RedePsi - Psicologia

Colunistas

Logoterapia: Uma Introdução

Ao contrário da filosofia, nas demais disciplinas temos forçosamente algo a assimilar: em matemática – axiomas, postulados, uma seqüência lógica de teoremas; em física, em ciências naturais, em história etc. – um conjunto de fatos que procuramos explicar de modo racional. Em filosofia não é assim, apesar de também termos que reter algumas das idéias dos grandes filósofos.

Em primeiro lugar: Para que serve a Filosofia?

Ao contrário da filosofia, nas demais disciplinas temos forçosamente algo a assimilar: em matemática – axiomas, postulados, uma seqüência lógica de teoremas; em física, em ciências naturais, em história etc. – um conjunto de fatos que procuramos explicar de modo racional. Em filosofia não é assim, apesar de também termos que reter algumas das idéias dos grandes filósofos.

Entretanto, ninguém é obrigado a pertencer ou aprovar alguma dessas idéias. Aliás, nenhum sistema filosófico obteve, até hoje, concordância unânime dos estudiosos. Tomás de Aquino e Karl Marx são filósofos relevantes, entretanto, seus sistemas são antagônicos. Esperar-se da filosofia um conjunto de conhecimentos plenamente elaborados, bastando adquiri-Io, será uma decepção.

A filosofia não nos dá um saber, nem propõe uma arte de viver ou uma determinada moral. Melhor dizendo, os sistemas nela encontrados são tão variados quanto o número de seus autores. É impossível estabelecer ao homem um conjunto único de regras de conduta. Em filosofia não existe a "verdade" da mesma ordem de um teorema ou de uma lei física.

Os sistemas sucedem-se no decorrer da história. Quando um filósofo refuta aquele que o precedeu seguramente também será refutado. Nenhuma filosofia pôs termo à filosofia, ainda que seja este o desejo oculto de todo novo sistema filosófico. O filósofo é como um artista, cada qual possui seu estilo de ver-o-mundo (Weltanschauung). Um sistema filosófico não é nem mais nem menos do que seria um concerto para piano e orquestra.

As discussões dos filósofos não devem conduzir a um ceticismo estéril, mas, ao convite em nos debruçarmos sobre os problemas levantados, e pensarmos por conta própria. As teorias filosóficas valem, em princípio, menos pelo seu conteúdo, e mais por oferecerem material de reflexão.

A filosofia não é a sofia (sabedoria) mesma, senão a busca por essa sofia. Em outras palavras, a essência da filosofia é a procura do saber e não a sua posse. Infelizmente, vez por outra, num gesto de traição, este saber se degenera em dogmatismo, sendo colocado em fórmulas, de modo completo e definitivo. Isso não é o filosofar.
 
Filosofar é estar a caminho de; as perguntas são mais importantes que as respostas e cada resposta transformar-se-á em nova pergunta. A humildade filosófica consiste em dizer que a verdade não pertence mais a mim que a ti, mas que é uma possibilidade diante de todos nós.

A consciência filosófica não possui um saber absoluto, nem está presa a um ceticismo irremediável. Ela é inquieta por natureza, e percorrendo o caminho do meio, deverá dirigir-se sempre à procura de uma verdade para a qual ela se sente talhada.A re-flexão é uma espécie de movimento de volta a si mesmo executado pelo espírito que coloca em pauta os conhecimentos que possui.

A experiência de vida nos traz uma multidão de impressões, enquanto que a prática de uma especialidade, como o conhecimento científico, nos traz no­ções mais completas e precisas. Todavia, por mais rica que seja a nossa experiência de vida, e por mais completos que sejam nossos conhe­cimentos científicos ou técnicos, nada disso atua como filosofia. Ser filó­sofo é refletir sobre este saber, interrogar-se sobre ele. Definir a filosofia como re-flexão é vê-la como um metaconhecimento, ou seja, um saber do saber.O universo intelectual em que vivemos hoje é infinitamente mais complexo que o dos contemporâneos de Sócrates.

O espírito da re­flexão filosófica não mudou, mas a sua matéria enriqueceu-se sobremaneira. O filósofo não pode ignorar o de­senvolvimento das ciências e das técnicas, que constitui atualmente um material precioso para suas reflexões. Alguns se especializam, por exemplo, em filosofia da mente, da biologia, da física, da química, do direito, da economia, da medicina veterinária, do lazer, das artes, e por aí vai.

Refletir filosoficamente sobre a ciência é interrogar-se sobre seus resultados, seus métodos, seus fins. Por exemplo: Qual é a natureza do conhecimento científico? Ele atinge o real em profundidade ou apenas em fórmulas práticas e símbolos operacionais? Todavia, a reflexão filosófica vai muito além e desnuda questões que a ciência ignora.

