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A interferência do relacionamento entre alunos e professores no processo de aprendizagem e na formação do discente

Resumo

Este artigo faz uma articulação entre a psicologia educacional/escolar, o sistema de ciclos e a indisciplina escolar no processo de ensino-aprendizagem. Ao se iniciar a prática investigativa em um CIEP (Centro Integral de Educação Pública) Municipal na cidade de Bambuí, foi observado e destacado o problema da indisciplinaridade dos alunos e a dificuldade da escola, como um todo, e, possivelmente também da  família, em lidar com esse problema. A partir disso podemos concluir que cabe ao professor ajudar a transmitir e ensinar valores aos alunos, criando uma relação de respeito mútuo e que proporcione o processo ensino-aprendizagem. Assim, talvez fosse necessário que se repensasse o sistema educacional naquela instituição e a formação que os professores têm recebido. A disciplina não é uma meta conseguida através de um único fator, mas de todo um sistema de educação, organização e influências às quais os alunos estão submetidos a todo o momento e que interferem no comportamento.

Palavras Chave: Psicologia Educacional/Escolar; Indisciplina escolar; Sistema de ciclos; Aprendizagem

Introdução

O lidar com crianças e adolescentes em processo de aprendizagem, e que são oriundas, em sua maioria, de famílias com novos arranjos familiares, na sociedade de uma cidade do interior de Minas Gerais, é um desafio para os professores da rede pública municipal, já que seu contexto de vida desencadeia problemas de ordem disciplinar, o que impede o desenvolvimento de um trabalho pedagógico.     

Ao se iniciar a prática investigativa, que é uma atividade com o intuito de  aproximar os temas estudados na disciplina de uma forma ativa com aquilo que é observado, em um CIEP (Centro Integral de Educação Pública) Municipal, na cidade de Bambuí, foi observado e destacado o problema da indisciplinaridade dos alunos e a dificuldade da escola como um todo e possivelmente também da família, em lidar com esse problema.   

Pautadas nessa observação, a partir de entrevistas, observações de atividades desenvolvidas na instituição escolar, escutas e a leitura do projeto pedagógico, levanta-se ainda a hipótese de que o relacionamento entre alunos e professores pode interferir sobre a apreensão do conhecimento e do processo de formação individual e coletivo dos referidos alunos.

Diante deste cenário, o problema central da pesquisa é se poderia, essa dificuldade, de condução disciplinar que os professores encontram, está relacionada à falta de formação específica para tal, visto que, alguns professores não têm instrumentos didáticos pedagógicos adequados para a realidade que eles vivenciam, apesar de possuírem curso superior.

Sobre o aluno            

O perfil dos alunos do referido CIEP Municipal retrata crianças e adolescentes vindos de famílias não lineares – que não possui uma estrutura convencional, ou seja, composta por pai, mãe e irmãos – de classe econômica baixa, sendo que uma boa porcentagem dessas famílias é proveniente do assentamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra ou da periferia da cidade de Bambuí.           

Essas crianças, em geral, demonstram ser carentes de afeto, atenção, cuidado e referência familiar. Em entrevista com a supervisora da escola, ela menciona ser essa carência, de ordem sócio-econômica, cultural e psicológica.            

A maioria das crianças é originária de outras escolas, trazendo consigo um estigma de fracasso e má conduta, o que continua a perpetuar durante toda sua vida estudantil. Segundo Moreira (2000, p.120) “há uma ‘profecia’ de fracasso feita pela Escola e pela comunidade, que é encapada no nível individual”. Por essas crianças pertencerem a um mesmo grupo social, apesar de serem sujeitos com histórias e formação de identidades próprias, muitas vezes são tratadas não só pelo grupo escolar, mas também pela sociedade, como um bloco único e não como indivíduos componentes de um conjunto, o que afeta diretamente toda a sua história estudantil. “… as crianças já chegam na escola com diferentes possibilidades. Tais ‘possibilidades’ estão diretamente relacionadas com o ambiente onde viveram, as experiências que tiveram, a maneira como se alimentaram desde o nascimento, os estímulos que receberam ou não desde bebês, ou seja, a socialização primária. A escola vai tratar a todos por igual. No entanto, elas (de imediato) não são iguais.” (WATANABA, 2003, p.10). A observação trazida por Watanaba(2003), reforça a necessidade de valorizarmos as experiências individuais de cada sujeito, sobretudo na relação escolar.           

