RedePsi - Psicologia

Colunistas

Análise do Comportamento e prática clínica

Antes de refletir sobre a prática clínica na Análise do Comportamento, faz-se necessário salientar as diferenças entre Behaviorismo Radical, Análise do Comportamento e Análise Experimental do Comportamento. O Behaviorismo Radical é uma filosofia da Ciência desenvolvida por Skinner. Essa filosofia é uma forma de pensar a Psicologia não como fruto das emoções internas, mas sim das relações do indivíduo com os ambientes interno e externo.
Já a Análise do Comportamento é uma ciência fundamentada na filosofia do Behaviorismo Radical, que diz que o comportamento dos organismos é multideterminado, englobando assim, variáveis decorrentes da história filogenética (que seriam as características presentes na espécie em toda a sua história evolutiva), da história ontogenética (que seria resultante dessa interação organismo-ambiente) e da cultura (que seriam os repertórios de uma determinada cultura).

Tendo em vista que o comportamento para a Análise do Comportamento é multideterminado, o objeto de estudo do analista do comportamento está no nível ontogenético e cultural, já que busca compreender a interação do organismo com o ambiente em sua história individual e cultural. O analista do comportamento acredita que essa interação se dá de modo bidirecional, ou seja, o organismo altera o ambiente e essa alteração retroage sobre esse organismo. Isto quer dizer que o comportamento do sujeito controla o ambiente e vice-versa. A esse comportamento em que o sujeito opera sobre o ambiente chama-se de operante, que é baseado na noção da tríplice contingência, relação de dependência entre os três termos seguintes: estímulo antecedente, resposta e conseqüência.

Por fim, a Análise Experimental do Comportamento é o braço empírico da ciência denominada Análise do Comportamento, baseada em pesquisas, tanto básicas como aplicadas. As pesquisas básicas visam responder a questões teóricas com o intuito de construir a ciência da Análise do Comportamento; já as pesquisas aplicadas visam responder a questões oriundas da sociedade, da vida cotidiana; ou seja, visam responder as demandas da sociedade. Logo, a Análise Experimental do Comportamento é construída a partir de experiências realizadas para comprovar se as proposições feitas pelo Behaviorismo Radical estão corretas, ou seja, para confirmar a maneira de pensar proposta por essa filosofia da Ciência.

A partir da diferenciação entre Behaviorismo Radical, Análise do Comportamento e Análise Experimental do Comportamento, o presente trabalho enfocará a prática clínica na Análise do Comportamento. A terapia comportamental nasceu de pressupostos advindos da pesquisa em Análise do Comportamento, tendo como uma de suas marcas a noção de causalidade. Ou seja, diante de uma história de reforçamento diferencial o sujeito emite um comportamento mais provável em uma determinada situação. O que determina se uma criança vai ou não fazer “birra” pode ser a presença de um primo, e não o fato dele estar “bravo” ou “cansado”. O evento privado não é causa, é fruto da relação do sujeito com o seu ambiente, com as contingências ambientais. São as contingências que determinam o comportamento, e não eventos privados.

Na terapia, o analista do comportamento deve manipular as contingências que estão presentes na vida do cliente, levando em consideração que as contingências mais importantes da vida do cliente estão fora da clínica. Logo, o analista do comportamento, tendo isso em vista, pode fazer atendimentos extra-consultório, uma vez que para ele o setting terapêutico é onde as contingências estiverem. O analista do comportamento, além de questionar a limitação do setting terapêutico ao consultório, também questiona o modelo médico que dicotomiza o normal do patológico. Dizer que o comportamento é fruto de contingências rompe com a dicotomia proposta pelo modelo médico, uma vez que se tanto o normal com o patológico são frutos de contingências, ambos podem ser alterados.

Contudo, outras abordagens também não limitam o setting ao ambiente clínico, e tampouco dicotomizam o normal do patológico. Logo, a pergunta que se faz é o que singulariza a prática clínica da terapia comportamental. A singularidade reside justamente no que o analista do comportamento faz na prática clínica. Ele faz análises funcionais, ou seja, ele analisa o que torna uma resposta mais provável, as contingências que controlam o comportamento do cliente.

Todo comportamento emitido tem uma função adaptativa, portanto fazer a análise funcional é descobrir a função do comportamento. Nesse ponto Skinner se assemelha a Darwin ao acreditar na variação e seleção como processos que permitem a adaptação para a sobrevivência das espécies. A partir dessa visão darwinista, quando o analista do comportamento olha para o comportamento de seu cliente ele busca entender o que mantém determinado comportamento observado, o que permite a sobrevivência do cliente naquele contexto. Assim sendo, para a Análise do Comportamento todo comportamento tem uma função, ao contrário do que é observado no modelo médico.