A ciência se ocupa em explicar os fenômenos naturais ligando-os por leis inteligí­veis, por fórmulas matemáticas. Assim se explica porque, numa dada experiência, ocorreu determinada coi­sa e não outra. Mas há outra questão, muito mais geral, da qual a ciência não trata. A filosofia não é nem saber e nem poder. Estamos hoje subjugados ao poder da tecnologia, a tecnocracia.

Um tema familiar nos dias atuais é o do técnico "apren­diz de feiticeiro". O terrível perigo do desenvolvimento das armas nucleares, assim como os perigos da robotização pela mecanização de nossa existência, evidencia que a técnica não substitui a sabedoria, do mesmo modo que a ciência não substitui a filosofia.

A tecnologia ensina-nos a nos servirmos das coisas. Mas saberemos para o quê nos faremos servir? A tecnologia só fornece meios de ação ao homem. Ela emudece quanto aos fins que devem guiar nossa conduta. Hoje, mais que antes, o esplendor dos poderes huma­nos, sobretudo os de destruição, radiografa tragicamente a ambivalência dos nossos de­sejos.

Somente a filosofia traz à tona os valores e seu significado. A partir deste prelúdio, convidamos nosso leitor a despertar para o exercício de sua capacidade em atingir o metaconhecimento, e ponderar, junto a nós, sobre os registros factuais que tristemente garimpamos nesta matéria. 

 
II. A geração do pós-guerra
 
Mesmo em nosso país, onde não há focos declarados de guerra, sobrevivemos por mero acaso. Há uma violência urbana e rural civil, policial, e até militar, sem precedentes na nossa história.

Um exemplo: a quantidade de assassinatos praticados entre São Paulo e Rio de Janeiro, por dia, chega a fazer sombra em regiões do planeta onde há guerra militar oficial. Nosso estado de espírito não é mais saudável ou otimista do que daqueles europeus que acabavam de sair da II Guerra Mundial, e que tiveram seus países ocupados pelo Nazifascismo. Uma vista panorâmica da problemática européia vivida durante a primeira metade do século passado, revela-nos uma seqüência de desordem, violência e extinção.

De início, a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), logo depois, o caos econômico-financeiro dos anos 29-30; os expurgos dos processos de Moscou em 1936; a Guerra Civil Espanhola (1936-1939); a defecção da democracia liberal-burguesa diante de Hitler em Munique (1938); os massacres e destruição de populações inteiras na Segunda Guerra Mundial (1939-1945), culminando nas suas experiências históricas com os nocautes cientificamente controlados de Hiroshima e Nagasaki.

Quem nasceu nos vinte anos seguintes a esse grande cogumelo final, portanto, até 1965, é conhecido em língua inglesa como baby boomer, período em que houve um significativo aumento da taxa de natalidade, daí a expressão boom, tanto nos EUA, como na Europa. Falando em nome de toda a geração do pós-guerra no planeta, crescemos sob intenso padecimento psíquico, quase que ininterrupto, por exemplo, sob o impacto da tensão da "guerra fria" entre os dois grandes blocos de poder, EUA e URSS – como, no episódio da Revolução Cubana, quando estivemos prestes a um suicídio nuclear.

Este clima criado sob as relações leste-oeste teve um ícone monstruoso, o muro de Berlim, que se manteve em pé de 1961 até 1989, quando de sua queda. Nesta altura um precoce baby boomer já estava com 45 anos de idade. Há quem considere o período de 1946 até a que da do Muro em 1989, como sendo a Terceira Guerra Mundial – a citada "guerra fria".

Ao mesmo tempo, presenciamos os intermináveis focos de guerra declarada: na Coréia do Norte, a tragédia sem par do Vietnã, e vimos presenciando, a luta dos palestinos por um território, os choques sangrentos em Israel, o terrorismo internacional de organizações, como o narcoterrorismo das FARC colombianas, o IRA dos irlandeses, a ETA dos bascos, al Qaeda dos árabes, todos movidos pela vontade de poder e justiça unilateral, seja pela supremacia territorial, política, econômica, ou religiosa. Esta última alimentando grupos radicais a promoverem confrontos internos e externos. O terrorista comum que a sociedade mundial sempre execrou, é transformado hoje em herói de guerra.

