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Filmes e Psicanálise

Nesse texto convidei meu grande amigo, parceiro de atividades e colega, Eduardo Honorato*, para colaborar e juntar esforços aqui. Eduardo mantém uma coluna onde fala sobre filmes, com um recorte a partir da psicologia, em uma revista impressa do campo psi.

Já tivemos algumas oportunidades, onde escrevemos juntos, alguns textos a respeito desse tema, tarefa que une duas paixões que temos em comum: a psicanálise e o cinema. Muitos autores escrevem e pesquisam sobre essa prazerosa tarefa, de olhar para uma película cinematográfica com olhos analíticos, sempre temos excelentes ganchos para fazer a partir desses recortes.

Pesquisando sobre essas obras entramos em contato com uma vertente que tem feito grande sucesso fora do Brasil e que se chama Cinema Therapy, muito interessante. Aqui no Brasil tem sido chamada de “Cinematerapia”. O que há de diferente nela? Ela inverte a forma como geralmente utilizamos os filmes no campo psi, propondo o uso deles como técnica de mobilização e elaboração de conteúdos. Resolvemos nos aprofundar no tema e tem sido algo de muito interessante o que tem se descortinado para nós em termos de algum saber já construído a partir dessa perspectiva.

Começamos a pensar que a psicanálise tem uma técnica onde a utilização do filme para elaboração ou mobilização poderá ser, sempre, bastante bem utilizada. Partindo das associações livres, teremos um caminho bastante fecundo, assim pensamos e estamos empreendendo nossas pesquisas.

Ver um filme é sempre uma tarefa que nos envolve, não temos dúvida quanto a isso, pode-se variar o gosto pelo gênero, mas estando em acordo com essa predileção, sendo um filme bem construído, dificilmente o espectador passará sem nenhuma emoção pela recepção dos estímulos oriundos do ato de se deixar invadir pelas sensações do filme. Estabelece-se ali nesse evento, uma suspensão temporária de vários atos e estímulos, privilegiando um vínculo onde nossos conteúdos se agregam ao que vem como estímulo a partir da construção cinematográfica. Quem de nós não experimentou alguma vez, a sensação de acabar de ver um filme jurando que ele mudara um conceito que antes trazíamos como certeza inabalável? Quem de nós já não saiu de uma sala de cinema absolutamente emocionado por aquilo que assistiu na tela? Sensações despertadas e acolhidas por nosso psiquismo, transformadoras, maioria das vezes, mesmo quando o impacto é somente via a estética rara que uma bela cena cinematográfica pode conter, como é o caso de muitas das cenas dos filmes do genial diretor Akira Kurosawa. Há uma cena em um dos seus filmes que consideramos pura linguagem poética, encontra-se em sua obra “Rapsódia em agosto”, quando de uma tempestade no final do filme, onde a personagem da velhinha que conta a história que atravessa o filme, sobre o dia das bombas de Hiroshima e Nagasaki, frente a um estado confusional, ela sai correndo pensando se tratar novamente das bombas e todos seus netos saem correndo atrás dela , enquanto seu guarda-chuva aberto se retrai e ela corre em seu desespero, segurando-o sem que ele possa impedir a chuva que a castiga, mostrando a fragilidade da sua proteção. Bela cena, não há palavras que possam dar conta da força emocional que contém. Nos coloca frente a toda sensação de desamparo e angústia que atravessamos frente àquilo que não podemos conter, dar conta, minimizar enquanto sofrimento psíquico. Ou ainda encontraremos imagens belíssimas em uma outra grande obra desse diretor chamada “Sonhos” que nos levará a emoções impensáveis. Diretores e seus filmes que nos tocam de maneira particular em nossas emoções mais escondidas, como Carlos Saura, Bertolucci, Bergman, o fantástico Luis Buñuel, Claude Lelouch, as comoventes denúncias de Costa Gravas, as “viagens” solidárias de Spielberg, a ternura surpreendente de Clint Eastwood ou Sean Pean na direção. São tantos os filmes e diretores que podem e devem ser citados. Difícil tarefa essa, impossível resultar justa.

Para o psicanalista que trabalha com a possibilidade de indicar filmes, que acha razoável essa “intromissão”, que pode percebê-la enquanto parte de uma tarefa de interpretação, pensamos que se deva ter uma possibilidade de se deixar “invadir”(transbordar) durante a sessão analítica pelo título de algum filme a que o material da associação livre o estiver remetendo.

Obviamente que para pensar nessa possibilidade estamos partindo d crença de que seja esse psicanalista, também, um apaixonado por cinema. Pensamos que essa tarefa inclui a energia do afeto, em toda compreensão que esse conceito tem para psicanálise, essa energia que se liga, que promove cadeias associativas, que no caminho da contra-transferência possibilita a existência do par analítico.

Dar um nome para essa prática que muitos já utilizam em sua clínica há muito tempo, nos faz lembrar da importância que Lacan sublinha ao se nomear o objeto, o quanto isso direciona e diminui a incerteza e sua conseqüente angústia. “O ato de nomear evoca a metáfora e seu efeito significante”.(A)

Procuramos com algumas leituras que fizemos a partir de diferentes modalidades de filmes, sublinhar emoções que julgamos abordadas neles. Dessa forma fazemos um convite para que se acesse por semelhança ou por discordância, os afetos despertados pelo contato com a temática do filme.