A preferência pela função do comportamento e não pela causa leva em conta a interdependência entre os eventos. Se o analista do comportamento alterar qualquer parte da relação (estímulo antecedente, resposta ou conseqüência) ele altera o comportamento. Por ter essa preferência o analista do comportamento não acredita na frase “um comportamento causou o outro”. Essa noção de causa implica a necessidade de um agente iniciador, uma força (para outras abordagens que acreditam que um comportamento causa o outro, essa força iniciadora é denominada “libido”). As contingências não são consideradas únicas ou singulares, como a libido é considerada. As contingências são um determinante, mas não um determinante único, unidirecional. O comportamento não é emitido para obter sobrevivência, mas porque obteve sobrevivência no passado que ele é emitido no presente. O sujeito age de acordo com o seu passado, de acordo com sua história de reforçamento, e não por causa do futuro. A história de reforçamento apenas aumenta a probabilidade de que a classe de comportamentos possa ocorrer.

A importância dada à análise funcional na prática clínica reside no fato dela permitir ao analista do comportamento identificar o comportamento de interesse, especificar a freqüência, descrever estímulo antecedente, resposta e conseqüência, hipotetizar a relação existente e testar a hipótese. A partir da análise funcional o analista do comportamento pode elaborar práticas de intervenção.

A análise funcional em pesquisa tem como observador do comportamento o próprio experimentador, enquanto que na prática clínica o observador é o próprio cliente, sendo que a análise funcional se baseia no relato verbal que o cliente fornece ao seu terapeuta. Por isso o analista do comportamento deve identificar o que está controlando o relato verbal do cliente, uma vez que o relato verbal de uma determinada situação pode ser uma esquiva do cliente em relatar uma situação importante de sua vida, que está controlando os comportamentos que produzem no cliente desconforto.

O comportamento verbal do cliente é a chave para a prática clínica na Análise do Comportamento. Esse comportamento é entendido como aquele que é reforçado por meio da mediação de outra pessoa, mas apenas quando a outra pessoa está se comportando de maneiras que foram modeladas e mantidas por um ambiente verbal que evoluiu (linguagem). O comportamento verbal é o tipo de comportamento que dá ao homem a possibilidade de refletir sobre as contingências por ele vividas. Através do comportamento verbal é possível observar outro tipo de comportamento, o “comportamento governado por regras”, que é entendido como o comportamento que depende do comportamento verbal de outra pessoa (falante), ou seja, está sob controle de antecedentes verbais que descrevem contingências. Contudo deve-se ressaltar que o “comportamento governado por regras” nada mais é que o comportamento verbal. O comportamento governado por regras permite ao ser humano organizar a cultura, possibilitando uma chance maior de sobrevivência em relação aos animais que não possuem comportamento governado por regras.

O comportamento governado por regras apresenta algumas desvantagens, como produzir um comportamento alienado (o comportamento do sujeito não está sob controle de conseqüências que favorecem a sobrevivência do sujeito, mas que favorecem a sobrevivência da civilização; contudo a civilização sobrevive porque sobrevivem os comportamentos individuais), e não preparar o indivíduo para a vida (se o ambiente propuser reforços para comportamentos incompatíveis com a regra, então a regra deixará de ser seguida assim que se retirem as conseqüências arbitrárias que mantém o comportamento de seguir regras). Contudo, o comportamento governado por regras apresenta a vantagem do indivíduo não precisar se submeter a uma situação real para que respostas sejam instaladas em seu repertório (ao invés de aprender a dirigir por tentativa e erro, um instrutor pode descrever as contingências de dirigir um veículo a um aluno, sem que este necessite aprender sem nenhuma instrução). Uma contingência complexa não precisa ser vivida para aprendermos a emitir os comportamentos envolvidos naquela contingência, a regra nos ensina a emitir esses comportamentos.

Para entender o motivo de o cliente continuar a emitir determinado comportamento governado por regras, faz-se necessário distinguir dois tipos de comportamento governado por regras, a saber – regra do tipo rastreamento e regra do tipo aquiescência. Na regra do tipo rastreamento há uma conseqüência natural em seguir a regra, enquanto que na regra do tipo aquiescência há uma conseqüência social. O cliente continua a emitir determinado comportamento porque ele é reforçado.

Ao contrário do que muitos críticos da abordagem afirmam, para o analista do comportamento não só os comportamentos “abertos” são importantes, mas também os comportamentos encobertos. A diferença entre comportamentos abertos e encobertos reside na questão da acessibilidade. Enquanto os comportamentos abertos são passíveis de observação direta por duas ou mais pessoas, os comportamentos encobertos são passíveis de observação direta somente pela pessoa que vive a contingência.

Os comportamentos encobertos podem ter partes da relação estímulo antecedente – resposta- estímulo reforçador como encobertas, na maioria das vezes considera-se somente as respostas como encobertas. Essas respostas podem ser emoções, sentimentos, pensamentos, sonhos, fantasia.