Não discutimos suas razões, mas condenamos peremptoriamente seus meios. Estes atos de destruição vão atingir os USA em sua “própria casa”, pela segunda vez (a primeira, em Pearl Harbor, 1941), no onze de setembro em Nova Iorque. Como era de se esperar, vieram, as retaliações perpetradas pelos norte-americanos, com objetivos mal explicados, como a pulverização bombástica do Afeganistão, a invasão e tomada do poder no Iraque… e tanto mais que podemos dizer que vivemos sob Guerras Eternas.Claro está que somente citamos, com maior veemência, os fatos recentes mais marcantes, que rasgaram feridas enormes entre grandes potências, como países da Europa Ocidental, a ex-URSS, os USA, Israel, parte do mundo árabe.

Seria absolutamente impossível inventariarem-se todas as guerras, guerrilhas, atentados etc., ocorridos desde 1945. Talvez, nem mesmo as grandes agências internacionais de Inteligência conseguiriam fazê-lo. Também é fácil notar que somente os vitoriosos nas guerras é que ganham os noticiários, os livros, os filmes, as teses acadêmicas, etc., que são lembrados enfim. Nossa posição nesse artigo é realizar uma epoché fenomenológica, não tendenciosa, vale dizer, avessa às ideologias. Além disso, concentramo-nos no homem e não em uma nação.

Quanto à questão da violência, é bom lembrar que ela existe em múltiplos níveis. Em se falando de guerras e guerrilhas, estamos no nível tanático, propriamente dito, mas, e a violência psicológica, moral, contra minorias regionais, contra as mulheres, crianças e idosos? – a violência econômica, promovendo uma distribuição de renda perversa? – a violência dos assédios em geral? – a violência de governos ditatoriais que massacram seus opositores? – e os genocídios étnicos?

Acrescentemos aqui, a microviolência do cotidiano nas grandes metrópoles, que nos consome insidiosamente, e sem que nos apercebamos disto. Nossa alma é corroída pelo estresse crônico e cáustico, levando-nos a patologias física e mental. Isto tudo é matéria vasta para os cientistas sociais e políticos, e também para os paleontólogos e arqueólogos, pois a história da humanidade é profundamente marcada por uma violência banal e letal.

Assim, a Europa e o mundo em geral contemplaram:  (a) o aceleramento industrial cada vez mais rápido e interminável;(b) uma profunda revolução científica seguida de uma tecnologia inimaginável;(c) os problemas inerentes a uma urbanização desmedida, mal locada, com riscos ao planeta, levando a uma preocupante visão naturalista do homem;(d) o florescimento de uma filosofia econômica, social e política que subordina o homem, como indivíduo, ao bem-estar do grupo, sociedade ou Estado.

O resultado do que foi assinalado é a problematização de todos os velhos valores e do próprio sentido da vida; o sentimento do homem de que estava enganado sobre si mesmo e sobre sua autêntica natureza. O homem ficou reduzido a uma engrenagem a mais de um mecanismo gigantesco; sua importância é a de uma pequeníssima parte de um todo. Assim, perde o homem o sentido de seu significado e de sua importância como indivíduo, bem como sua identidade física e metafísica.

A busca da base para a filosofia existencial consiste em "ver-o-mundo" do ponto de vista da existência humana. E se situar a experiência do homem no centro do quadro, opondo-se veementemente à tentativa de explorar o mundo dos objetos e das essências, prescindindo do homem. Sua estrutura de referência tem que ser o homem, tal e como ele existe, e na sua dimensão interna: com seus temores, esperanças, desejos e angústias.

Distanciando-se dos valores espirituais.Partimos, pois, da realidade humana, o que não equivale a reduzir toda a filosofia à existência, mas somente a se propor todos os problemas a partir da existência humana. Por exemplo, as perguntas: O que é o homem? O que é o mundo? O que significa Deus? O que devo fazer? O que me é lícito esperar?

Todas elas receberão uma resposta que depende da idéia que formamos da nossa existência. Podemos perguntar: E isto com que direito? Por que situar a existência humana no ponto de partida da filosofia e da vida? Por que não partimos do mundo, ou do divino, ou de qualquer outra coisa?

A resposta é concludente: Porque a existência humana é um fato primordial; mais ainda: é o fato por excelência, sem o qual todos os demais fatos sequer serão fatos. Não se trata de partir de uma hipótese mais ou menos verificável, mas de algo indubitável: a experiência inegável da existência que me constitui. Se eu não disponho desta experiência não poderei realizar nenhuma outra experiência nem poderei constatar nenhum outro fato. Por isso, posso dissipar as quimeras da imaginação ou o cálculo da lógica, dados como autênticas realidades, mas que são, somente, elucubrações da mente.

Tão logo se abandona a simples constatação do "eu existo", para tentar estabelecer o que cada um entende por "existir", perde-se a certeza primordial. A conseqüência é que a filosofia existencial tem seu maior problema em seu próprio ponto de partida, e, portanto, há diversos tipos de filósofos existenciais. Se buscarmos neles uma exatidão homogênea, vamo-nos sentir fraudado.

