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"Soberba" segundo a Análise do Comportamento

Por: Giovana Del Prette.

A entrevista a seguir foi a mim solicitada para o site www.vocecommaistempo.com.br e as perguntas estão direcionadas às interações no ambiente de trabalho. Para ler a matéria, publicada pelo jornalista Rodrigo Capelo, clique aqui. Como é de praxe, matérias como essa utilizam só pequenos trechos da entrevista, então achei proveitoso publicá-la. Trata-se de um exercício de interpretação desse "pecado capital" à luz da Análise do Comportamento.

– O que é soberba para a psicologia comportamental?

A soberba pode ser interpretada segundo os pressupostos teóricos da Análise do Comportamento. Partindo  da abordagem comportamental, “soberba” seria um termo vago (ou pouco "operacionalizável"), que poderia incluir várias nuances de comportamento. Em linhas gerais, seria aquele comportamento que visa demonstrar que o indivíduo é no mínimo igual mas, muitas vezes, superior aos demais (independentemente disso ser verdade), de modo a produzir impacto sobre os outros. Esse impacto pode incluir admiração, elogios, respeito, destaque ou até mesmo inveja. Entretanto, muitas vezes produz uma avaliação negativa, podendo fazer com que os outros considerem esse indivíduo arrogante, pedante e, consequentemente, procurem afastar-se ou entrar em embates. O maior diferencial de um comportamento soberbo, pois, é que está mais controlado pela produção de impacto sobre os outros do que sobre um tatear mais fiel dos eventos. Por exemplo, se um indivíduo diz “concluí um projeto importante” porque quer compartilhar a alegria sobre o que fez, ou discutir detalhes desse projeto com os outros, a frase não se enquadraria em comportamento soberbo. Poderia ser soberba, entretanto, o indivíduo falar a mesma frase para produzir inveja ou comparações com os colegas. O essencial na definição é observar as conseqüências produzidas.

– Como a Soberba pode afetar a produtividade profissional?

A soberba pode afetar a produtividade profissional de diferentes maneiras, a depender de cada caso e cada situação. Uma delas decorre do fato de que o indivíduo que age com soberba, frequentemente, é muito sensível a aprovação social. As implicações disso são muitas. Ele pode trabalhar muito focado em impressionar os colegas e o chefe, pode sentir-se constantemente em competição sobre seu desempenho, pode reagir muito mal quando alguém se sai melhor do que ele ou quando alguém o critica, pode ter dificuldades para trabalhar cooperativamente em grupo. Isso sem falar nas conseqüências emocionais, pois o indivíduo pode se tornar muito mais estressado se tiver um alto padrão de exigência com relação ao seu próprio desempenho, e arrasado quando os resultados de seu trabalho não estiverem à altura desse padrão. Às vezes, essas pessoas tornam-se reféns de sua própria soberba, precisando de auxílio via terapia, até porque, paradoxalmente, podem se sentir inferiores, já que sempre haverá alguém melhor do que elas. Outro ponto é que alguns indivíduos que agem com soberba tendem a exagerar no relato sobre seus feitos (seja de propósito ou inconscientemente). Esse exagero pode fazer com que as pessoas ou acreditem nele e se decepcionem cedo ou tarde, ou deixem de acreditar naquilo que ele diz, o que em qualquer caso é muito prejudicial.

– Existe alguma forma de Soberba "coletiva"? Por exemplo, um grupo de funcionários que se julgue superior ao resto da empresa.

A “soberba coletiva” funcionaria como qualquer outro comportamento que se modifica pela influência de um grupo. A psicologia comportamental explica que, muitas vezes, o comportamento de um indivíduo sozinho é insuficiente para produzir algum resultado, mas, quando somado aos de outros indivíduos unidos em um grupo, geram um efeito que não seria possível isoladamente. Assim, um grupo (por exemplo, um setor de uma empresa) que pensa, age e fala em boa parceria produz mais resultados do que cada um produziria sozinho. Mas esse mesmo “mecanismo” também pode gerar a chamada “soberba coletiva”, quando seus membros passam a agir e falar com arrogância, supervalorizando o papel do grupo dentro da empresa, menosprezando os outros grupos e formando uma pequena rede social em que cada indivíduo reforça esse comportamento no outro. Esse apoio mútuo do grupo pode fazer até com que cada um perca a noção do quanto está sendo soberbo, uma vez que se está agindo de modo análogo aos colegas, sendo reforçado por eles, e se está com pouco contato com os efeitos negativos desse tipo de comportamento (por exemplo, afastamento e repreensões). Assim, quando os efeitos negativos surgirem, podem aparecer de forma súbita e ter um efeito arrasador, como por exemplo quando outro grupo consegue fazer um projeto melhor ou quando eles não conseguem atingir a meta esperada, coisa que jamais supunham ser possível.

