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Responsabilidade social de empresas: instrumento de transformação social ou nova forma de exploração?

Introdução

O presente trabalho explicita o entendimento teórico do termo: “Responsabilidade Social”, bem como, de que forma ele vem sendo interpretado e inserido atualmente em empresas. Para tanto, buscou-se autores que tratam esse tema em suas mais diversas nuances: econômica, social e, até mesmo, individual, cujo intuito foi entender quais as implicações que esse tipo de atividade acarreta para o sistema, bem como, suas legítimas intenções. A coleta de dados foi realizada, primeiramente, pela realização de um levantamento bibliográfico (teses, artigos, dissertações e pesquisas), no que se refere à configuração da Responsabilidade Social no país. Já no que diz respeito a pesquisa empiríca, aplicou-se um questionário com os responsáveis pelo desenvolvimento de projetos de Responsabilidade Social em empresas do estado de Mato Grosso do Sul filiadas ao Instituto Ethos. Diante dos dados levantados, far-se-á uma contextualização histórica do termo: Responsabilidade Social. Este é pelas mais diversas áreas do conhecimento, mas, no tocante à Psicologia encontraram-se poucas referências que abarcassem suas reais dimensões. Com isso, apresenta-se vários autores, os quais compartilham de um mesmo pressuposto de que Responsabilidade Social está ligada à atuação ética da empresa para com seus funcionários e consumidores, bem como, à contribuição para um crescimento sustentável da sociedade em geral. O que não passa de uma forma elaborada de caridade, benevolência, pois foi desta forma que tais programas começaram a ser executados no Brasil.Assim, dentre os autores pesquisados, Corrêa e Medeiros (2003), entendem a responsabilidade social empresarial como algo ilusório e limitado tanto no tempo, como no espaço de atuação. Diante disto, os autores apresentam uma análise a qual, ao fazer uma interlocução entre as diversas facetas que envolvem os programas de Responsabilidade Social Empresarial, mostram a maneira falaciosa que se configura o tema, o qual não deixa de estar a favor do capital, porém, com um caráter de embuste. Destarte, o objeto de estudo em questão tem um importante papel, na medida em que, o incentivo ao trabalho voluntário nas organizações, é uma forma de trabalhar aspectos do campo simbólico, configurando-se como mais uma forma de exploração do trabalhador, contudo, de maneira maquiada. Isto envolve as conseqüências destes projetos tanto para os funcionários, como para a sociedade na qual a empresa está inserida, uma vez que, a finalidade última de uma empresa, no sistema capitalista, é trabalhar em prol do capital. Além do que as empresas se apresentam ao mercado consumidor vinculando sua marca e/ou produtos às ações de caráter social. Configurando uma forma, dissimulada, de mitigar os impactos sócio-ambientais provocados pela produção.O que se observa com a inclusão e maciça propagação destas ações empresariais é a atuação destas em funções que seriam, primordialmente, do Estado. O que, numa análise superficial, entende-se que se trata de difundir o ideal neoliberal, desresponsabilizando o poder público da assistência aos indivíduos que compõem a sociedade. Porém, há que se ressaltar que tais ações recebem incentivos fiscais onerando, então, o Estado.
Ao final, portanto, buscou-se uma análise crítica dos dados fornecidos pelos questionários, revelando as contradições no discurso das empresas.

Em busca de um olhar crítico sobre Responsabilidade Social Empresarial

As empresas se configuram como uma importante instituição balizadora da sociedade capitalista, assim: “o núcleo fundamental da economia de mercado sempre foi e continua a ser a empresa, entidade social, econômica e jurídica de natureza flexível e elástica […]” (ALVES, 2001, p.79).  Diante disso, sob formas variadas, as empresas ainda mantém sua identidade e função como ponto essencial na economia, mantendo como objetivo primordial a produção de bens e a prestação de serviços de maneira economicamente mais eficaz. No entanto, o crescimento e a diversificação de grandes empresas em países industrializados indicam que o papel da empresa na sociedade não se limita apenas aos objetivos citados e nem tão pouco a maximização do lucro para os acionistas, consistindo sim na geração de riqueza em sentindo mais amplo. Para Alves (2001) a riqueza refere-se ao conhecimento, tecnologia, empregos, infra-estrutura energética e comunicações. E mais, as economias externas originadas pelas grandes empresas contribuem para o desenvolvimento sustentável, independentemente de seus objetivos imediatos e da sua forma de gestão.