Um comentário de importância que podemos fazer a respeito disso é que as distintas visões do existencialismo acabam por ordenar-se em uma zona contínua e que a oposição destas diferenças reflete: (a) o vastíssimo campo das experiências humanas; (b) a capacidade vital da filosofia existencial de poder arcar e assimilar tais conflitos.  A idéia determinada que o homem possa ou deva ter de si mesmo, depende da interpretação que ele dá à sua existência. A natureza do homem não determina o que deve ser sua existência. Mas, ocorre exatamente o contrário: a sucessão de atos que forma a existência de cada homem define o que cada homem é, sem relação com uma essência eterna da humanidade, que para o existencialismo é flatus voces. O homem é quem faz a si mesmo.

A mesma idéia expressada pelo poeta espanhol Antonio Machado, quando diz: "Caminhante, não há caminho; faz-se o caminho ao caminhar", e isto significa que cada homem tem de dar sentido a "seu ser-homem". Podemos observar que ao existencialismo preocupa o humano, por isso é um humanismo, mas também é um individualismo, porque cada homem é quem faz a si mesmo. Até aqui está evidente: o que importa é o sentido dado à própria existência. Mas logo surge uma série de questões que merece atenção: Por que então o homem não se contenta somente em existir? Por que se preocupa em inventar uma essência, que não existe? Por que dar um sentido à palavra "humano"? Por que transcende sua existência na direção de uma essência?
Perguntas decorrentes de um homem amargurado que se desliga do divino e de suas manifestações por meio de avatares como, por exemplo, Krishna, Buda, Moisés, Cristo, Maomé e Outros.Sartre responde que a condição humana é absurda, o homem empreende, sem razão alguma, a tarefa de fazer-se homem; o existente transcende sua existência sem justificação; não se deve a nada o impulso para a essência; a contingência humana é mera irracionalidade: O homem está aí sem razão alguma.

A isto é o que Sartre chama de "facticidade": simplesmente, existo. Isto é um fato: que eu esteja aqui e agora, e que não há razão aparente para isso. Assim, conclui Sartre, que nunca estamos completamente satisfeitos conosco mesmos, porque não conseguimos calar este excesso de ser que nos invade. O que coincide exatamente com a concepção budista do Samsara, do qual somente estaremos libertos após alcançar a iluminação plena.
 

III. Em plena Guerra surge a Logoterapia de Viktor Frankl
 
Damos destaque às Eternas Guerras porque é exatamente ao longo da Segunda Guerra Mundial, em meio a campos de concentração, que um psiquiatra vienense desenvolve seu método de psicoterapia.

É ele, Viktor Emil Frankl (1905-1998), discípulo dissidente de Adler, que conquistou posição própria e de destaque dentre as psicoterapias existenciais, criando a Logoterapia (ou Terceira Escola de Viena de Psicoterapia).  Com acurada crítica da Ontologia de Heidegger, extraiu dela o que lhe parecia válido, para a estruturação de uma nova psicoterapia.

Em oposição tanto ao determinismo psíquico freudiano, quanto ao teleologismo adleriano, Frankl socorre-se de sua considerável experiência clínica e de vida. Assim, deles se distingue pela maior ênfase com que afirma a autonomia da dimensão espiritual do homem, como ser-livre-conscientemente-responsável.

Para Frankl, nada é mais importante do que a busca pelo sentido da vida. Dizer que esta é um fim-em-si-mesma, equivale a negar-lhe qualquer sentido convertendo o ente humano em vítima indefesa dos fatalismos do destino. Semelhante atitude não passa de um estratagema pseudocientífico; é uma cômoda cobertura, que visa a colocar o homem sob o império de seus impulsos instintivos, ou torná-lo joguete de disposições genéticas irremediáveis, ou ainda, institucionalizar falhas de conduta e desvios caracterológicos, fruto dos defeitos educacionais de seu ambiente familiar e escolar, ou gerados pela pressão social do meio em que vive, fatores contra os quais seria inútil rebelar-se.
Frankl mostra que por mais grave que seja uma doença, física ou mental, o ser humano é dotado de uma dimensão que jamais é atingida: a noética, ou espiritual. É bom insistir que este espiritual nada tem a ver com determinada religião ou credo. Assim, para a logoterapia o homem é uma unidade composta pelo amálgama biopsicosocionoético, e é, exatamente, o noético que Frankl procura alcançar.

