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A Terapia Analítico-Comportamental não é um conjunto de técnicas

Por Carolina B. F. Niero e Jan Luiz Leonardi

A terapia analítico-comportamental continua sendo vista como um conjunto de técnicas nocivas destinadas à manipulação indiscriminada dos indivíduos, apesar dos esforços dos analistas do comportamento para explicitar a verdadeira filosofia, teoria e prática desse tipo de terapia. Essa visão, que parece predominar sobre o público em geral, costuma inviabilizar essa abordagem como uma alternativa plausível de prevenção e intervenção psicológicas.

Um exemplo dessa visão falaciosa é a freqüente associação da terapia analítico-comportamental ao filme Laranja Mecânica, em que o protagonista é submetido a uma técnica cruel de modificação de comportamentos, que visa alterar seus atos socialmente inadequados, tais como estuprar, espancar, roubar e matar.

A terapia analítico-comportamental – a psicologia clínica embasada no Behaviorismo Radical e na Análise do Comportamento – compreende que o processo terapêutico deve evitar qualquer tipo de controle aversivo, com o intuito de ser um contraponto àquilo que o cliente experiencia em sua vida cotidiana.

O olhar clínico analítico-comportamental procura compreender a ampla gama de relações que o indivíduo tem com o ambiente, e para isso lança mão da avaliação funcional.  A avaliação funcional é a identificação das relações de dependência entre as ações do organismo e os eventos ambientais antecedentes e conseqüentes.

Nessa forma de psicoterapia, a avaliação funcional é base da compreensão da problemática do cliente e é dela que deve partir toda e qualquer proposta de intervenção, seja esta realizada através de técnicas ou não. É pertinente ressaltar que as técnicas, se necessárias, podem atuar nas diferentes instancias da problemática do indivíduo e que seu uso está sempre correlacionado com avaliações constantes de sua necessidade e eficácia.

A terapia analítico-comportamental não se baseia na dicotomia normal-patológico, pois, profundamente influenciada pela teoria da evolução por seleção natural de Charles Darwin, compreende que os repertórios comportamentais são produto de histórias de variação e seleção nos níveis biológico, individual e cultural (Skinner, 1981/1987). Assim, se os comportamentos ditos “patológicos” se mantêm, é porque produzem reforço e, portanto, estão adaptados em algum grau. Nesse sentido, todos os comportamentos são explicados pelas mesmas leis, sejam eles considerados “patológicos” ou não. Nas palavras de Sturmey, Ward-Horner, Marroquin & Doran (2007): “O Behaviorismo (…) não atribui status especial à psicopatologia. O Behaviorismo explica o comportamento incomum – até o mais incomum – nos mesmos termos e com
as mesmas variáveis que qualquer outro comportamento.

A psicopatologia, como outro comportamento, é para serem operacionalizada, suas fontes de variação identificadas e suas relações funcionais devem ser descobertas. Se alguém deseja alterar o comportamento psicopatológico, então este deve ser tratado através dos mesmos métodos empregados na modificação de outros comportamentos. Ao explicar a psicopatologia, as explicações do comportamento e da mudança de comportamento são as mesmas utilizadas para explicar qualquer mudança comportamental” (p. 8).

Em vista disso, o terapeuta analítico-comportamental tem como objetivo intervir sobre aquilo que traz sofrimento para o cliente, sendo este que define o que é inadequado, desviante ou problemático, o que, na prática, significa trabalhar com déficits e excessos comportamentais. Assim, o uso indiscriminado de técnicas é equivocado e até antiético, na medida em que desconsidera os pontos supracitados, podendo inclusive culminar na manutenção e/ou aumento da problemática do indivíduo, como na “substituição de sintomas”. Quando a avaliação funcional é bem conduzida de modo a fornecer um modelo confiável do funcionamento do individuo, as técnicas podem muitas vezes serem coadjuvantes e de grande utilidade para o manejo dos comportamentos-alvo.

A técnica, como qualquer instrumento, pode ser bem ou mal utilizada. O ponto fundamental trazido no presente texto é que terapia analítico-comportamental não é o mesmo que um conjunto de técnicas. Estas são válidas e úteis quando são decorrentes de uma avaliação funcional rigorosa e coerente. Nesse sentido, a terapia analítico-comportamental fornece um modelo consciencioso ao considerar que cada ser humano é singular, que todo comportamento tem função adaptativa e que a intervenção psicoterápica deve ser baseada na queixa do próprio cliente.
 
* Carolina B. F. Niero e Jan Luiz Leonardi são alunos do curso de especialização em psicologia clínica analítico-comportamental no Núcleo Paradigma.

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