Durante a prática investigativa, observou-se que os alunos do CIEP Municipal, são crianças que necessitam de atenção e de serem escutadas. Exemplo disso é a fala de uma das crianças para uma das pessoas do grupo de observação deste estudo: “_ Você vai voltar? Quem é bom nunca volta…”. (sic.,criança, 17/04/2008)            

Em outro momento, uma criança fez uma abordagem com uma necessidade notável de ser ouvida. Quando lhe foi dada atenção, começou a falar sobre os problemas que enfrenta em sua família e que lhe afetam direta e indiretamente.           

Outros alunos também falaram sobre a falta de desinteresse nas aulas de alguns professores e nas oficinas que são oferecidas pela a escola. É provável que esses alunos já possuam um desinteresse prévio para tais conteúdos que lhes são apresentados, pois, segundo Vigotsky (1998) o aprendizado ocorre quando o indivíduo está inserido em grupos diversos e à medida que ele penetra na vida daqueles que estão a sua volta, mas, a maioria dos alunos tende a não ter muitas oportunidades de estar se inserindo tão bem quanto outros devido a sua estrutura familiar e relações. Então, nessa perspectiva de Vigotsky (1998), esses alunos vêm com um aprendizado “a priori”, pois o desenvolvimento de tais alunos tende a ser melhor à medida que a possibilidade do aprendizado e o começo do mesmo sejam anterior  à inserção da criança no convívio escolar.            

Não se sabe ao certo dizer sobre a forma de aprendizagem, se foi sistematizada ou se é de forma escolarizada, que esses alunos tiveram antes de chegar ao CIEP, o que se pode mencionar aqui, é que a grande maioria deles tem pouco contato com os pais (quando têm pai e mãe presentes) já que esses últimos possuem grande parte de seu tempo tomado pelo trabalho, na maioria das vezes agrário e de grande demanda física.           

Em nosso entendimento, qualquer conhecimento que o aluno traz para a escola deveria ser investido de forma positiva, em seu próprio potencial inato, como ser humano que é, e apreendido através de suas experiências prévias e não ser um ser já rotulado sem perspectiva de desenvolvimento positivo enquanto aluno ou enquanto homem.          

É nesse contexto que se configura a problemática da indisciplina dos alunos e um dos espaços que necessitam de uma intervenção afetiva e efetiva, levando em consideração o contexto dos alunos. Assim, talvez fosse positivo, se trabalhar de uma forma na qual não se oprima essas crianças e que o conhecimento seja passado de forma mais clara, levando em consideração suas vivencias anteriores. “É comum também verem a indisciplina na sala de aula como reflexo da pobreza e da violência presente de um modo geral na sociedade…” (REGO apud AQUINO, 1996, p.88). Assim podemos dizer que a falta de oportunidades e suas vivencias junto à sociedade fazem com que esses alunos, já venham para a escola com um comportamento indisciplinar aprendido.           

A pontuação feita por Rego mostra os quantos às pessoas relacionam o problema da indisciplina a vivências junto à família e à sociedade que esses alunos estão inseridos e isso faz com que busquem fatores que determinem esse problema.A disciplina escolar é um conjunto de regras a serem obedecidas, tanto pelos professores quanto pelos alunos para que o ensino e a aprendizagem aconteçam. (TIBA, 2002 apud MIRANDA & FECCHIO, 2004). Portanto, em nosso entendimento, a indisciplina é a transgressão dessas regras que permitem o bom relacionamento entre alunos e professores no meio escolar, interferindo no processo de ensino e aprendizagem.          

A partir das titulações feitas e a busca de fatores, como articula Watanaba (2003), a emissão de vários comportamentos de desajustamento às regras e de indisciplina são, em parte, uma tentativa do aluno se fazer notar pelo professor, mesmo que seja de maneira negativa. A rebeldia do aluno, assim, não é percebida como uma reação defensiva ao ambiente escolar, mas como uma afronta consciente, proposital e pessoal contra o professor. Acreditamos que a necessidade de atenção que os alunos trazem, faz com que os professores sejam tão requisitados, e assim eles repetem os mesmos comportamentos que emitem em casa, na escola.

Sobre os professores           

Seria todo professor um educador? A escolha de ser professor seria por opção ou por necessidade? O que levaria o professor a se sentir desmotivado em sua profissão enquanto docente?Essas são questões que nos deparamos em nossa prática e que de certa forma interferem no trabalho do professor enquanto educador. Percebe-se que a falta de motivação leva a insatisfação profissional, essa insatisfação, por sua vez, afeta a forma de atuação do professor, interferindo direta ou indiretamente na apreensão do conhecimento do aluno.Não se trata, contudo, de encontrar um novo réu: se antes os ‘culpados’ eram a criança e sua família, agora a ‘culpa’ é transferida para o professor. Temos que entender as condições de trabalho e a formação do professor para compreender a qualidade da relação professor-aluno, não só do ponto de vista pedagógico (o quanto ele é ou não competente do ponto de vista técnico), mas também em termos do relacionamento afetivo, interpessoal que ele estabelece com seus alunos (WATANABA, 2003, p.13).

