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A Posição do Psicótico Numa Leitura Possível

O trajeto que pretendo percorrer, tem como parâmetro, a assim denominada "escola francesa de psicanálise", tendo em seu cerne a obra de jackes Lacan.

Segundo o "olhar" dessa escola, o que diferenciaria básicamente a neurose e a psicose, seriam exatamente os mecanismos que as estruturam. Na psicose, o mecanismo da preclusão, ou Werwerfung e o da recusa, ou Verleugnung. Já o mecanismo central das neuroses, seria o recalque ou Verdrängung.

Lembremos que o recalque, para Freud, como deixou claro já em 1915: " estamos fundamentados para postular um recalque primário (Urverdrängung), uma primeira fase do recalque, que consiste em que o representante psíquico(sua representação) da pulsão tem o seu acesso proibido à consciência. Com isso, se dá uma fixação : o referido representante permanece doravante imutável por relação à pulsão ligada a ele…". Assim, sómente o neurótico(ou o normal), poderia inscrever as suas experiências numa cadeia simbólica, enquanto o psicótico seria articulado = para sempre = por uma estrutura que definiria a sua imutabilidade psíquica.

Como afirmou Serge Leclaire: " haveria, no psicótico, um buraco original, que jamais seria capaz de encontrar a sua substância, pois ela só foi, sempre, substância de buraco, e que só poderia ser preenchida, sempre de modo imperfeito, por um pedaço".

Queremos citar que, segundo outras leituras teóricas possíveis, essa produção da teoria lacaniana, sobre a existência de um buraco originário,deve-se apenas à construção da noção de forclusão dentro do modelo.

Quando realizamos uma primeira incursão nos textos freudianos, nos deparamos com um paradoxo entre o caráter qualitativo do prazer e o modo quantitativo. Ao considerarmos um aparelho psíquico, entendemos que o prazer é descrito como resultante de uma diminuição de quantidades de energia, ou ainda em outros termos: o aparelho psíquico tem uma função, segundo o princípio de constância = manter um nível tão baixo, ou tão constante quanto possível, a quantidade de excitação que ele contém".

No entanto, estamos diante de um aspecto hipotético quanto a essa abordagem energética, tendo Freud inclusive escrito: "Sustentamos a manutenção do caráter altamente indeterminado dessa hipótese". Na própria experiência clínica, observamos comumente que existem tensões agradáveis e relaxamentos desagradáveis. Assim, o prazer e o desprazer não podem ser remetidos ao aumento ou a diminuição respectivos de uma quantidade denominada tensão de excitação, muito embora sejam dependentes desse fator.

A noção de prazer em psicanálise: segundo Jackes Lacan, ela caracteriza-se pela clareza da demarcação que lhe é necessária com respeito à representação pregnante do processo de utilização de uma necessidade.

Conceito de pulsão: aparece como sendo um conceito limite entre o psíquico e o somático. Quanto à satisfação de uma exigência pulsional, é relevante observar que ela não depende nem da quantidade nem da qualidade do objeto que permite a sua realização. Desta forma, temos que o objeto da pulsão não é determinado; pelo contrário, como escreveu Freud: "o mesmo objeto pode servir simultâneamente à satisfação de várias pulsões". É importante levarmos em conta a primeira experiência = a experiência de satisfação, em que o apaziguamento de uma tensão, a sede por exemplo, é realizada pela satisfação objetiva da necessidade graças a uma influência externa. Esta experiência é reconstruída sob o modelo do "a posteriori". Desta satisfação restaria uma lembrança, um traço mnésico ou mnêmico, que seria despertado e entraria em função desde que uma tensão análoga se produzisse. A essa nova tensão, responderia a imagem mnésica do primeiro objeto satisfatório, realizando assim uma espécie de experiência alucinatória de satisfação. Diremos então que é a partir da experiência alucinatória que se desenvolve o movimento que introduz a dialética do desejo própriamente dito.

Segundo Freud, "haverá a deflagração de um impulso psíquico que reinvestirá a imagem mnésica dessa percepção na memória e provocará novamente a própria percepção , ou seja, reconstituirá a situação da primeira satisfação. É a esse movimento pendular(dialética) que chamamos desejo; a reaparição da percepção é a realização do desejo.(Wunscherfüllung).

É no afastamento ou na não-coincidência entre uma satisfação alucinatória e a lembrança(ou o traço) de uma experiência originária suposta como real, onde aparece a dimensão psicanalítica do prazer. Ainda em Freud: "a pulsão recalcada não cessa jamais de tender à completa satisfação, que consistiria na repetição de uma satisfação primária(…). É a diferença entre a satisfação obtida e a satisfação buscada que constitui a força-motriz que impede o organismo de se contentar com uma dada situação". O prazer pode então ser entendido,como uma redução dessa diferença. O prazer está vinculado è entrada em cena de uma diferença.

Antes de prosseguirmos, devemos ter em mente a importância de não realizarmos um tratamento filosófico, psicológico ou fisiológico,em algo que é estritamente psicanalítico. Retomemos assim o conceito de pulsão, e nos perguntemos como se inscreve a satisfação que ela consegue obter?.

As Palavras do Psicótico: na linguagem perturbada do esquizofrênico, nos diz Freud: " aparentemente desprovidas de sentido(…)uma relação com os órgãos do corpo ou inervações corporais passa frequentemente ao primeiro plano". Um esquizofrênico tomando ao pé da letra a recomendação escutada ao acaso de "não se afogar num copo d'água", se recusará a beber a não ser da garrafa. Tomar as palavras à letra, é exatamente anulá-las, estreitando-as de perto demais; é, regressivamente, confundi-las de novo com os movimentos do corpo, com o afastamento de prazer do qual eles são os correlatos para que se abra o espaço do desejo.

Segundo o psicanalista Chaim Samuel Katz: "Deve-se afirmar, enfáticamente, que a linguagem e as produções psicóticas são riquíssimas, múltiplas e várias. Contudo, para a sua apreensão são necessários outros instrumentos, distintos daqueles que foram estudar o psicótico desde o seu isolamento asilar e social. Katz recupera outros autores, e se pronuncia em favor da existência de uma transferência psicótica".

Podemos observar que outros autores , como por exemplo, Einrich Racker, e seu ex-analisando Horácio Etchegoyen, também postulam a existência de uma transferência psicótica. A transferência erótica, também poderá atingir níveis que a incluam numa modalidade de transferência psicótica. Sabemos que é impossível analisarmos a transferência erótica, desvinculando-a do conceito de pulsão de morte.

Como uma importante referência bibiliográfica em relação a esses conceitos, recomendamos a leitura do excelente trabalho do psicanalista Pierre Fédida: "Clínica Psicanalítica = Estudos", mais específicamente, o capítulo do livro que fala sobre "o amor e a morte na transferência".

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