E como a analista do comportamento trabalha com esse tipo de comportamento? Na prática clínica, o terapeuta nem sempre pode entrar em contato com a contingência, utilizando o relato do cliente para chegar aos dados que levariam à análise funcional. Mas é através dessa fala que o terapeuta pode descobrir qual o evento encoberto e se o cliente está se aproximando de eventos reforçadores positivos, negativos ou se está se distanciando deles (pistas do passado – da história de reforçamento e/ou punição, do presente e do futuro – probabilidade do comportamento ocorrer no futuro).

Assim, a análise do comportamento não utiliza esse evento encoberto como causa do comportamento, mas sim como produto da contingência. Por isso, se um cliente trouxer um sonho na primeira sessão o analista não poderá traçar relações funcionais, já que ainda não tem dados da história de reforçamento do cliente.

O sonho, para Análise do Comportamento, deve ser utilizado como mais um instrumento para analisar as contingências que o cliente traz. Segundo Delitti (2000), sonhar é um evento privado e o relato desse sonho é a descrição (comportamento aberto) de um evento privado que ocorreu no passado. Relatar o sonho foi culturalmente selecionado, ou seja, a sociedade reforçou este tipo de comportamento verbal durante a história de aprendizagem do sujeito.

O sonho permite que o terapeuta entre em contato com comportamentos verbais que poderão indicar a história do sujeito, tendo o sonho aqui função de estímulo; ou seja, diante desses estímulos o cliente responde em função de sua história de reforçamento verbal. Esses estímulos, por serem complexos, criam a oportunidade de o cliente emitir classes de estímulos verbais que poderão ajudar o terapeuta a compreender a história passada de reforçamento diferencial do cliente. Além disso, o sonho pode eliciar respostas emocionais (respondentes) que fornecem dicas ao terapeuta sobre o histórico de reforçamento diferencial de seu cliente.

Para o terapeuta comportamental não importa o que o cliente sonha, mas o que este sonho tem haver com história de vida. Mas, às vezes, esse sonho pode ser distorcido, podendo mostrar uma história de punição que o cliente não quer entrar em contato.

Contudo, o relato dos sonhos também tem desvantagens, a saber: servir de esquiva para não relatar algum evento aversivo; ser adotado pelo cliente como uma “estratégia” para buscar reforçamento do terapeuta por estar com poucos reforçadores no ambiente social; e, o cliente pode aprender a falar de si através dos sonhos e não diretamente. Portanto, depende da habilidade do terapeuta identificar quando o relato de sonho traz parte da história do sujeito ou se ele está usando esse relato de sonho como artifício para não abordar questões relevantes de sua vida.

Conclui-se que o terapeuta analista do comportamento trabalha com a interpretação de sonhos, porém não a considera fundamental para a terapia. A interpretação de sonhos é mais uma ferramenta que o terapeuta analista do comportamento utiliza para ter acesso ao histórico de reforçamento diferencial de seu cliente e, assim, poder traçar intervenções que visem melhorar a vida de seu cliente.

Referência Bibliográfica

Delitti, M. (2000). Relato de sonhos: como utilizá-los na prática da terapia comportamental. Em: Wielenska, R.C. Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: SET, volume VI.

[b] Referência Consultada[/b]

Banaco, R.A. (1999). Técnicas cognitivo-comportamentais e análise funcional. Em: Kerbauy, R.R. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: Arbytes, volume IV.

Banaco, R.A. (1999). O acesso a encobertos na prática clínica: um fim ou um meio?. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. Campinas: Editorial Psy.

Delitti, M. e Meyer, S. (1995). O uso de encobertos na prática da terapia comportamental. Em: Range, B. (org.). Psicoterapia e comportamental de transtornos psiquiátricos. Campinas: Editorial Psy.

Guedes (1997). O comportamento governado por regras na prática clínica. Em: Delitti, M. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: Arbytes, volume II.

Kerbauy, R.R. (1997). Contribuições da psicologia comportamental para a psicoterapia. Em: Delitti, M. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: Arbytes, volume II.

Kohlenberg (2001). Aplicação da clínica da psicoterapia analítica funcional. Em: Kohleng e Tsai. Psicoterapia Analítica Funcional. São Paulo: ESETEC.

Matos, M.A. (2000). Análise funcional do comportamento. Estudos de Psicologia, v.16, (3). São Paulo: PUCCAMP.

Meyer, S. (2005). Regras e Auto-regras no laboratório e na clínica. Em: Abreu-Rodrigues e Ribeiro (org.). Análise do Comportamento: pesquisa, teoria e aplicação.

Regra, J. (1997). Fantasia: instrumento de diagnóstico e tratamento. Em: Delitti, M. (org.). Sobre Comportamento e Cognição. Santo André: Arbytes, volune II.

Skinner, B. F. (2003). Ciência e Comportamento Humano (J. C. Todorov e R. Azzi, Trads.). São Paulo: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1953).

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter