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Depressão e Neoliberalismo

Introdução

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) a depressão é um fenômeno cada vez mais constante. Atribuí-se a ela, um conjunto de alterações comportamentais, emocionais e de pensamento, com distúrbio do humor e ou anedonia (perda ou diminuição do interesse pela vida).

Este trabalho propõe-se a analisar e discorrer a cerca da depressão no mundo contemporâneo e sua relação com o neoliberalismo, através de um referencial psicanalítico, exposto no texto complementar, “Depressão e o Neoliberalismo: Constituição da Saúde Mental na Atualidade”.            

Através de vários autores, procurou-se especificar a depressão e mostrar a sua relação com os aspectos relevantes que o neoliberalismo propicia para aflorar este quadro.                     

Desenvolvimento

Depressão, segundo alguns autores é um tipo de enfermidade mental que apresenta uma diversidade de sintomas, como quadros de estados de desânimo, diminuição da auto-estima, insônia, perda da autoconfiança, prejuízos na capacidade cognitiva (atenção, concentração, memória), relações interpessoais dificultadas, sentimento de vazio, sentimento de solidão e idéias suicidas, entre outros.            

A Depressão, seja leve, moderada ou grave, será sempre incapacitante em algum grau, principalmente se considerarmos a duração dos sintomas. Ao longo do tempo os sintomas depressivos podem provocar desdobramentos complicados e desgastantes para a família e para a pessoa.            

Quando aparece um quadro depressivo na família, geralmente esta se desestrutura bastante. A tendência inicial é querer ajudar o indivíduo a reagir; ora acreditando que essa reação depende da vontade da pessoa deprimida, ora propondo medidas bem intencionadas e completamente ineficazes. Com freqüência dentro das famílias ou mesmo entre um casal existe uma série de crenças populares, que depreciam a pessoa com depressão, tais como a falta de vontade, uma fraqueza psíquica ou coisas assim.            

Apesar de serem poucos os trabalhos sobre indicativos, variáveis clínicas e sociais que levam os portadores de Transtornos Afetivos a apresentar maus ajustamentos sociais, a constatação de que isso acontece parece ser unânime. As principais esferas atingidas pelos Transtornos Afetivos estão nas áreas de trabalho e relacionamento interpessoal, com 1/3 dos pacientes apresentando desempenho ruim tanto no trabalho quanto no ajuste em outras áreas (Tsuang,1980).            

A falta de desejo sexual pode comprometer uma relação na medida em que o (a) parceiro (a) sente-se deixado de lado, ou pior, suspeita de não estar mais sendo amado ou que pode estar sendo traído. Quando sozinha (ou solteira) a baixa da libido pode impedir a pessoa com depressão de começar qualquer relacionamento novo, principalmente porque, além da Disfunção Sexual, estará presente também uma baixa auto-estima.            

Adriana Tucci verificou que, de um modo geral, o papel sexual, tanto para pessoas casadas quanto para as não-casadas, foi o item que encontrou piores resultados adaptativos, com alta proporção de sujeitos com ajustamento ruim. Interesse em arrumar trabalho também teve alta proporção de pacientes com desempenho ruim, assim como foram ruins os interesses em adquirir informações, seguido pelo isolamento social.                     

Entretanto, a banalização da depressão gera a necessidade de se diagnosticá-la e defini-la de maneira mais clara, ou seja, muito se fala sobre, e até se nomeia, como doente, mas faz-se necessário, estudo, análises e discussões adequadas para não colocá-la em uma esfera generalizada, onde qualquer manifestação de tristeza teria correlação direta com este quadro. O que traria mais ônus para a saúde, como medicamentos e terapias.            

Contudo, uma sociedade que prioriza o TER em detrimento do SER, qualquer comportamento, atitude, que fogem desse estereótipo, corre o risco de ser banido e/ou pouco valorizado. Assim, esta tristeza deve ser eliminada e para isto há um arsenal de medicamentos e terapias para combater “este mal do século”.             

Para a perspectiva psicanalítica, é importante ater-se as causas e não somente aos sintomas, para uma melhor compreensão e tratamento da depressão. Todavia não se pode perder de vista que a contemporaneidade poderia estar potencializando o aumento dessa patologia.            

Se o modo como à sociedade se organiza influencia na saúde mental dos indivíduos, (Fromm, 1979 e Guinsberg, 2001), o sistema econômico vigente, a saber, o Neoliberalismo, poderia estar contribuindo para o aumento de quadros de depressão.            