Essas observações nos remetem às palavras de Tiba (2001), citado por Miranda e Fecchio (2004), que diz que os professores precisam ter domínio dos conteúdos e saber transmiti-los, pois, assim, o docente, será capaz de identificar as dificuldades dos alunos e envolvê-los, propiciando-lhes interesse, o que os deixa animados e os tornam mais empreendedores e disciplinados. É importante também salientar que a disciplina não é o ponto fundamental que propicia a aprendizagem, mas antes é preciso abrir espaço e deixar que o aluno tenha voz, se abra, exponha seus conflitos, desejos, dificuldades, proporcionando um ambiente de harmonia. Muitos pais delegam à escola e ao professor a educação dos filhos e estes (escola e professores), por sua vez, não conseguem abarcar toda essa demanda da família.Observaram-se na prática, muitas vezes, a falta de investimento do professor em relação ao aluno.

O comportamento desse aluno, já estigmatizado, e a dificuldade do professor em lidar com isso, muitas vezes é também o que desmotiva aos dois segmentos, tanto os professores, quanto os alunos, pois, quando se fala dessa relação professor-aluno tem-se que levar em consideração que não basta o professor ter domínio daquilo que ele quer ensinar, como também, a forma de se expressar, porque assim, esse aluno passa a ter uma menor dificuldade e, ao ser envolvido com o conhecimento, ele tende a se interessar e a indisciplina diminui. “A criação de novos métodos, adequados às novas maneiras de se colocar os problemas, requer muito mais do que uma simples modificação dos métodos previamente aceitos” (VIGOTSKY, 1998, p.77). Requer uma modificação no sistema. Talvez, uma reestruturação baseada em um modelo onde a palavra possa ser ouvida de todos e por todos seja uma boa saída para a implantação de algo novo, em um lugar onde todos têm voz, é mais fácil contemplar o todo, para isso, a ajuda de uma psicóloga escolar seria bem vinda. De certa forma, espera-se dos professores convidados a trabalharem nesse CIEP Municipal uma atuação especial, já que a proposta da instituição é diferenciada das demais escolas municipais. É preconizado o ensino integral e que oferece além da formação regular, atividades que desenvolvem habilidades profissionalizantes e que exigem maior dedicação e habilidade tanto do professor quanto do aluno.           

A prática investigativa feita no CIEP proporcionou uma visão ampla a respeito da falta de domínio que os professores encontram no papel de autoridade que deveriam ter em sala de aula, levando-nos a constatar, que essa indisciplina tem ligação com a metodologia utilizada pelos professores como forma de controlar a indisciplina. Muitas vezes, os professores tentaram pressionar aos alunos com a nossa presença, com pouco efeito, pois aos poucos o comportamento inadequado voltava a ocorrer.         

Percebeu-se nos professores e profissionais que ali trabalham muita disposição e vontade de conseguir vencer as dificuldades e cumprir com a proposta da escola. Percebeu-se ainda a necessidade de um profissional que pudesse ser o intermediário entre alunos, professores, funcionários e família com a tarefa de, após um diagnóstico bem feito do problema e das carências apresentadas, atuarem na harmonização da relação entre esses quatro segmentos, com a finalidade de se fazer cumprir a proposta da instituição.

Sobre a escola

O CIEP Municipal observado tem em sua proposta pedagógica: O objetivo principal de fomentar a informação, a instrução, o ensino e aprendizagem significativas, através de uma concepção construtivista do conhecimento favorecendo a inserção dos nossos educandos no dia-a-dia das questões sócio-econômico e culturais da comunidade bambuiense. Nesse sentido, a educação integral do CIEP deverá oferecer, de forma permanente, as condições necessárias para as práticas pedagógicas, o exercício da cidadania na construção de uma sociedade democrática, e não excludente, superado os conteúdos científicos. A proposta pedagógica propõe novas alternativas educativas, levando-se em conta a realidade do aluno, suas diversidades e capacidades físicas, econômicas, culturais, emocionais, espirituais e intelectuais. Construir uma escola no presente, com uma visão futurista de seu papel na sociedade, baseada nas experiências do passado revestido de criatividade e inteligência construtivista. (PROPOSTA PEDAGÓGICA 2007-2008, p. 01).             