Assim sendo, ao colaborar com o desenvolvimento de uma região, a empresa favorece a estabilidade de um país ou região, produzindo conseqüências políticas e estratégicas. Baseando-se nestes pressupostos, suscita-se a questão desta ter uma função social e se é necessário que tenha determinadas obrigações para com a sociedade. Para Keynes (apud Alves, 2001), à medida que a empresa cresce a maximização do lucro, para os acionistas, vai passando para segundo plano. Então, a estabilidade da empresa, sua imagem perante o público e sua habilidade de agradar seus clientes passam a ocupar o papel principal.

Além destes aspectos, Alves (2003) indica aspectos negativos gerados pelas empresas, como: a poluição ambiental, malefícios a saúde humana e animal, desvios na ordem de conduta moral, abusos de poder econômico e distorções no funcionamento da economia. “Esses aspectos negativos representam o custo social que se paga para obter as vantagens decorrentes da existência de empresas” (ALVES, 2003, p. 38). O que justificaria os programas de Responsabilidade Social como algo que abarca tanto as relações da empresa com seus funcionários, como com toda a sociedade em que esta se insere.

Já para Maximiano (apud Alves, 2003), a origem da idéia de responsabilidade social da empresa se deu no final do século XIX e início do século XX, sendo Andrew Carnegie um dos precursores. Este autor, em 1899, publicou nos Estados Unidos, a obra intitulada “O evangelho da riqueza” que apresentava dois princípios básicos relativos à responsabilidade social: o princípio da caridade e o princípio do zelo.

Porém Duarte & Dias (Apud Alves, 2003) destacam o trabalho de Bowen, intitulado “Responsabilidade social do homem de negócios”, publicado em 1953 nos Estados Unidos e em 1957 no Brasil, como marco de uma análise e estudo mais criterioso do termo. Entretanto, a popularização do termo ocorre no início da década de 1960 nos Estados Unidos, final da mesma década na Europa e final dos anos 1970 e início de 1980 no Brasil. Em uma primeira análise, nota-se que as abordagens de Carnegie e Bowen estão fortemente ligadas ao caráter religioso.

Alves (2003), baseando-se na análise da obra de Bowen publicada em 1957 traça o conceito de responsabilidade social, chegando à conclusão que o termo é um produto resultante de um conjunto de fatores que podem ser classificados em cinco pontos. Sendo que, o primeiro ponto diz respeito ao fato da responsabilidade social estar vinculada aos interesses do sistema capitalista.

Assim, é percebida como uma forma de solidificação e manutenção deste, na medida em que através de benefícios à sociedade em geral, a empresa garante sua aceitação ideológica e contém, em certa medida, a intervenção do Estado na economia, garantindo dessa forma sua sobrevivência. O segundo ponto esta ligado ao fundamento econômico da empresa, onde é realizada uma análise das relações internas e externas desta. Do ponto de vista das relações internas, Bowen (1957, apud Alves, 2003) aponta como um bom negócio para a empresa a existência de responsabilidade social para com seus funcionários, ou seja, manter uma boa relação com os trabalhadores e condições de trabalho satisfatórias estimula a eficiência e ajudam a reduzir custos. A disseminação da formação superior do administrador de empresas, o estabelecimento da profissão de administrador e a percepção de que seria impossível gerir uma empresa sem o amparo de uma equipe, torna gestão dos negócios menos homogêneo, pois os interesses dos administradores também passam a fazer parte desta gestão. Estes fatores são o terceiro ponto descrito por Alves (2003). A separação das funções de propriedade e controle facilita a inserção da responsabilidade social na empresa.

Uma vez que esta é instituída por executivos, os quais têm interesses pessoais na estruturação da empresa, no que se refere à condições de trabalho. No quarto ponto, Alves (2003) aponta as novas formas de controle sociais: o poder de mercado dos clientes, a mídia na sua forma de vigilância por parte da sociedade civil e o aparelho jurídico-judiciário do Estado, que se mostram mais eficiente que os controles sociais tradicionais: a família, a igreja, a escola e a comunidade local. Através destes novos meios de controle social, a empresa passa a policiar suas ações empresariais para que gerem o mínimo de conseqüências negativas, evitando dessa forma uma reação da sociedade que acabe prejudicando seus interesses. O quinto e último ponto trata dos valores éticos e morais da sociedade, apontados como fatores fundamentais a percepção da empresa ao assumir a responsabilidade social em sua comunidade.

