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Workaholic: Quando a vida pessoal é deixada de lado

Por: Giovana Del Prette e Victor Mangabeira Cardoso dos Santos

Você gostaria que o dia tivesse trinta horas, para dar conta de listas intermináveis de tarefas? Tem dificuldade para separar aquele tempinho para uma academia, ou mesmo uma caminhada em seu bairro? Sente-se cada vez mais distante dos amigos e familiares, devido à quantidade de trabalho? Então talvez você compartilhe características com aquele perfil denominado atualmente de “workaholic” que, seja por prazer ou necessidade, coloca seu trabalho em primeiro plano. E a vida pessoal começa a ser deixada de lado.

É comum ouvirmos, de pessoas que trabalham muito e intensamente, frases como: “Tenho que terminar tudo naquele prazo”, “Se eu não atingir aquela meta, estou encrencado”, ou “Não tinha jeito, fiquei trabalhando até de madrugada”. Tais frases muitas vezes nos levam a crer que o trabalhar demais não é uma questão de escolha, mas sim de falta de opção. Em algumas situações isso é possível, no sentido de que as conseqüências para o não trabalhar poderiam ser muito desastrosas, dentre as quais a própria perda do emprego. Entretanto, estamos tratando aqui de como, muitas vezes, vamos fazendo escolhas em situações nem sempre tão ameaçadoras, até que nos damos conta de que escolhemos deixar de lado a vida pessoal. Estamos falando de pessoas que escolhem distribuir o tempo de modo a gastá-lo muito mais com trabalho do que com vida pessoal. E é possível, sim, levantar algumas hipóteses gerais sobre o porquê dessas escolhas.
 
Segundo a abordagem psicológica denominada Análise do Comportamento, se um comportamento existe é porque está sendo reforçado, ou seja, produz conseqüências que o mantém. Em outras palavras, o comportamento de escolher o trabalho, bem como o de trabalhar com dedicação, estão sendo mais reforçados do que o comportamento de cuidar da vida pessoal.
 
A questão aqui é entender como as conseqüências para o trabalho podem ser assim tão poderosas. Alguns tipos de trabalhos produzem remuneração fixa ao fim de um intervalo de um mês. Outras empresas trabalham com remuneração variável, utilizando prêmios e/ou participação nos lucros e resultados (PLR). Esse é um esquema que, por si só, estimula a quantidade de trabalho, podendo fazer o indivíduo abdicar de outras atividades pessoais. Além do mais, desafios podem ser, em si, reforçadores poderosos, assim como altas remunerações, por produzirem o acesso a uma série de benefícios materiais.
 
Também devemos levar em consideração alguns benefícios não-materiais que podem ser alcançados, pois estes funcionam como poderosos reforçadores para funcionários que ocupam cargos importantes dentro de seus locais de trabalho. Estamos falando aqui, por exemplo, do chamado status que acompanha diversos cargos nas empresas (p. ex. gerentes, gerentes-gerais, superintendentes, diretores, entre outros). Dessa forma, a pessoa trabalharia constantemente para atingir estes cargos, e quaisquer sinais que indicassem uma promoção funcionariam como reforçadores para todo o trabalho desempenhado até aquele momento. O status aqui sinaliza poder, respeito, autoridade etc. Estes são poderosos reforçadores sociais, tanto dentro como fora do ambiente empresarial, isto é, não apenas os colegas de trabalho, mas também os amigos e familiares passam a respeitar mais as pessoas que ocupam estes cargos de importância. Ainda que as pessoas mais próximas não o façam, a cultura de nossa sociedade usualmente trata diferencialmente as pessoas a depender do cargo inferido. Um senhor trajando um terno, automaticamente, tem mais probabilidade de ser tratado como “doutor”, por exemplo.
 
Uma outra situação que mantém alta a freqüência de trabalho é oposta à anterior: ao invés de ser premiado, o indivíduo pode ser repreendido por um superior, colocar seu cargo em risco, ou perder mercado, caso não atinja as metas, não trabalhe muitas horas, não “mostre serviço”. Essa é a situação mais dramática, em que diz-se que “trabalha-se por esquiva de conseqüências aversivas”. É um esquema que tem como efeito colateral engajamento mínimo em qualquer outra atividade. E assim deixa-se de lado o autocuidado, a diversão, o lazer, o tempo com família, amigos, viagens e assim por diante.
 