Essa proposta é bela, porém ainda idealista, uma vez que a instituição não dispõe de profissionais adequados para todas as oficinas, além da dificuldade que os docentes ainda encontram em lidar com os fatores sociais e familiares, trazidos para o CIEP, pelos discentes e que interferem no processo educacional/escolar.           

O CIEP é uma escola que tem apenas 2 (dois) anos e 5 (cinco) meses de funcionamento, e atende do 1º (primeiro) ano ao 9º (nono) ano no núcleo comum do ensino fundamental e oficinas profissionalizantes de reciclagem, práticas industriais, pintura, educação para o lar, música, práticas agrícolas, informática e orientação sexual; e a EJA (Educação de Jovens e Adultos) de 1ª (primeira) a 4ª (quarta) séries. A escola funciona através de parcerias com a Prefeitura Municipal de Bambuí, com o Centro Social São Francisco de Assis e com os Benfeitores Italianos.           

A proposta não tem sido cumprida em sua totalidade, não por culpa ou por falta de alguém, mas por falta de reconhecer e por permitir que problemas como a indisciplina dos alunos seja um obstáculo.             
De acordo com a proposta pedagógica, a escola trabalha com o sistema de escolarização em ciclos. Esse sistema, que tem como uma das características de uma progressão continuada tem como objetivo fazer a prevenção da repetência, trabalhando com estudantes com a mesma idade e ciclo de formação. Este sistema teve sua implantação definitiva em 2003, porém, observou-se que essa implantação não ocorreu na prática.            

Uma das professoras, em seu depoimento, disse que ainda trabalha usando o sistema de séries, avaliando os alunos com pontos, pois estes não entendem o sistema de avaliação dos ciclos. Segundo ela: “_não vou ficar seguindo tudo que o governo manda, senão não dá. O sistema de ciclos é bom, mas não dá, porque os alunos não estão preocupados com a aprendizagem, mas com a nota” (Depoimento oral coletado em 16\04\2008).            

O sistema de ciclos e a LDB (Leis de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) de 1996 que é um documento que regulariza e define todo o sistema de educação brasileiro, colocam como obrigatoriedade os estudos de recuperação para alunos que apresentam um baixo rendimento escolar, mas o que se foi visto nesse CIEP, é que em certos momentos, para recuperar esses alunos, professores tiram os alunos de sala de aula e esse aluno junto à outra professora ou voluntário mirim, discutem sobre o que está falho no aprendizado.           

A escola, durante a realização da prática investigativa, contou com a presença da promotora da cidade, com o objetivo de alertar os alunos sobre seus direitos e deveres perante a sociedade e à escola, salientando o fator disciplina e a questão das faltas às aulas. A presença da promotora nessa ocasião foi solicitada pela secretaria de educação do município não só para visita a esse CIEP, mas às demais escolas municipais de Bambuí.           

Outro aspecto importante é que, como não há psicólogos na escola, os responsáveis por fazerem a palavra circular entre pais-alunos-professores são a diretora e as supervisoras, através da intervenção pedagógica.

Considerações finais
          
A partir da prática investigativa realizada nesse CIEP Municipal, constatou-se que as atividades propostas pelos professores, supervisores e diretora estão em consonância com a LDB/96 e com a proposta pedagógica da escola.           

Com base nas observações, pode-se dizer que o processo de aprendizagem do aluno não depende somente da relação entre aluno e professor, ou seja, de um único fator, mas engloba o contexto familiar, sociocultural, econômico e principalmente, a subjetividade do aluno.            

Pôde-se constatar que cabe à família, mas também ao professor, transmitir e ensinar valores aos alunos, criando uma relação de respeito mútuo e que proporcione o processo ensino-aprendizagem. Assim, é necessário que se repense o sistema educacional e a formação que os professores têm recebido. A disciplina não é uma meta conseguida através de um único fator, mas de todo um sistema de educação, organização e influências às quais os alunos estão submetidos a todo o momento e que interferem no seu comportamento.           

Vale ressaltar também que é espaço do psicólogo, através de seus métodos de intervenção, atuar no âmbito educacional-escolar, fazendo a palavra circular e integrando família-comunidade-escola, favorecendo as relações interpessoais e o desenvolvimento do sistema escolar, e, também, intervenções no contexto educativo, através dos professores-educadores, trazendo assim, benefícios para o processo de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos.

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