Uma das características mais constantes da existência, como Dasein (ser-aí, presença), é a capacidade que o homem possui de optar e decidir, ante às possibilidades que lhe aparecem até o fim de seus dias, possibilidades estas que apelam para a sua liberdade de ação, pela qual faz-se responsável. Tentando definir o que se entende por sentido da vida, Frankl começa distinguindo três categorias de valores:

(1) de criação,
(2) vivenciais, e
(3) de ação.

“O que nos permite compreender o valioso da vida é a apreensão de toda a riqueza do reino dos valores”. Nem todos os valores se pautam em uma realização mediante um ato criador. Um homem simples que cumpre as tarefas concretas impostas pela família e a profissão é, apesar de sua vida limitada, é mais valorizado do que, por exemplo, um grande estadista que, com uma caneta, dispõe da vida de milhares de pessoas, mas o faz tomando decisões inadequadas para um homem público. Assim, muitos clientes se queixam de não ter na sociedade um papel de destaque por exercerem, a seu ver, uma atividade de valor inferior, sem margem à criatividade.

Ora, é indiferente o lugar em que um homem profissionalmente se situa ou o trabalho que faz, o que importa fundamentalmente é o modo como trabalha, e preencher o lugar na sociedade no qual está inserido. O que importa não é a grandeza do raio de ação de seu ofício, mas o fato de desempenhar plenamente o círculo de suas obrigações. Os valores vivenciais são aqueles que se realizam na experiência sensível vital. Por exemplo, na contemplação da natureza ou da arte. Apreciar, pelo senso estético o entorno, poderá estar para além de qualquer fazer e conduta, de qualquer realização de valores através da atividade.

A vivência de um homem, amante da música, que ouvindo um concerto precisamente na seqüência de compassos mais tocantes da obra, vive uma forte emoção diante da beleza pura daqueles sons. Se neste exato momento lhe perguntarmos se sua vida tem sentido, ele poderá perfeitamente dizer que valeria estar vivo nem que fosse somente por aqueles poucos instantes de encantamento musical. Mas, o sentido da vida se revela também por valores que não sejam especialmente fecundos de criatividade ou de riquezas vivenciais.

Frankl os chama de valores de atitude, e cita como exemplo, indivíduos, que vivendo sob grandes limitações impostas por doença e sofrimento, ainda assim, adotam diante desta infeliz situação uma atitude corajosa diante da dor, de dignidade diante de um destino desafiador, e o fazem como um exemplo a ser seguido por outros pacientes. Estas três categorias de valores são, via de regra, experimentadas simultaneamente, para grande enriquecimento de sentido a uma vida.

Cada ser humano deverá incumbir-se em realizá-los, de acordo com suas aptidões e atributos pessoais, como tarefa indeclinável da existência. Para Frankl, não há vidas humanas sem sentido, por mais infelizes ou vazias que pareçam ser. Quantas vezes, os últimos momentos é que mostram o verdadeiro sentido de uma vida em toda a sua grandeza. A ninguém é dado profetizar acontecimentos futuros, nem mesmo aos mais imediatos. 

Embora Frankl tenha sido o primeiro a usar o termo "análise existencial" (Existenzanalyse), para descrever sua investigação psicoterápica, uma fonte de confusão apareceu na literatura psiquiátrica, principalmente, com o uso indiscriminado do termo e, mais tarde, com a tradução da Daseinsanalyse, de Heidegger, como "análise existencial", por Binswanger. Isto levou a uma falsa identificação das teorias de Frankl e Binswanger.

Este último, tenta compreender a experiência humana através de um ponto de vista psicológico, baseado na teoria fenomenológica de Heidegger. A sua Daseinsanalyse não tem uma intenção primária como terapia. Melhor chamá-la de Daseinsanalytic, a "Analítica do Dasein", conforme aparece em Ser e tempo. Mais corretamente ela leva à melhor compreensão das psicoses e do paciente psicótico, e aspira particularmente investigar os específicos modos de ser-no-mundo, como estes são mostrados nos vários estados psicóticos.

Boss colocou categoricamente: "Die Daseinsanalyse hat nichts mit psychoterapeutisches Praxis zu tun" (a análise existencial não tem nada que ver com a prática psicoterapêutica).

Na palavra Logoterapia, o lógos, em grego (como já foi visto), significa a esfera espiritual ou a dimensão noética do homem. Devido ao fato de a palavra "espiritual" (geistig, em alemão) ter definidas conotações religiosas, Frankl prefere, por razões terapêuticas e ontológicas o uso do termo "noético".

Noético é então, estritamente um sinônimo da palavra "espiritual" no seu significado mais profundo. Noético ou espiritual referem-se a uma classe de atividade psíquica, especificamente humana que é expressa em decisão moral, procura de significado, opção ou escolha, responsabilidade, poder de conceituar o mundo, exercício do livre-querer, procura de valores, etc.