– É possível extrair algo positivo da Soberba? Existe algum momento em que ela pode ser útil?

O termo “soberba” pressupõe um exagero de certos comportamentos que, em doses moderadas, são úteis para o indivíduo e para a empresa. Esses comportamentos incluem, por exemplo, a auto-confiança, a competitividade e a busca pelo sucesso. Mas os extremos são, em geral, prejudiciais: tanto o excesso de orgulho quanto a falta dele. Pessoas que não se encontram nesses extremos seriam as que saberiam dosar melhor a arrogância com a humildade e a cooperação, o que traria maior probabilidade de fazerem avaliações mais realísticas sobre si e sobre os outros, e mais flexibilidade nos relacionamentos na empresa.

– A arrogância é mais comum em cargos mais elevados na hierarquia da empresa? Por quê?

A arrogância não é inerente a cargos mais elevados na hierarquia da empresa, podendo ser observada até mesmo entre funcionários que ocupam cargos mais baixos. Às vezes, em cargos mais elevados, a pessoa pode se tornar arrogante porque passa a deter mais poder, ser mais bajulada e menos criticada diretamente, o que faz com que ela perca os parâmetros realistas sobre seu desempenho além de, às vezes, não poder ser punida por seu comportamento arrogante. Entretanto, muitas vezes as pessoas se tornam muito arrogantes como fruto de uma história inteira de vida em que, desde pequenas, foram incentivadas a competir, a ganhar e a impressionar os outros e, não raro, foram pouco valorizadas ou até mesmo punidas quando produziam resultados não necessariamente tão superiores. E essa é uma história de vida que podemos encontrar em pessoas de diferentes cargos hierárquicos.

– O que fazer para diminuir o orgulho ou a arrogância ou, em casos extremos, eliminá-los?

O orgulho mais saudável é aquele que sentimos quando superamos a nós mesmos, e não aos outros. Portanto, a melhor maneira de não estimular a arrogância dentro da empresa é não incitar comparações e competitividade entre indivíduos ou entre grupos. Ao invés disso, o melhor é valorizar quando cada um consegue superar a si próprio ou atingir as metas propostas. Outra maneira de lidar com a arrogância é incentivar a cooperação entre os funcionários e, em seguida, demonstrar claramente o quanto os resultados foram obtidos somente por meio dessa parceria. Por fim, os próprios membros da empresa que pertencem a hierarquias mais altas e que desejam lidar com a questão da soberba precisam se lembrar que eles devem ser um modelo de humildade a ser seguido pelos demais. Assim, a maneira como tratam os funcionários e como falam sobre cada função irá refletir sobre cada membro da equipe. Alguns comportamentos são contraproducentes para lidar com a soberba: ignorar ou menosprezar pessoas de cargos mais baixos produz humilhação e revolta e, muitas vezes, faz com que essas pessoas reproduzam esse comportamento sobre aqueles que estão abaixo delas na hierarquia. Destacar somente o melhor funcionário, por sua vez, pode produzir tensão, competitividade e inveja por parte dos demais, aumentando a tendência a comparações e a sentimentos de injustiça, o que é um tipo de relação entre funcionários que pode predispor a soberba.

– Como lidar com um colega arrogante? O que deve ser feito para não estimular este comportamento em outras pessoas?

Um dos problemas da arrogância é que ela deixa implícita uma comparação em que o indivíduo arrogante é de alguma maneira superior aos demais. Assim, quem convive com o arrogante pode tender a confrontá-lo para defender-se ou igualar-se, o que gera uma tensão na relação e aumenta as posturas arrogantes de ambos os lados. Virar as costas ou ignorar também pode ser perigoso, pois o arrogante pode interpretar essa atitude como inveja ou incompreensão. Portanto, se avisá-lo diretamente sobre sua arrogância não for o suficiente, um caminho alternativo seria ouvir com tolerância e neutralidade, isto é, sem engrandecê-lo nem confrontá-lo. Paralelamente, o colega pode evitar temas que incitam a soberba (comparar, falar mal de alguém) e dar modelo, agindo de modo discreto e humilde. O conjunto destas atitudes, aos poucos, tenderia a sinalizar ao indivíduo arrogante que esse comportamento não é reforçado na interação com esse colega, mas sim comportamentos mais adequados.

* Giovana Del Prette é mestre e doutoranda em psicologia clínica pela USP. É terapeuta, professora e supervisora no Paradigma – Núcleo de Análise do Comportamento.

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