Conforme dito anteriormente, os primeiros argumentos sobre o conceito de responsabilidade social para Bowen (1957, apud Alves, 2003), estão fortemente ligados a moral religiosa vigente nos EUA a época. Assim, o autor afirma que a empresa não deve servir apenas a fins egoístas, mas também a sociedade como um todo, o dono da empresa é responsável perante Deus e a sociedade. No entanto, os valores sociais mudam ao longo do tempo, então, cabe a empresa adaptar suas ações sociais aos valores vigentes em sua época. Ora, quem determina as regras éticas e morais, em uma sociedade capitalista, senão a própria empresa, balizadora desta sociedade?

Para o economista Milton Friedman, o qual faz uma análise neoliberal acerca do tema em um artigo publicado no jornal americano: The New York Times, em 1970, a responsabilidade social na empresa se constitui na utilização de recursos e no engajamento em atividades que garantam seu lucro. Milton Friedman, em 1974, (apud Alves, 2001) enfatiza que a única responsabilidade social da empresa consiste em utilizar seus recursos para maximizar o lucro em benefício dos acionistas, mantendo-se fiel ao que caracterizou como as “regras do jogo”. Regras estas que se limitam a não fraudar os acionistas e os credores e a respeitar as regras da concorrência leal. Em 1984, Milton Friedman (apud Fedato, 2005), aponta que a responsabilidade da empresa é maximizar seu desempenho econômico, e que suas responsabilidades sociais são limitadas ao cumprimento da legislação. O autor parte do pressuposto de que objetivos sociais e econômicos são separados e distintos, e que investir em um deles é sacrificar o outro.

Com base nas citações desses autores pode-se inferir, então, que para Friedman, a empresa socialmente responsável possui ações apenas internas, isto é, age apenas na estruturação de seu funcionamento para a obtenção de lucros. As ações externas junto à comunidade são desprezadas, uma vez que comprometeriam os objetivos econômicos da empresa. Diante disso, para Friedman, o objetivo claro da empresa é o lucro, e que qualquer atividade que irá onerar seus ganhos não deve ser realizada. Isto não se contrapõe aos objetivos genuínos dos programas de responsabilidade social, vez que, estas ações são realizadas visando ao aumento do lucro, porém, com uma roupagem “socialmente” aceitável e que, hoje em dia, acabaram ganhando lugar no planejamento de gastos da empresa.

Segundo Ricco (2007), investir em “Responsabilidade Social” siginifica: lucros mais altos em longo prazo. Assim, para a autora, ter responsabilidade social requer da empresa atitudes que estão além das regras estabelecidas pela legislação, divergindo substancialmente de Friedman. Portanto, para Ricco (2007), o termo “Responsabilidade Social”, destaca-se a partir da abertura da economia do país ao capital estrangeiro, fenômeno conhecido como: globalização[1]. Com isso as empresas passaram a ter que se adaptar a forma de administrar exigida pelo mercado internacional. O que corresponde a administração responsável, comprometida com a qualidade e condições de trabalho de seus empregados, bem como, com a preservação e diminuição do impacto sócio-ambiental na região em que a empresa se insere.

Uma definição compatível com a proposta pelo Instituto ETHOS[2], para o qual a responsabilidade social é:

A forma de gestão que se define pela relação ética e transparente da empresa com todos os públicos com os quais ela se relaciona e pelo estabelecimento de metas empresariais compatíveis com o desenvolvimento sustentável da sociedade, preservando recursos ambientais e culturais para gerações futuras, respeitando a diversidade e a redução das desigualdades sociais. (INSTITUTO ETHOS, Missão,  2007)  

 ssim, Responsabilidade Social se caracterizaria não só por ações sociais das empresas para com a comunidade e o meio ambiente que a cerca, mas também, como uma nova forma de gerir negócios, de forma a respeitar os direitos de seus funcionários. “Os dirigentes empresariais perceberam que é necessário fazer com que as pessoas gostem da empresa, se identifiquem com a sua marca e tenham prazer em trabalhar[3] no seu negócio” (RICCO 2004, p.74). Portanto, não se tratam de ações que se dão fora da empresa, mas também se dão no ambiente de trabalho, tentando transformá-lo num ambiente saudável cujo objetivo é a eficiência de seus funcionários.

