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Do “fora” a um fora – um olhar a partir do referencial lacaniano sobre o filme “a mulher invisível”

O trabalho é uma breve reflexão sobre as relações afetivas tendo como parâmetro o filme “A mulher invisível” de Cláudio Torres (2009). A proposta não é fazer reflexões sobre o filme propriamente dito, a ideia é justamente usarmos alguns aspectos como – a desilusão amorosa, a relação “imaginária” com uma mulher ideal, a percepção social da loucura e o desenlace amoroso por meio da produção literária como a produção de si. Respaldados na teória de J. Lacan fazemos uma análise do personagem Pedro, tentando refletir sobre a seguinte questão – seria Pedro um neurótico ou um sujeito constituído por foraclusão?

O objetivo não é uma reflexão analítica do personagem principal, mas a introdução de diversos parâmetros sobre a elaboração da desilusão amorosa e todos os elementos que o cerca neste trabalho. Palavra-Chave: relações afetivas, subjetividade e psicose.

O filme “A mulher invisível” de Cláudio Torres lançado este ano (2009) nos cinemas do país, contém uma temática aparentemente baseada em uma história de frustração amorosa, em que o personagem principal – Pedro – passa a se relacionar com uma mulher invisível, ou melhor, a mulher ideal criada a partir do seu imaginário. Não estamos aqui para fazer críticas de cinema, gostaríamos de provocar-vos para refletir sobre as relações afetivas na contemporaneidade, a relação entre a normalidade e a loucura.O filme evidencia a incapacidade de tolerarmos a frustração frente ao término de um relacionamento supostamente tranqüilo demais. Além disso, incluímos uma discussão a cerca dos aspectos psicológicos do personagem Pedro.

>Partimos do pressuposto de que tanto a paixão ou a falta desta são ensandecedoras. Até as pessoas consideradas “as mais equilibradas”, em situações de abandono e revivência das angústias iniciais de nossa vida, são capazes de regredir a estágios iniciais apresentando alucinações e angústias avassaladoras.O fato é que quando qualquer pessoa, inclusive o Pedro perde algo tende a se identificar com ele narcisicamente e a introjetá-lo ao próprio eu. A depressão e a melancolia correspondem a um modo particular de elaboração inconsciente de perdas reais ou simbólicas.A partir da demanda de lidar com a frustração de ser abandonado pela esposa, Pedro fica em depressão profunda criando um mundo paralelo fundamentado em sua imaginação. Vivencia o cotidiano a sua maneira e em seu apartamento se relaciona com uma mulher ideal, a qual aceita os atrasos, traições, assistir ao futebol, faz sensualmente os afazeres domésticos e ainda consegue se fetichizar com lingeries. E claro, ainda é boa de cama! A repercussão dessa vida imaginária é confrontada com elementos do dia a dia, como o amigo do trabalho que pede para ver uma foto da suposta “nova” namorada. Neste momento, Pedro é tomado por, mais uma vez, outra frustração de não vê-la na foto e desequilibra a estabilidade conquistada até então. Comparamos aqui o momento de crise do Pedro com as crises que se desdobram no desencadeamento da foraclusão (ou forclusão). Este é um dos tipos de personalidade proposto por J. Lacan, ainda há a neurose e a renegação.

A foraclusão também pode ser denominada vulgarmente como psicose, entretanto, constitui-se por não existir o significante do nome-do-pai no inconsciente havendo sempre o retorno deste significante de modo alucinatório no real do sujeito.De modo geral, as pessoas constituídas por foraclusão não são sensibilizadas por elementos da realidade, geralmente, estas pessoas vivenciam o mundo entrecortado pelo real, devido à incapacidade de simbolização que nós, neuróticos, temos.Nesse sentido, paira a pergunta – seria Pedro um neurótico ou um sujeito constituído por foraclusão?Ainda, continuamos a falar dos sujeitos que vivem no “fora”, comumente são ótimos criadores, contestadores do modo de vida capitalista. Muitas vezes, mantém uma vida dentro dos padrões normativos por meio da imitação, mas há presença de elementos caracterizadores da dificuldade de simbolização. As pessoas estabilizadas ou que ainda não desencadearam alguma crise psicótica inserem-se no campo simbólico através de uma “bengala” imaginária com função de suplência ao significante do nome-do-pai. Por diversos motivos esta “bengala” pode ser quebrada fazendo o sujeito entrar em crises significativas.Portanto, os sujeitos da foraclusão se inserem no campo imaginário, antes de uma crise ou após ela, durante a estabilização, havendo presença de elementos da psicose como – alucinações, persecutoriedade, vozes e etc.