Através do texto percebe-se que este sistema induz as pessoas a comportamentos de auto-suficiência, autocontrole, tornando-se um ser que se basta, onde o outro seria, portanto, um obstáculo, fragilizando, desse modo, as relações sociais, que se tornariam superficiais (Guinsberg, 2001 e Sennett, 1999). Contudo, o homem adquire uma espécie de liberdade negativa, que geraria a sensação de desamparo (Figueiredo, 1991), decorrente da manutenção dos seus próprios interesses, em detrimento dos outros. Este investimento libidinal, no entanto, favorece o aparecimento das patologias narcísicas, entre as quais se situaria a depressão (Maia 2001), uma vez que faz o indivíduo regredir a um estágio infantil, onde o sentimento de desamparo e falta de proteção, leva-o a recorrer a mecanismos de defesas para se evitar o aniquilamento, criando assim, a sensação de onipotência (Freud, 1973). Sendo um ser onipotente que, portanto se basta, o mundo externo pouco recursos apresentaria para o “sustento” de suas demandas.            

Podemos encontrar então, correlação entre a depressão e o sistema econômico vigente, uma vez que ambos favorecem esta regressão narcísica, promovendo no sujeito um isolamento social, buscando resolver sozinho seu problema, pouco falando sobre si mesmo, para evitar críticas e rejeições, contribuindo deste modo, para o investimento da libido em si mesmo.             

Mas, se todo sujeito apresenta conflitos, como lidar com estes, numa sociedade que prioriza a imagem de felicidade e satisfação individual constante? Segundo Bock, (1999), a identidade dos indivíduos encontra-se em crise, com o não reconhecimento de si mesmo (quem eu sou?) levando, pois, ao surgimento de sentimentos de vazio, tristeza, melancolia, que muitas vezes tornam-se embutidos no rótulo da depressão.            

A fragmentação na qual vive o sujeito é outro aspecto importante, relatado no texto, que contribui para esta patologia. Fragmentação do tempo, do conhecimento, do espaço e de si mesmo, ou seja, a vida acaba sendo inserida em instantes, na efemeridade do tempo, com pouca capacidade de análise e entendimento sobre os aspectos gerais do cotidiano e sobre si mesmo (autoconhecimento).            

Para Freud, a depressão derivaria da perda do objeto investido de libido levando o ego a iniciar um processo de luto a fim de elaborar esta perda, no entanto, esta libido ao invés de se deslocar para outro objeto, investe no ego, que se identificando com objeto abandonado, provoca uma mudança estrutural passando a ser tratado pelo superego como se fosse um objeto internalizado.                

O neoliberalismo ao atribuir responsabilidade ao individuo, contribui para que os reflexos no psiquismo apareçam. O superego, representante das normas que regem a sociedade, adquire então, um sadismo e crueldade demasiados, exigindo o cumprimento do ideal cobrado por este sistema, culpando unicamente o ego caso não cumpra tais expectativas. Desse modo, segundo Fenichel (1981), o ego subjugado e obedecendo ao superego, sofreria retaliações e sentir-se-ia abandonado, desamparado.            

No entanto, o sistema neoliberal, não cria a depressão, mas propicia o seu afloramento, no momento em que fornece condições para que o sujeito seja por ela acometido, uma vez que há uma fragilização e um sentimento de desamparo no sujeito, prejudicando suas relações de um modo geral.           

Interessante percebermos que o quadro da depressão afeta entre outros aspectos, as relações que o sujeito mantém e que uma das medidas adotadas para o seu tratamento é o resgate desse sujeito com o social. Um questionamento que podemos ter então é como buscar formas e medidas, para que o neoliberalismo, não afete o psiquismo do sujeito a ponto de ser mais um propiciador da doença. Certamente há de se ter muitas discussões e busca de ações para esta problemática.     

Conclusão                         

A maior conseqüência da depressão é a restrição ou impossibilidade de o indivíduo realizar atividades e/ou manifestar comportamentos esperados em contextos sociais definidos. A incapacidade compromete diretamente a qualidade de vida em suas várias dimensões, desde o cuidado de si mesmo, o nível de autonomia e até o desempenho na vida familiar, social, profissional, afetiva e religiosa.            

Stella Jimenez (1997) diz, fundamentada nos escritos de Freud, que de certa maneira a depressão é o contrário de um luto, pois o luto é um trabalho espontâneo do simbólico. Na depressão trata-se de um luto congelado, eternizado pela falta de trabalho de elaboração. O sujeito não se quer  referenciar na perda – não quer se reconhecer como sujeito faltoso.             