Por outro lado lógos, dentro do contexto logoterápico, refere-se à necessidade de significação (meaningfuIness) ou de sentido na experiência humana.A logoterapia analisa a personalidade humana em termos de suas possibilidades existenciais e responsabilidades. Os aspectos básicos (Urphaenomenae), segundo Frankl, são explícitos: espiritualidade, liberdade e responsabilidade.

Ele não concebe sua teoria como uma mera explicação de alguma existência particular de uma pessoa, mas a explicação da existência mesma. Assim, a logoterapia procura construir uma antropologia psicoterapêutica, uma antropologia que precede a toda psicoterapia. Pretende com sua teoria alcançar uma universalidade dos conceitos, levando à análise ontológica do ser humano.Frankl chama sua análise existencial de psicoterapia "apelativa".

A palavra "apelativa" refere-se à metodologia de sua análise: apela-se para a dimensão espiritual no homem. Rubin, autor de Lisa and David, escreve, prefaciando o livro Psychotherapy and Existentialism, de Frankl: "é esta terapia um antídoto ao niilismo, uma força poderosa para combater o "vácuo existencial" ou a "frustração existencial", que caracteriza a neurose de massa do nosso tempo". Assim, ela se dirige como método psicoterapêutico às chamadas "neuroses existenciais", especificamente, e de uma maneira inespecífica, às "neuroses tradicionais" (neurose de angústia,  obsessivo-compulsiva, fóbica, etc.).

A logoterapia representa uma das escolas no campo da psicoteraria, ou como quer alguns autores, uma categoria do que eles chamam de "psiquiatria existencial". A principal ênfase em psicanálise, sumariamente segundo FrankI, é a "procura do prazer", em vista do princípio do prazer da metapsicologia freudiana. A escola de Adler de análise é caracterizada pelo stress na "procura do poder". A logoterapia encontra ambas as situações nas motivações do homem, contudo ainda mais significante é o que Frankl chama "a procura do sentido" do homem.

A casuística pessoal com que Frankl ilustra suas idéias é bastante rica. Um bom exemplo é o relato de um homem, criminoso, condenado à prisão perpétua com trabalhos forçados, que embarcava na companhia de outros sentenciados, rumo ao presídio. Seu sentido de vida estaria, aparentemente, selado daquele momento em diante. Mas,
já em pleno oceano, irrompe um incêndio a bordo, cujas chamas ameaçam destruir todo o navio.

Ante a iminência do naufrágio, o comandante ordena que os presos sejam retirados do  porão do barco, já quase totalmente inundado. Em vez de tentar fugir, como os demais, o nosso condenado revela uma face oculta de sua personalidade. Passa a liderar os trabalhos de salvamento, dominando o pânico da tripulação, e conseguindo salvar, sozinho, dez pessoas, motivo pelo qual recebeu indulto.

O problema existencial da morte, para Frankl, é marcado por reflexões de cunho otimista. Nossa finitude temporal é, a seu ver, necessária, porque, do contrário, a vida não teria sentido. A certeza da imortalidade arrancaria de nós, qualquer interesse que pudéssemos ter na vida, e pela própria vida. Destruiria todos os nossos valores, e faria com que adiássemos, indefinidamente, a realização de todas as nossas metas e projetos. Seríamos forçados a suportar uma vida de plena de indiferença afetiva, já sepultados no tédio. Amamos a vida porque um dia morreremos, fato este que dá sentido à nossa existência.

Assim, somos levados a aproveitar da melhor forma possível, o tempo que nos resta para executar os compromissos de nossa opção originária. Frankl vai desenvolvendo a sua teologoterapia, dirigida às disposições espirituais latentes em todo ser humano, levando-as ao foco de sua consciência pela análise dos seus dilemas existenciais; esclarecendo-o em como assumir sua condição de ser livre e responsável que é, e ver o significado transcendente do sofrimento, do trabalho e do amor, que lhe dão suportes para a possibilidade de reorientar seu mundo de valores e concretizar seus compromissos.

A leitura de Frankl é agradável, bem diferente da grande maioria dos autores fenomenólogos e existencialistas que usam e abusam de um jargão escatológico, somente para os iniciados. Em oposição ao nihilismo de um Sartre ou Camus, suas concepções são construtivas, suas obras refletem sua humanista e respeitável experiência clínica, apesar do sofrimento vivido nos campos de concentração nazistas.A logoterapia prescinde de técnicas, pois o que pretende, de fato, é alcançar uma imagem correta do homem, dotada de plasticidade e de relevo, um ser em busca da dimensão específica de sua espiritualidade, liberdade e  responsabilidade, o ser cujo espírito luta por descobrir o sentido concreto de sua vida, ampliando ao máximo a gama de possibilidades de valores.

