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A Origem Tradicional da Atitude de Coaching e seu Papel na Sociedade Ocidental

Como se sabe o termo coach é de origem inglesa e refere-se à pessoa que acompanha clientes para que estes desenvolvam seus objetivos. Estes objetivos podem estar focados em diferentes áreas tais como a esportiva, a afetiva, a profissional, entre outras. Assim como um conselheiro ou mentor, um Coach raramente oferece conselhos. Seu papel é o de fazer com que o coachee, o cliente, descubra seus potenciais, sua força pessoal e solucione suas próprias questões. Mas qual a origem desta atitude? Neste artigo apresento um panorama da atual proposta do Coaching, rastreando alguns elementos mitológicos que possam explicá-la, colocando-os em perspectiva com a forma contemporânea como o coaching vem sendo praticado.
[b] 1. As origens Tradicionais do Coaching[/b]

Quando sentem que seu caminho está bloqueado, ou quando vivenciam sentimentos de cerceamento e inadequação que impedem seu processo de crescimento, as pessoas costumam buscar ajuda. Amigos, parentes, pais, terapeutas, gurus, médicos, videntes, sacerdotes são algumas das pessoas mais procuradas em tais circunstâncias. Às vezes o que se busca é apenas o alívio imediato de uma tensão gerada por uma situação de conflito, outras, o conselho ou a aceitação do interlocutor para uma atitude tomada, ou ainda, para uma consideração recebida de outrem. O que se busca normalmente é uma compreensão reflexiva da situação e uma orientação para a continuidade da ação. Esse papel continua a ser exercido por essas figuras “tradicionais”, mas também agora é exercido pelo Coach.

Tradicionalmente a figura desse interlocutor que modernamente chamamos de Coach, é encontrada em muitas narrativas mitológicas, nas quais um herói, quando se vê em apuros, procura se aconselhar com alguém que julgue ter condições de orientá-lo, para que ele possa realizar a tarefa que lhe compete. Às vezes trata-se de um sábio, noutras, uma divindade ou um oráculo. Não é fácil encontrar um intermediário que esteja a altura de suas necessidades. Alguém que possa ser um bom ouvinte e ao qual o herói possa confiar suas mazelas e fraquezas, suas dúvidas, a fim de obter ajuda. Campbell (2003) dá uma boa indicação do perfil requerido para esse orientador:

“Um bom treinador não diz a um corredor exatamente em que posição manter os braços ou coisas desse tipo. Ele o observa correr e depois o ajuda a corrigir sua maneira natural e própria de o fazer. Um bom professor está ali para identificar possibilidades e potencialidades e, em seguida, dar conselhos, não ordens”. (Campbell, 2003, p. 152)

Nas sociedades orientais a figura do guru, por exemplo, muitas vezes ocupa o lugar do que chamamos hoje de Coach, sendo, aliás, bastante comum. Seu papel de orientador é bem aceito e reconhecido pelo grupo. Observa-se nas sociedades tradicionais africanas que a consulta oracular é bastante freqüente como recurso de orientação (Ribeiro, 1996).

Para Campbell (2003) o padrão de orientação das condutas nas sociedades tradicionais é pautado pela valorização do que é coletivo. Nessas sociedades há uma visão mais homogênea, menos individualista, do grupo social, de modo que um Coach traçaria estratégias de orientação mais coletivas, baseadas em aspectos comuns àquela sociedade. Desta forma, um guru, vidente ou sacerdote saberia exatamente em que ponto da jornada (ciclo ou fase biográfica) o orientando, consulente (coachee) estaria, e assim seria capaz de situá-lo com precisão em seu caminho.

[b]2. A Figura do Coach na Sociedade Ocidental num diálogo com a Tradição[/b]

Já no ocidente com a grande ênfase dada à individualidade, a situação é mais complexa, pois a idiossincrasia é enfatizada. Assim, a orientação costuma ser oferecida mais no sentido da pessoa descobrir seu próprio poder pessoal, preferencialmente a partir de suas próprias potencialidades.

Se partirmos do pressuposto humanista de que o organismo humano é auto-orientado, ou orientado por uma tendência natural para a atualização das próprias potencialidades, somos levados a considerar que o melhor interlocutor que uma pessoa pode ter é aquele que a orienta a ouvir o conselho de sua própria voz interior.