No que se refere às intenções e razões do empresariado para a criação de programas de responsabilidade social, Domingos (2001), à luz da teoria psicanalítica, aponta que estes programas configuram-se como um artifício utilizado pelos empresários para se redimirem da culpa pelos danos causados ás populações e meio-ambiente. Para a autora, tal afirmação se justifica pelo fato de que a globalização ou “nova ordem mundial” se constitui como um cenário repleto de contradições. Pois, “Nele, desfilam redefinições sociais, políticas, culturais e econômicas, ao mesmo tempo em que se reformam espaços e temporalidades e aumentam as desigualdades sociais e econômicas entre os povos.” (Domingos, 2001, p. 02).

Outra autora que se vale da psicanálise para explicar a dinâmica da responsabilidade social é Garay (2001), porém, sob a ótica do sentido do trabalho voluntário para o indivíduo e para as organizações. Então, segundo esta autora, no que se refere ao indivíduo, a cidadania, a solidariedade, a autotransformação, o desejo de ser útil, a transformação social e o desejo de sentir-se importante, são determinantes para o trabalho voluntário. Deste modo, o funcionário se baseia em motivações e desejos ligados ao compromisso com uma mudança maior e na responsabilidade perante a sociedade, existindo em função de um propósito e realizado por vontade própria, sem qualquer tipo de coação. Pode ser entendido, também, como: “um espaço em que o investimento narcísico (investimento libidinal do ego) poderia renovar-se , assim como representaria a busca de uma forma de satisfação, em uma tarefa plena de significações, a partir da escolha de uma vida ativa e voltada para o mundo” (Ribeiro1996, apud GARAY, 2001, p.08).

Desta forma, a responsabilidade social configura-se na busca de algo perdido. Para as organizações, o sentido do trabalho voluntário esta relacionado a algumas suposições:

[…] em organizações socialmente responsáveis, o ato de voluntariado pode representar forte determinante para o aumento do nível de identidade dos colaboradores com a empresa; para o fortalecimento da cultura corporativa; para a consolidação de uma imagem corporativa favorável; para o estímulo ao desenvolvimento do papel institucional do executivo; para o desenvolvimento de competências dos funcionários (GARAY, 2001, p.08).  

Nesse sentido, as ações sociais das empresas e o estímulo ao trabalho voluntário são elementos que influenciam na criação de uma imagem positiva da organização a ser partilhada pelo grupo.

No tocante à cultura corporativa, a responsabilidade social, pode ser entendida como um fator que mantém unida a organização. Uma vez que, expressa os valores ou ideais sociais e crenças que os membros da empresa compartilham. O que gera uma identificação entre os valores da organização e os de seus funcionários, criando um comprometimento organizacional. Este se constitui como um elemento estratégico, no qual a administração é entendida como ato simbólico, ou um mecanismo capaz de “conformar atitudes, homogeneizar maneiras de pensar e viver a organização, introjetando uma imagem positiva dela, servindo como controle ou para legitimar suas atividades” (GARAY, 2001, p.10).

Portanto, para Garay (2001), o marketing social, promovido por meio de ações socialmente responsáveis, é um importante aliado da empresa. Além disto, gera resultados positivos para a organização, principalmente na consolidação de uma imagem corporativa favorável, desenvolvendo um comportamento de fidelidade não apenas aos produtos da empresa, mas também a marca corporativa, por parte dos consumidores.

Ainda segundo Garay (2001), do ponto de vista dos benefícios aos funcionários, o voluntariado empresarial desenvolve não só a cidadania, mas também a ampliação e promoção de mudanças nas visões de mundo. Constroem, também, formas coletivas de resolução de problemas, o trabalho com metas em comum e aprendizagem em grupo, além do desenvolvimento de valores e uma cultura de responsabilidade social nas organizações em que atuam. Para a autora, o voluntariado empresarial se torna uma fonte e escola de liderança, uma vez que, proporciona crescimento pessoal e profissional.

Contudo, a questão da responsabilidade social se encontra complexamente organizada, não podendo ser entendida por meros aspectos psicológicos, logo, há que se considerar o contexto sócio-econômico em que ela se insere. Pensar a questão da responsabilidade social como remissão de culpa, circunscreve e limita o tema.  Suge, inclusive, o reconhecimento, por parte das classes empresariais, dos danos que sua produção em massa gera a toda a sociedade, englobando, desde os impactos ambientais até as desigualdades sociais. O que se faz falacioso, pois, a “Responsabilidade Social” trata-se de um discurso, o qual esconde interesses recônditos a serviço do capital.