“Basta procurar na Internet para obter contato com os trabalhos dos Drs Offer Zur, M. Boyd, David J Robinson, Jan G.Hesley, Glen O. Gabbard (já renomado no meio psi analítico), E. Ann Kaplan , passando por alguns especialistas, como Todd McGowan, Sérgio Telles, e é claro, Gary Solomon. O espaço virtual permite aproximações antes impensáveis. Todos estes autores dedicaram diversas obras a este tema. Buscamos nessas análises uma facilitação de insights e tendo em vista a convicção de que essa tarefa não substitui a psicoterapia, quando essa se torna necessária. Podemos pensar que estes exercícios podem, algumas vezes, dar um bom “start” para a busca de um trabalho pessoal mais aprofundado, via uma psicoterapia ou psicanálise”.(B)

Dentro da prática da cinematerapia encontraremos diversas possibilidades e modalidades de uso, isso será explicado em publicação que brevemente estaremos divulgando. Escolhemos um trecho para exemplificar o que falamos, quando abordamos essa tão intrigante forma de perceber o filme, como um colaborador dentro de um processo psicoterápico ou psicanalítico.

Filme: Na Natureza Selvagem (Into the Wild – (EUA): 2007)

“A verdadeira alegria só existe quando é compartilhada”

Dirigido por Sean Peann

Filme encantador, de uma beleza que não reside nas paisagens mostradas, nos lugares percorridos pela personagem, embora todos esses fatos mereçam destaque. A beleza desse filme pode ser resumida nessa frase final que destacamos no início do texto. Filme que fala da natureza humana em uma extensão impensável, mais do que quaisquer outros aspectos que são tocados ao longo do filme, e são muitos os aspectos tocados, a natureza dos vínculos é seu ponto forte, segundo nossa leitura sobre ele.

Sublinha o inferno e a alegria que os vínculos nos trazem, fonte do pior sofrimento e do maior prazer, segundo Freud. Lindo, comovente, “impactante” mesmo. Daquele tipo de filme que ao terminar fica-se com a certeza de que alguns filmes são capazes de mudar vidas. Sabê-lo baseado em fatos reais, torna-o ainda mais tocante.

Conta a história de um rapaz de 23 anos(na vida real Christopher McCandless representado pelo ator Emile Hirsch) que no início da década de 90 decide empreender uma viagem pelos Estados Unidos, traça como meta chegar ao Alasca, sua idéia é despir-se da cultura e suas imposições sociais e entrar em contato com a natureza selvagem. Mais do que perceber o conteúdo dessa intenção, a beleza reside em seu trajeto e principalmente nas relações que estabelece ao longo de sua caminhada. Percurso humano que pulsa e grita através das várias personagens com as quais ele vai construindo um invejável traçado de afeto. Um rapaz peculiar dotado de um conceito de justiça e ética, quase angelical, cruel com suas lembranças, e sábio em seus novos vínculos. Oriundo de uma conturbada família, descobre segredos sobre ela, sobre as bases que a constituíram, que o levam ao inferno de suas emoções, tudo isso é narrado ao longo do filme pelas memórias de sua irmã, sobrevivente a toda trama familiar. A narrativa se entrelaça com suas vivências em sua caminhada rumo ao Alasca, feliz maneira que Sean Penn escolhe para nos apresentar sua temática. Direção poética encontramos nesse filme, surpreendente Sean Penn que igualmente à descoberta que vemos a respeito da direção de Clint Eastwood(As Pontes de Madson – 1995, onde o descobrimos), nos mostra uma face de possibilidades múltiplas de um ser no mundo. Segue essa trajetória nossa personagem Christopher, comovente ser em angústia e alegria, isolamento e vínculo mais afetivo e completo que possa ser possível, baseado na crença de que partirá, no como está sempre chegando e partindo, se lança em direção ao vínculo com toda a potência de vida. Belo aprendizado que culmina na relação que desenvolverá, quase ao final do filme, com o solitário Ron Franz(Hal Holbrook ).(texto completo no link B)

Esse filme é belíssimo e nos mostra bem como podemos ser tocados por uma história, nessa aqui narrada, baseada em um caso real, que mobilizará complexos e intensos insights a respeito de nós mesmos e das relações que estabelecemos com o nosso meio. Escolhemos colocar pequeno trecho da nossa análise sobre ele, para exemplificar o que falamos. Vê-lo, entrar em contato com sua narrativa, poderá despertar em cada um de nós, inúmeras sensações e sentimentos, caminhos abertos para o acesso a conteúdos importantes e que nos colocam em contato com as nossas operações psíquicas. Não podemos deixar de pensar em um caminho trilhado nesse sentido, não somente aleatório e ocasional, mas também sistematizado e buscado no processo analítico, quando em uma leitura, isso se mostrar viável.

Nosso convite então está erguido no sentido de somarmos experiências sobre esse tema, como já dissemos anteriormente, sabemos que esse é um caminho já bastante explorado por diversas linhas dentro da psicologia e por alguns psicanalistas. Mas no momento, pesquisar a respeito da sistematização dessa possibilidade tem sido nosso interesse e paixão.

Temos notícias de muitos grupos que já desenvolvem encontros onde os filmes são utilizados nesse sentido, para discutir e elaborar questões envolvidas em obesidade, dependência química ou afetiva, depressão e muitos outros temas.

Convidamos quem queira a nós se juntar nesse sonho, nesse projeto tão emocionante e estimulante. Trocar idéias e experiências, pensar juntos nas inúmeras possibilidades oferecidas por esse instrumento, dentro de uma possível leitura em psicanálise. Aqui nesse espaço, poderemos começar a construir esse intercâmbio.

– o – o – o –

*Eduardo J. S. Honorato – Psicólogo, Psicanalista. Participou de alguns cursos e eventos em “Cinematherapy” em instituições americanas.

Links consultados:

A – http://www.spid.com.br/artigos.htm

B- http://www.cinematerapia.psc.br/home.php

C- http://saude.abril.com.br/edicoes/0287/bem_estar/conteudo_243736.shtml

D- clique aqui

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