Pedro, a princípio vivia o novo relacionamento de modo real. Entretanto, ele se questiona quando há a falta da prova de realidade, por isso não adianta os outros dizerem a ele “você está louco, e isso é coisa da sua cabeça”, as falas para o sujeito da foraclusão não têm efeito sobre este. Ao contrário do que acontecia com o neurótico Pedro, ele passava também a duvidar da existência desta mulher ideal. A crítica e o julgamento dos dados de realidade a estas pessoas vêm quando o sujeito possui estabilidade psíquica e sua “bengala” imaginária foi recolocada no lugar, ou se o sujeito consegue trabalhar algumas questões em psicoterapia.As pessoas que levam “um fora” podem entrar em crise – depressão, luto prolongado e até o desencadeamento da foraclusão. De modo geral, “um fora” faz uma pessoa falar nele várias vezes, reclamar, chorar e reclamar. A repetição consiste na produção de significantes, dessa forma, ocorrerá até o sujeito superar e elaborar o fato, por meio da produção de um significante novo. Neste contexto inclui nosso personagem principal. Pedro permaneceu um período afundado em lamúrias, tentando a elaboração do fato junto com sua mulher ideal e irreal. No entanto, passam a chamá-lo de doido e o vêem como um estranho. Ao mesmo tempo, ele reconhece o estranhamento dos outros, ou seja, há efeitos sobre ele.Além disso, ele se esforça para “desaparecer” com esta mulher ideal tentando atender as exigências e expectativas do mundo neurótico e normal de ser.

Até então Pedro sofre suas mazelas amorosas neuroticamente, assim como grande parte das pessoas. Entretanto, ressaltamos a importância que teve a entrada de uma (terceira) nova mulher, agora verídica, em sua vida e também da escrita de um romance relatando sua superação amorosa.No primeiro caso, há uma confusão entre a realidade e a idealização em que Pedro sente-se inseguro para começar a se envolver afetivamente com outra mulher. Certamente, um sujeito da foraclusão não hesitaria, apenas iria atrás da mulher que o “persegue”. É neste contexto, que Pedro sofre com muito preconceito, é estigmatizado e tratado com descrédito pelos amigos e pela mulher real, não sendo considerado seu desejo, suas vontades e havendo uma escuta parcial. Chega a ser internado e medicado, deixando apavorados os idealizadores da Atenção Psicossocial e da Reforma Psiquiátrica que se fundamentam numa atenção qualificada baseada na escuta e contra a hospitalização e uso abusivo de medicamentos. 

Parece que o personagem conseguiu superar rápido o preconceito e a estigmatização por justamente não ser um louco legítimo. Em seguida, ele retorna aos padrões de normalidade. Esta é favorecida pela escrita de um segundo romance com a história que ele vivenciou, por meio da introdução de novos significantes ao contexto de intensas frustrações amorosas como forma de elaborar o episódio e dar um sumiço na mulher ideal. Ao inscrever novos significantes ele escreve um novo desenrolar para sua história de vida.Às vezes, a mulher ideal insiste em reaparecer! Mas, Pedro agora já possui maior domínio sobre seu imaginário. E nada melhor que outras paixões para superar as perdas.

 
Referẽncias Bibliográficas

LACAN, J. O seminário, livro 03: As psicoses. Ed. J. Zahar. Rio de Janeiro, 1985.

________ . O seminário, livro 11: Os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Ed. J. Zahar, Rio de Janeiro, 1998.QUINET, A. Teoria e Clínica da Psicose. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2 ª ed., 2000.

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