Cheibub e Locke(2002) apresentam outro fator em relação aos programas de responsabilidade social empresarial, o aspecto político. Assim, apontam a necessidade da empresa construir vínculos com a sociedade e seus vários setores como sindicatos, governo e sociedade civil. A finalidade disto consiste em contribuir para um “adensamento da sociedade” em que a empresa se insere, o que, diante de uma análise mais aprofundada não difere das visões apresentadas por Alves e outros autores citados aqui. Porém, Cheibub e Locke (2002) vêem na responsabilidade social das empresas um caminho para o desenvolvimento das regiões onde estas empresas estão inseridas. deste modo, “uma empresa socialmente responsável considera o seu sucesso um empreendimento coletivo, envolvendo todos os seus membros: trabalhadores, gerentes, executivos, fornecedores, etc.” (p. 14).

Responsabilidade Social Empresarial: uma análise crítica

De forma geral, as interpretações que se vê expostas anteriormente acerca da Responsabilidade Social Empresarial, no fundo, trazem imbuídas uma única e principal característica deste tipo de programa, seu objetivo primordial: aumento dos lucros da empresa. Embora alguns autores como Keynes possam entender que o aumento do lucro é deixado em segundo plano, para que assim, a empresa possa se dedicar à sua imagem perante o público, em busca de consumidores. Autores como Bowen acreditam que as empresas ao atuarem desta forma têm como objetivo primordial a manutenção do sistema capitalista. Isto fica evidenciado nas entrevistas realizadas com as empresas: “os funcionários realizando o que a empresa ensina e esclarece” e, ainda, “a empresa através de seus projetos tenta passar conceitos, disseminar práticas de responsabilidade social, informações diversas, ética”.Assim, Corrêa e Medeiros (2003) acreditam que não se trata de a empresa atuar de acordo com as regras éticas e morais da sociedade em que se insere, pelo contrário, são as próprias empresas quem determina os padrões éticos e morais, “pois a empresa torna-se o modelo de sucesso, da verdade, da moral, etc., ou seja, torna-se a maior referência para o indivíduo” (p.36). Destarte, muitas das afirmações de que as empresas sofrem pressões sociais para, de certa forma, reparem o mal que a produção em massa gera a sociedade como um todo e, que por este motivo implanta programas que visam a minimizar tais danos causados por ela, não se sustentam. Ora, se temos uma sociedade cujos balizadores são justamente os meios de produção, conseqüentemente, será seu representante, ou seja, as grandes empresas quem ditarão as regras de conduta social, moral e ética.

Assim sendo, será nos exemplos de sucesso das empresas em que a sociedade se espelhará. Além disso, de acordo com os questionários aplicados, a maioria das empresas respondeu que o motivo pelo qual foi implantado um programa de responsabilidade empresarial está diretamente ligado às estratégias empresariais.Outro aspecto dos programas de Responsabilidade Social se dá por meio de sua divulgação, através do marketing social, o qual se constitui em propagandas sobre as ações sociais das empresas. Isto, mais uma vez, atendendo a lógica do sistema capitalista, cria nos indivíduos a necessidade de “consumir” responsabilidade social, isto se faz explícito na fala de um dos entrevistados o qual afirma que “como toda empresa certificada com selo abrinq e outros, geralmente pesa na hora de um contrato”. Além do que todos os entrevistados de forma afirmativa ao serem questionados se os programas de responsabilidade social criam em seus consumidores um comportamento de fidelidade.