Nesse sentido, o que define o logoterapeuta é mais a sua atitude, a qual pode ser complementada por qualquer escola psicoterápica. Tanto quanto perpassa por toda obra de Frankl um forte matiz de religiosidade teísta, encontra-se este fato em muitos autores, terapeutas ou não, que adotam postura existencial em seus trabalhos, como Karl Jaspers, Paul Tillich, Igor Caruso, Emmanuel Levinas, Martin Buber, van den Berg, Rollo May e outros.

Para os clientes também teístas será um feliz encontro de fé. Para os que não o forem, caberá ao analista exigir-se o maior cuidado ético e técnico, em não fazer transparecer o mais leve proselitismo de sua fé, fato que, se ocorrer, seguramente, será contra-producente para o bom êxito do tratamento. Por outro lado, sabe-se que quem não tem Deus tem ídolos, e a figura do analista se presta muito para este papel.

Até certo ponto, todo tratamento, seja ele químico (alopático), físico (homeopático, acupuntura, vibracional) ou psíquico, carrega sempre consigo uma dose ponderável de efeito placebo. É inegável que a confiança (ou fé?) no profissional contribui para este efeito. O mesmo fármaco dado por médicos diferentes, ao mesmo paciente, tem efeitos diferentes.

Portanto, não estamos desqualificando a fé de um modo geral, mas, pelo contrário, ela tem de existir. Apenas, não é necessário que seja uma fé ligada a alguma religião que conste nos catálogos. Em nosso ofício podemos considerar como sinônimos as palavras: fé, crença, esperança, confiança, segurança, seja para com os deuses, para com os homens, ou para com os remédios.
 

IV. Conclusão
 
“Para que serve a Filosofia?” Pensamos que ela está ao nosso alcance para amplificarmos nossa consciência, e melhor situarmo-nos, como ser humano que somos, em nossa finita existência (o que não é pouco!), e nos reencaminhar ao plano metafísico. Constatamos que muito nos distanciamos de nosso núcleo instintivo, que tem por função cuidar da sobrevivência.

Seja do ponto de vista orgânico, sinalizando-nos necessidades, como água e nutrientes, por meio da sede e da fome, ou, levando-nos a um padrão de comportamento de ataque e defesa, como quando nos deparamos com um predador de calibre 38 na mão. Entretanto, com o processo de aculturação civilizatória, foi-se perdendo este contato mais profundo conosco mesmos.

Almoçamos porque é meio-dia. Jantamos porque são dezenove horas. Fazemos amor entre seis e seis e quinze da manhã, porque temos de enfrentar um demorado trânsito. Por outro lado, desenvolvemos uma liberdade tal em relação aos instintos, que esquecemos, que os demais animais não-humanos, ao longo da Evolução, só matam por algum motivo instintivo-adaptativo muito forte, seja para comer, defender um território no qual o macho deixou sua fêmea e a prole, e por aí vai. Também não cometem suicídio, apesar das lendas que existem.

Enfim, se eles ainda estão atrelados aos comandos do instinto, por outro lado, não desenvolveram a crueldade gratuita e assassina dos humanos. Ganhamos uma razão com o upgrade de uma consciência plena, crítica e reflexiva. Conhecemos a limitação da nossa impermanência, que deveria nos trazer de quebra, humildade, compaixão e tolerância para com os demais. Aprendemos a filosofar, ordenando criticamente nossas idéias, palavras e ações no meio ambiente. Mas, somos perversamente vulneráveis à nossa imensa vontade de poder. Poder de comando, poder econômico, poder das armas, poder pelo poder.

Chegamos a pensar que é devido a esta onipotência insaciável, que acabamos por destruir, e ser destruídos por, aquilo que nos é mais caro: nossos valores.A civilização não deixou o homem mais feliz. Os poderes não deixaram o homem mais feliz. O desenvolvimento científico e tecnológico, aumentando nossas expectativas de vida, curando doenças que eram fatais, encurtando as distâncias que são hoje medidas em tempo, informatizando a notícia e o conhecimento, e por aí vai, não tornaram o homem mais feliz. Se definirmos maturidade como a capacidade que desenvolvemos em tolerar frustrações, seguramente, as nações mais ricas estão no limite da tolerância zero, neste sentido. Um súdito é frustrado, porém, o imperador também o é.