A terceira situação identificável também é de esquiva, mas, nesse caso, é esquivar-se de uma situação ruim da própria vida pessoal. O relacionamento com o cônjuge vai mal, os filhos estão cheios de problemas, uma gastrite surge, os amigos se foram, e o trabalho acaba funcionando como refúgio dessa realidade ainda mais estressante do que as horas gastas na empresa.
 
Um outro agravante da situação é que a alta freqüência de trabalho cresce à medida em que o indivíduo aumenta sua experiência profissional e cada vez mais é reforçado por isso.Isso acontece porque, com o tempo, muitos executivos se tornam hábeis em produzir reforçadores na sua vida profissional, mas têm muita dificuldade em identificar o que devem fazer para produzir bons resultados em sua vida pessoal. Essa situação corresponde a frases como: “Eu não sei lidar bem com aspectos pessoais, mas no trabalho eu sei o que faço”.
 
Uma vez explicadas algumas possibilidades sobre o estilo de vida “workaholic”, algumas perguntas podem ser feitas: (1) Quando é que pessoas com esse perfil se prejudicam? E (2) Havendo prejuízo, como mudar a situação?
 
Na verdade, as duas perguntas estão inter-relacionadas, pois a maior complicação é que o prejuízo de pessoas com esse perfil, normalmente, é sentido de maneira mais clara a longo prazo. E uma coisa sabemos sobre as conseqüências a longo prazo: são mais difíceis de controlar o comportamento presente!
 
De repente, percebe-se que há anos não se faz um check-up médico, que os filhos cresceram, que o cônjuge está distante. Os amigos quase não o procuram. Outro risco da dedicação acirrada ao trabalho é ele se tornar a única fonte de reforço para o indivíduo, o que sempre é delicado. Se a empresa quebra, se é preciso mudar de cargo, ou o indivíduo é afastado ou demitido, o que lhe sobra? Uma vida pessoal que ele não alimentou.
 
Não há receita pronta para como modificar essa situação, mas há indícios que podem ser observados mais atentamente. Algumas situações, a seguir, podem indicar um desequilíbrio entre dedicações potencialmente prejudiciais à vida pessoal a longo prazo:
1. Dificuldades em comunicar-se com a família; autoridade e respeito obtido via discussões tensas;

2. Família afetivamente distante, e/ou afetivamente carente;

3. Diminuição do conhecimento sobre o dia-a-dia dos filhos, esposa/marido e amigos (você é o último a saber, ou descobre os fatos só depois que já ocorreram e foram resolvidos sem sua ajuda);

4. Diminuição do número de amigos e da freqüência com que os vê, acompanhado ou não por reclamações sobre sua ausência (“sumido, hein?”) ou por desistência de lhe procurarem;

5. Diminuição do conhecimento e/ou participação em atividades não-profissionais de sua preferência, como leitura de livros não-técnicos, ida a cinema, teatro, exposições, esportes, e assim por diante;

6. Sinais de fadiga física (alterações no sono, no apetite e no humor, stress, gastrite, aftas, dores nas costas, diminuição da capacidade de concentração);
 
Observar-se é o primeiro passo. Outro passo importante é exercitar a capacidade de prever, a partir dos primeiros sinais de problemas, que tipo de fim pode-se esperar caso não sejam solucionados o mais rápido possível. Uma psicoterapia é valiosa quando se percebe dificuldade em mudar sozinho. O terapeuta comportamental, comumente, irá auxiliá-lo a compreender a origem dos problemas, o modo como eles se mantém, como eles se relacionam com outros aspectos de sua vida e que estratégias precisam ser desenvolvidas para alterá-los.
 

Giovana Del Prette
é terapeuta analítico-comportamental em São Paulo, mestre e doutoranda em Psicologia Clínica pela USP e professora de pós-graduação no Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento. Contato: [email protected] e www.gdprette.blogspot.com .

Victor Mangabeira Cardoso dos Santos é Terapeuta Analítico-Comportamental em São Paulo, Graduado em Psicologia pela USP, Bolsista e Especializando em Clínica Analítico-Comportamental no Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento. Contato: [email protected]

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