De acordo com Corrêa e Medeiros (2003), este tipo de manipulação se dá porque “o capital aproveita-se dos abalos mentais e sociais que ele mesmo provoca para lançar suas teses que, logicamente, atendem a seus objetivos” (P. 35). O que, para estes autores, é fruto da “nova ordem mundial”, acarretando uma:[…] reestruturação produtiva e a globalização do capitalismo, atua como condição para desenvolvimento da crise de identidade do indivíduo, porém este movimento também dá condições às empresas de se tornarem as instituições “maiores” de nossa sociedade o que traz diversas implicações. (p.36)Assim, uma das implicações seria a fragilidade do indivíduo e a tomada do ideal da empresa como sendo o seu próprio ideal, o que popularmente se chama “vestir a camisa da empresa”  e com isso:As pessoas tornam-se míopes, pensam e agem de acordo com os interesses que o capital nelas implantam e, assim, não vêem o porque de sofrerem cada vez mais problemas físicos e mentais, de cada vez terem menos tempo disponível para suas relações familiares e sociais, etc. (p. 43).  
De acordo com o que Corrêa e Medeiros (2003) apresentam acerca desse comportamento por parte dos funcionários das empresas, estes adquirem “aos poucos uma nova consciência”(p. 35). E, ainda segundo a interpretação dos mesmos autores sobre a teoria de Freitas, as empresas são capazes de notar rapidamente o que ocorre a sua volta e direcionar suas ações para preencher possíveis lacunas. Isto se dá por serem elas, como dito acima, os representantes da sociedade capitalista. Esta interpretação vem ao encontro com o que Bowen expõe, pois, para este autor as empresas devem voltar suas ações para as necessidades atuais da comunidade. Porém, tal característica se configura como uma estratégia empresarial de incutir na comunidade uma necessidade, que em última análise, é a necessidade própria da empresa.

Embora as empresas constituam importantes atores sociais e seus programas de responsabilidade social visam, na maioria das vezes, ações fora da empresa, o que na verdade ocorre é que isto “atua a responsabilidade social da empresa: legitimando seus meios produtivos perante seu público interno” (Corrêa e Medeiros, p. 42). Diante disso, fica claro porque alguns autores tratam responsabilidade social como algo que enaltece o trabalhador. Pois, as empresas incutem em seus funcionários um orgulho em trabalhar em empresas socialmente responsáveis.

Mas, o que isto influencia na maximização do lucro de uma empresa? Uma vez que o aumento do lucro está diretamente relacionado com o montante produzido, e, que a produção depende da atuação do profissional, consequentemente, as empresas valem-se da afirmação de que quanto melhor o funcionário se sente na e com a empresa, maior será sua produtividade. O que pode ser notado na fala de um dos entrevistados, quando questionado de que maneira os programas de responsabilidade social contribuem para a estratégia da empresa, ele respondeu: “Menos acidentes no trabalho, absenteísmo (menos falta no trabalho) […] não quer dizer que insatisfação não ocorra, mas houve uma queda significativa”. Ou, ainda, em outra fala encontramos: “Orgulho de pertencer a uma empresa cidadã e ser reconhecido por exercer a cidadania. Aumenta a motivação e produtividade dos funcionários”.

Destarte, tanto as teorias como as falas dos entrevistados, umas mais explícitas que as outras, aqui analisadas apontam que o interesse por trás de programas de responsabilidades das empresas é exclusivamente o aumento do lucro, logo, a manutenção do sistema capitalista de produção, portanto:

A organização capitalista através dos métodos aplicados pelo seu processo produtivo impossibilita ações sociais transformadoras e duradouras, no máximo elas apaziguam problemas sociais de forma superficial e limitada no tempo e no espaço, pois uma empresa de qualquer forma – mesmo que socialmente responsável – têm impacto social. Isto é algo intrínseco ao sistema capitalista de produção. (Corrêa e Medeiros, 2003 p. 42) E isto se dá porque é a própria empresa dita as maneiras e os objetos de consumo. Desta forma, tudo vira uma forma de consumo, mais ou menos padronizada. Pois, ao realizar seus projetos sociais a empresa investe, no marketing ou propaganda dessas ações, fazendo, com isto, que a sociedade consuma suas ações sociais, criando esta necessidade nos seus clientes: consumir marcas socialmente responsáveis. E a divulgação de ações sociais se dá tanto para o público interno da empresa (os funcionários),  quanto para o público externo. Como se vê, a dinâmica do capital não é distinta, as ações sociais empresariais são vendidas tanto quanto seus produtos.Para Fischer (2005), a publicidade criada pela mídia e a atuação de entidades que propagaram o conceito da Responsabilidade Social têm incitado essa tendência, que parece caminhar no sentido de corroborar a participação da sociedade civil organizada. Até 1998, as empresas que sustentavam projetos sociais não investiam na divulgação dessas ações. Considerava-se que esse assunto dizia respeito ao meio interno das organizações e às decisões pessoais do empresário, havendo dessa forma, o mínimo de conhecimento sistematizado sobre o tema. Desde então, vêm sendo produzido amplo material sobre este tema, por meio de estudos acadêmicos, pesquisas, materiais de divulgação institucional e, numa maior demanda, a ampla divulgação da mídia sobre as ações sociais financiadas por organizações atuando em parcerias. Fischer (2005), ainda observa a impossibilidade de o Estado assumir totalmente a responsabilidade de intervir nas deficiências da sociedade, ressaltando, portanto, a importância da descentralização das políticas sociais. Isto acaba possibilitando o engajamento da sociedade civil, no sentido de ampliar a inclusão dos segmentos sociais no domínio do atendimento público. Desta forma, as empresas estão cada vez mais conscientes de que uma sociedade, na qual o cenário predominante é o de pobreza e desigualdade, desencadeia fatores limitantes para o crescimento econômico da mesma. Daí a crescente mobilização no que se refere à questão da responsabilidade social, pois, as empresas investem também em capacitações, ensino, curso técnico para seus funcionários. E, embora o discurso seja de que tais ações visam ao crescimento profissional do trabalhador, geralmente, tais cursos são voltados para as necessidades da empresa e não a de seu funcionário. Embora, se perceba, nitidamente, um discurso neoliberal na análise de Fischer (2005), a autora explicita que o verdadeiro interesse das empresas com estas ações de cunho social é: o crescimento econômico da sociedade. O que, diante de uma análise mais atenta, pode ser traduzido pelo aumento do mercado consumidor, pois as empresas entrevistadas, afirmam que seus programas de responsabilidade social “contribuiu para resultados sustentáveis nas comunidades”. Vindo a corroborar com as conclusões de Corrêa e Medeiros (2003), os quais destacam que o sistema capitalista, da forma como se organiza, não dá margens para uma mudança na forma de produção da vida.Com isto, conclui-se, que os projetos de Responsabilidade Social Empresarial não visam à transformação da sociedade, nem, tão pouco, de seu sistema de produção. Não obstante, estes projetos só reiteram a dinâmica imposta pelo sistema capitalista. e, de acordo com as entrevistas realizadas pode-se notar que as empresas buscam solucionar problemas os problemas da comunidade os quais a própria empresa elege como pertinentes. Outro fator de destaque é que elas ainda estão voltadas para ações sociais as quais possuem um caráter mais assistencialista. O que se efetiva por meio de campanhas, patrocínios, doações de dinheiro, dentre outros. Outro aspecto relevante é o incentivo ao voluntariado por parte dos seus funcionários. As empresas afirmaram que tais ações podem ser realizadas tanto no horário de expediente quanto fora dele, e que, em sua grande maioria, recebem apoio da empresa, bem como, ajuda a “somar pontos para uma eventual promoção deste funcionário”. Assim, os funcionários se vêm incentivados a trabalhar além de seu horário de trabalho regular, o que se configura em uma exploração deste trabalhador, pois, disponibiliza a sua força de trabalho, sem remuneração alguma, para ações chamadas de “voluntárias”.

A responsabilidade social tem um caráter de incutir nos indivíduos a necessidade de ajudar ao próximo, de reduzir as desigualdades sociais e minimizar a pobreza. Este é o discurso que se criou para justificar o investimento de empresas no crescimento econômico da sociedade como um todo. É uma fala tão mascarada e diretamente ligada a condutas de caráter que nem mesmo os próprios responsáveis em desenvolver tais programas conseguem analisá-los de forma crítica. Pois, ficou claro que tais ações visam ao aumento da exploração da mão de obra do trabalhador e aumentar os lucros da empresa. Tendo em vista que são criados, nas empresas, setores especiais para tratar da responsabilidade social, para a qual é reservada uma parte do orçamento da empresa. Assim, não é possível considerar que tais interesses empresariais condizem, apenas, com a vontade da empresa em ser “boa” com os menos necessitados, vez que, a empresa precisa vender seus produtos e isto se faz mais fácil em uma sociedade que possua uma economia estável, onde um número maior de pessoas seja capaz de consumir cada vez mais
         

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[1] A globalização pode ser caracterizada como um processo de estreitamento da integração econômica, social, cultural e política, que se faz evidente pelo barateamento dos meios de transporte e comunicação entre os países do mundo no final do século XX e início do século XXI. Este fato se apoia na necessidade de se haver um maior intercâmbio global, permitindo maiores ganhos para os mercados internos já saturados.

[2] organização não-governamental, fundada em 1998, que tem por objetivos mobilizar, sensibilizar e ajudar as empresas a gerir seus negócios de forma socialmente responsável, tornando-as parceiras na construção de uma sociedade sustentável e justa.

[3] Grifo nosso.                                   

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