Por estar fixado a um desejo irrealizável, qual seja a recuperação do objeto perdido, toda a sua ação fica limitada, tendo todo seu espaço mental tomado e girando em torno disso; o desaparecimento da motivação, decorre do fato de não conseguir realizar seu desejo, qual seja recuperar o que perdeu. Esta situação pode levar o indivíduo a um imobilismo, sem choro e sem queixumes. Sentimentos de culpa, auto-acusações, agressão ao meio ambiente e auto-agressões, na forma máxima, através do suicídio são os outros elementos importantes na depressão.             

A causa exata da depressão permanece desconhecida. A explicação mais provavelmente correta é o desequilíbrio bioquímico dos neurônios responsáveis pelo controle do estado de humor. Esta afirmação baseia-se na comprovada eficácia dos antidepressivos. O fato de ser um desequilíbrio bioquímico não exclui tratamentos não farmacológicos. O uso continuado da palavra pode levar a pessoa a obter uma compensação bioquímica. Apesar disso nunca ter sido provado, o contrário também nunca foi.            

Eventos desencadeantes são muito estudados e de fato encontra-se relação entre certos acontecimentos estressantes na vida das pessoas e o início de um episódio depressivo. Contudo tais eventos não podem ser responsabilizados pela manutenção da depressão. Na prática a maioria das pessoas que sofre um revés se recupera com o tempo. Se os reveses da vida causassem depressão todas às pessoas a eles submetidos estariam deprimidas e não é isto o que se observa. Os eventos estressantes provavelmente disparam a depressão nas pessoas predispostas, vulneráveis.      

Exemplos de eventos estressantes são, perda de pessoa querida, perda de emprego, mudança de habitação contra vontade, doença grave, pequenas contrariedades não são consideradas como eventos fortes o suficiente para desencadear depressão. O que torna as pessoas vulneráveis ainda é objeto de estudos. A influência genética como em toda medicina é muito estudada.    

Trabalhos recentes mostram que mais do que a influência genética, o ambiente durante a infância pode predispor mais as pessoas. O fator genético é fundamental uma vez que os gêmeos idênticos ficam mais deprimidos do que os gêmeos não idênticos.            

Fazendo uma correlação com o neoliberalismo, percebe-se que a fragilização nas relações, que este sistema impõe, de o sujeito ser auto-suficiente, propicia mecanismos possíveis para a eclosão da depressão, entretanto, uma vez que o sujeito encontra-se inserido no social, não há como se desvincular desse meio, ninguém se basta por si mesmo, posto ser dependente em maior ou menor grau desse contexto. Esta poderia ser então, mais uma das causas para o aumento no quadro depressão, exigindo do sujeito algo que ele próprio não poderia bancar, ou seja, isolamento social a fim de manter seus interesses e objetivos.            

Através do texto percebeu-se a importância de se compreender a ideologia neoliberal e sua relação com a depressão, a fim de termos mais subsídios para uma atuação geradora de transformação social, não somente aos profissionais de psicologia, mas também de outras áreas afins, a cerca da história e do contexto no qual o homem está inserido e as angústias que poderiam advir.            

Há de se pensar, portanto, em formas e recursos para a diminuição dos altos índices de depressão na população, com políticas públicas e ações eficazes e eficientes.    

Referências

CAMBAÚVA, Gama Lenita & JUNIOR, da Silva Cardoso Maurício. Depressão e o NEOLIBERALISMO: Constituição da Saúde Mental na Atualidade. Psicologia, Ciência e Profissão 2005; 25(4): 526- 535.

JIMENEZ, Stella. In: Goldin, Alberto. Freud explica. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. TUCCI MA, KERR-CORRÊA F, DALBEN I – Ajuste social em pacientes com Transtorno Afetivo bipolar, unipolar, distimia e depressão dupla. Revista Brasileira de Psiquiatria. v.23 n.2 São Paulo jun. 2001.

TSUANG MT, WINOKUR G, CROWE RR. Morbidity risks of schizophrenia and affective disorder among first degree relatives of patients with schizophrenia, mania, depression and surgical conductions. Br J Psychiatry 1980;137:497-504. ZIMERMAN, David E.- Fundamentos Psicanalíticos, teoria e técnica- ArtMed-Porto Alegre, 1999          

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