Muitos são os fatores a alimentar nossa agressividade individual. Surge o inevitável fenômeno do bode expiatório, contra quem descarregamos nossa agressão pessoal. Se levarmos isto à proporção de uma nação inteira, há que se arranjar uma outra nação a expiar. É mais cômodo brigar com quem está mais próximo: o vizinho. Em diplomacia o Uruguai é conhecido como “país tampão”, que nos isola de uma fronteira direta com a Argentina.

Se um dia o Uruguai sumisse em um tsunami, no dia seguinte estaríamos em guerra declarada contra os argentinos. Motivos? Não precisamos. Ou, arranjam-se. Parece-nos que a guerra é a via final comum da somatória das ações humanas frustradas, levando a uma sede de poder enlouquecedora. Solenemente propomos a alguma Comissão de Sistemática Zooantropológica a criação da nova espécie Homo bellicus, que assassinou, por motivo fútil, a antiga sapiens. Aldous Huxley dava soma aos seus personagens para suportarem aquele novo mundo.

Nós tomamos tudo aquilo que for mais eficiente para alterar nosso estado de consciência. Mas, “inútil dormir, porque a dor não passa”. Não que sigamos alguma seita gnóstica apocalíptica repleta de belzebus. Porém, é de fácil constatação que a humanidade caminha por um projeto suicida consistente. Integramos uma linha de (des)montagem de nós mesmos. Perdemos a noção das perspectivas.

Diante de nós passa a esteira, não mais com parafusos e porcas, à frente de Chaplin fazendo reaperto com chaves-de-boca, mas, com fígados, intestinos, cérebros, sonhos, devaneios, esperanças, dirigindo-se maquinalmente para uma grande trituradora transformando tudo em não-ser.A Filosofia não faz link com a pseudo-literatura de auto-ajuda, tão prosaica quanto inútil.

Se os considerados progressos não trouxeram em sua esteira a propalada felicidade ao ser humano, a questão a se desvelar será: Quais os valores éticos que realmente podem nos conduzir a um maior bem-estar? Quais os valores que tornam a nossa finitude existencial capaz de ter algum significado? Qual o valor de nossa própria vida? Quais os valores que poderão sustentar uma vida de conforto interno para nós? E por aí vai.

Cabe a nós, que filosofamos profissionalmente, buscar constatações, questionamentos e reflexões, sempre no esforço de atingir um razoável metaconhecimento. Acima de tudo, elaborando as perguntas mais precisas. A você, prezado leitor, cabe encontrar com autonomia, as suas respostas. A Espiritualidade, no uso da sua fé, garante-lhe uma vida após a morte. A Filosofia interroga-lhe se isso que você está levando é Vida, e lhe mostra um norte antes da putrefação da morte. A Ciência e a Tecnologia nos dão mapas, a Filosofia, bússola.
 

Bibliografia Recomendada

1. Frankl, V.E. Homo patiens. Buenos Aires: Plantin, 1955.
2   ____. Teoria y terapia de las neurosis. Madri: Ed. Gredos, 1964.
3.  ____. O homem incondicionado. Lições metaclínicas. Coimbra: A. Amado Ed., 1968.
4.  ____. Psicoterapia e sentido da vida. Fundamentos da Logoterapia a análise existencial. São Paulo: Ed. Quadrante, 1973.
5. ____. A psicoterapia na prática. São Paulo: EPU, 1976.
6. ____. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar Ed., 1978.
7. ____. La idea psicológica del hombre. Madri: Ed. Rialp, 1979.
8. ____. O homem à procura do significado último. Em: Needleman, J. & Lewis, D. (orgs.) No caminho do autoconhecimento. São Paulo: EMG & Cia., pp. 147-163, 1982.
9.  ____. A presença ignorada de Deus. Porto Alegre: Sulina, 1985.
10. ____. Em busca de sentido. Um psicólogo no campo de concentração. Porto Alegre: Ed. Sulina, 1987.
11.  ____. Um sentido para a vida. Aparecida-SP: Ed. Santuário, 1989. Em língua espanhola: Psicoterapia y humanismo. México: FCE, 1978.
12. ____. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas-SP: Papirus, 1990.
13. ____. Psicoterapia para todos. Petrópolis-RJ: Vozes, 2ª ed., 1991.
14. ____. Logoterapia e análise existencial. São Paulo: Ed. Psy II, 1995.
15. Frankl, V.E. & cols. Dar sentido à vida. Petrópolis-RJ: 1992.
 
(*) Este artigo é uma sinopse do livro do A, ”Análise da Existência em Tempos de  Guerra”.  Prefaciado por   Bento Prado Jr. 

(**) O Autor é Logoterapeuta pela Universidade Complutense de Madri  em convênio com o Viktor Frankl Institut.

Acesso à Plataforma

Assine a nossa newsletter