É importante lembrar que os obstáculos são inerentes a todo processo de desenvolvimento humano. Gerados pelos conflitos de interesses próprios das relações humanas, ou ocorridos por ação do acaso, eles podem interferir significativamente no processo de auto-atualização e transcendência, favorecendo ou dificultando a atualização dos potenciais inerentes à pessoa.

Entendo o ser humano pela perspectiva humanista, o papel do Coaching no ocidente, assemelha-se muito ao do facilitador, conforme descrito na Abordagem Centrada na Pessoa de Carl Rogers, onde o elemento chave para o sucesso do tratamento está no relacionamento estabelecido entre o cliente e o terapeuta, no caso do coaching, o relacionamento entre Coach e Coachee. Neste sentido esse relacionamento deve ser pautado pelas atitudes que favorecem o desenvolvimento humano:

Compreensão Empática, Consideração Positiva Incondicional e Congruência. Para ilustrar essa postura recorremos a Bowen (1987) que compara o facilitador centrado na pessoa a um Sherpa, ou guia nepalês que conduz um viajante pelas montanhas do Himalaia em sua busca pela cidade perdida de Shambala .

Bowen imagina que este guia, no caso o coaching, deva ter as seguintes posturas:

[b]Primeiro:[/b] Ele sabe que a viagem não é dele, e sim do viajante e, desta forma, respeita o destino e o caminho escolhidos, não impondo sua presença, mas fazendo companhia ao viandante. O guia deve estar cônscio, também, que sua recompensa serão os honorários e a expansão de sua própria consciência na tarefa de guiar.

[b]Segundo:[/b]Ele conhece bem a região por onde o viajante quer transitar, embora talvez nunca tenha trilhado o caminho escolhido. É capaz de ver pistas, onde o viajante não consegue ver nada. Sabe instruir o viajante quanto a determinadas destrezas ou competências fundamentais para a jornada. Percebe sinais de tempestades iminentes, e encoraja e demonstra que é possível caminhar em alturas muito elevadas.

[b]Terceiro:[/b] Em determinados momentos ajuda o viajante a carregar o fardo, ensinando como deve ser distribuída a carga na mochila.

[b]Quarto: [/b] Apesar de nunca haver estado em Shambala, acredita que ela está lá, em algum lugar, e que o viajante será capaz de chegar até ela, a partir de suas próprias escolhas.

[b]Conclusão[/b]

O processo de acompanhamento pessoas denominado modernamente de coaching pode ter sua origem rastreada em diferentes tradições, portanto não é novo. Todas as pessoas em algum momento na vida, a exemplo dos heróis nas histórias tradicionais, precisam de uma ajuda reflexiva de modo que a partir desta consigam se orientar rumo ao desabrochar de suas potencialidades. O coaching modernamente tem cumprido esse papel. Nas sociedades tradicionais a maneira de oferecer essa ajuda reflexiva é mais coletiva baseada em elementos próprios da cultura e em figuras de grande aceitação como os gurus, os sacerdotes, entre outros exercem o papel de coach. Na sociedade ocidental, onde se enfatizam as individualidades, a abordagem é mais individual, por isso os processos de coaching têm também esse caráter.

Termino essa reflexão com uma pergunta, que espero possa instigar sua reflexão sobre as formas de coaching.

Embora o coaching seja grandemente enfatizado nos dias atuais, quem já não procurou [i]coaching[/i], com um amigo mais velho, ou mesmo numa consulta astrológica, obtendo resultados significativos?

[b]Referências:[/b]

BERNI, L. E. V. “Desmistificando o Coaching”. RedePsi, março de 2009 disponível em https://www.redepsi.com.br/portal/modules/soapbox/article.php?articleID=516

BOWEN, M. C. V. B. Quando Fala o Coração. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987. 122p.

CAMPBELL, J. O Poder do Mito. 21. ed. São Paulo: Palas Athena, 2003. 242p.

RIBEIRO, R. Alma Africana no Brasil. São Paulo: Oduduwa, 1996. 279p.[/color]

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