dos sentidos precisavam ser unidas em algum órgão ou glândula, dentro do cérebro, para que desta maneira alcançassem a alma.

Muitos outros escritores da época acreditavam nesta teoria de um corpo único e buscavam encontrá-los em outras partes do cérebro, como o Corpo striatum (para Willis), a matéria branca (para Vieussens) e o corpo caloso (para Lancisi).

A história mostrou que a idéia de um corpo único não foi a verdade prenunciada por Descartes, entretanto Walsh (1994) acredita que o fato de tantas pessoas estarem preocupadas com a busca de uma estrutura vital, não anula boas observações e tratados feitos durante esses séculos.

Primeiros estudos localizacionais e as faculdades psicológicas

O período que deu seqüência a idéia de unidade central de experiência consciente abriu caminho para o estudo das faculdades psicológicas, que dividia os processos mentais em diversas habilidades separadas e especializadas permitindo assim o início das buscas pelo substrato neural de cada faculdade da mente.

Esse sistema que teve como principal representante Franz Joseph Gall (1758), ficou conhecido como Frenologia. Na sua busca, Gall relacionou 27 “faculdades afetivas e intelectuais” que são diretamente relacionadas com partes discretas do cérebro, entre elas, benevolência, agressividade, sentido da linguagem, amor parental, etc; este número foi posteriormente aumentado (Pinheiro, 2005). Mesmo levando-se em conta todos os erros e as comprovações de sua como teoria científica, a frenologia durou por mais de um século, mostrando-se assim, mais fértil que a anterior noção de “um simples órgão cerebral” (Walsh, 1994).

As idéias de Gall foram primeiramente divulgadas em Viena no fim do século XVIII e logo foram seguidos por Johann Spurzheim (1776), pensador de suma importância para Frenologia e que foi o verdadeiro responsável por desenvolver uma idéia moralizadora das idéias de Gall. Mais a frente frenologia, junto com a Antropometria, foi usada como ciência auxiliar para embasar idéias da Eugenia¹. No nazismo essas idéias “cientificas” foram apoderadas e o estudo das dimensões do crânio, orelha e nariz, auxiliaram a verificação “científica” de traços considerados como indicadores da inferioridade ou degenerescência biológica no nazismo.

Para os cientistas que acreditavam na frenologia a idéia era que o cérebro era composto por um numero de órgãos separados, únicos, que controlavam um igual número de faculdades mentais.

O desenvolvimento desses órgãos cerebrais levava, segundo os autores, a um aumento de proeminências individuais no crânio, e que um processo de crânioscopia (ou apalpação) das proeminências, poderia levar a um conhecimento da natureza das propensões individuais.

Gall fez muitos estudos e descobertas a respeito do substrato neuro-anatomico, deu ênfase na importância do córtex (até aquele momento apagado), entretanto tudo isso ficou em segundo plano por conta de sua fisiologia especulativa, que comparada à ciência atual parece muito difícil de conceber, mas que sem dúvida deu energia e permitiu o pensamento em sua época.

Outro aspecto importante da frenologia foi o estimulo a anotação cuidadosa de todos os dados anatomo-clinicos e suas correlações, possibilitando assim o início das primeiras idéias sobre as localizações das funções cerebrais. Além disso, a frenologia trouxe boas contribuições na luta contra a noção de áreas silenciosas do cérebro (porções de massa que não teriam nenhuma função no cérebro), mostrando que muitas áreas quando lesadas, podiam não trazer problemas visíveis (motores), mas sim severas dificuldades de personalidade.

Do lado dos críticos da frenologia, encontramos Flourens como seu mais influente argüidor, tendo a crença central que as funções mentais não dependiam de órgãos ou partes particulares do cérebro e sim dele como um todo, não como um órgão único, mas sim tendo suas funções únicas funcionando em harmonias de um todo.

O trabalho que levou Marie-Jean-Pierre Flourens (1794); a postular o conceito de integração dentro do cérebro, foi realizado com pássaros que sofriam ablações (cirurgias de abertura) em seus cérebros, que após essa abertura uma recuperação sempre ocorria, irrestritamente ao local da lesão, levando-o a crer que existia uma capacidade de partes saudáveis assumirem controle de áreas danificadas, conceito hoje chamado de equipotencialidade.

¹ Eugenia é um termo criado por Francis Galton (1822-1911), no livro, "Hereditary (1865) que a definiu como o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente

Bibliografia

Walsh, K. (1994). Neuropsychology: A clinical approach. (3rd.ed.) London, U.K: Churchill Livingstone.

Pinheiro, M. (2005). Aspectos históricos da neuropsicologia: subsídios para a formação de educadores. Educar, Curitiba, n. 25, p. 175-196, Editora UFPR.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter