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Psicanálise, Linguagem e Interpretação

Três conceitos absolutamente ligados, e sem os quais uma psicanálise ficaria inviabilizada a priori. O paradigma lacaniano,onde o inconsciente é estruturado enquanto linguagem.

O  que nos importa retratar nesse trabalho, é uma importante referência à questão da linguagem no processo de análise. Sabemos que não é a partir do enquadre, da disposição espacial que ocupam analista e analisando para falar, que se constitui o ponto essencial da questão. Na verdade, a questão da linguagem na análise tem tudo a ver com a possibilidade de produção de “lugares” no interior da fala. Ao tomarmos como paradigma o sonho e o caráter a-social e a –comunicacional da linguagem na análise, é que a situação analítica constitui-se justamente  numa espécie de ruptura com aquela que se constitui na fala comunicativa, informativa.Mesmo quando estamos falando de vivências transferenciais e contratransferenciais nem sempre se tem presente, segundo Pierre Fédida, que “o próprio vivido não se formaria em nenhuma experiência de si, sem o passado da linguagem, cuja memória desconhecida a fala tem o poder de despertar”. Fédida trabalha muito a noção de “sítio do estrangeiro”, também denominado como sendo o “terceiro ausente”.

Este é, na verdade, o destinatário virtual das falas do analisando e que é importante termos em mente, não coincide de forma alguma com a pessoa do analista. Entendemos que essa “assimetria” entre o terceiro ausente e a pessoa do analista, é fato fundamental no que se refere à escuta, a atenção flutuante e por via de conseqüência, ao que tange a interpretação.Essa noção dos “lugares” na obra de Fédida, em nada tangencia a noção de espaço, constituindo-se em algo da ordem do irrepresentável. No intuito de defini-lo ( o “lugar” ), Fédida recorre a noção de CHÔRA ( cora ), com a qual Platão designa uma categoria necessária do ser, a qual não coincide nem com o sensível ( da experiência ) e nem com o inteligível (da estrutura),e que corresponde nas palavras do autor, ao “sítio invisível do engendramento dos lugares dos nomes, onde se fazem e desfazem as figuras. Rumo a uma tentativa de maior precisão, nos diz que “é o nome que define o lugar, porque o nome não está em parte alguma, e porque tem, no tempo da linguagem,a propriedade de dispor das figuras”. Se nos utilizarmos de uma outra forma de colocar a mesma situação, poderemos dizer que o “lugar” refere-se a possibilidade de construir na linguagem pontos de vista, lugares de observação graças a figurabilidade da “palavra-nome”. A partir desse ponto, opto por enfocar, ainda na questão da linguagem, a interpretação psicanalítica. É sabido que existem várias maneiras de realizarmos um “approach” sobre o tocante a interpretação em análise.

Vamos aqui perseguir um traçado que em sua base está referenciado ao olhar lacaniano. Nesse sentido, o que define uma interpretação, não é a sua forma de apresentação, ou mesmo a função instrumental que ela cumpre e nem mesmo o sentido que ela veicula. O que na verdade vai definir o estatuto de uma interpretação, será a sua efetuação, isto é, pelas condições através das quais ela se produz no analista, bem como nos efeitos que ela produz no analisando. Na verdade, dentro desse angulo de visão, o mais importante é o valor significante da interpretação. Vale dizer que a interpretação somente importa numa análise, como sendo um elemento pertencente a uma estrutura. Então, para enfocarmos uma interpretação significante, deveremos considerar, segundo Juan-David Nasio, três aspectos:= como uma interpretação é gerada no analista?= por meio de que mecanismo ela opera?= o que ela gera no analisando?Dentro de uma visão lacaniana sobre a interpretação, podemos dizer que: a interpretação é uma palavra de ordem de um dito pelo grande Outro, esperada pelo grande Outro. O analista é apenas o porta-voz. A interpretação deixa o grande Outro, passa pelo canal do analista e se dirige para o grande Outro. Trata-se, portanto, de palavras esperadas. Para J. Lacan, jamais existirá uma interpretação se aquilo que o analista diz já não estivesse dito pela metade, ou semi-dito, sabido pela “metade” do analisando.Mesmo em Freud, levando-se em conta o constructo teórico-técnico da psicanálise, poderemos dizer que o que “garante” a validade e o acerto de uma interpretação, é todo o material anterior e posterior a ela. Técnicamente falando, jamais poderemos levar em conta o SIM ou o NÃO do analisando como referência de acerto ou de erro de uma interpretação feita pelo analista. Vamos nos deter um pouco na questão da linguagem e interpretação. Procuraremos trazer à luz o “olhar” de alguns outros autores: Já em Freud, a definição de interpretação tem a ver com o caminho que a compreensão do analista percorre para ir do conteúdo manifesto às idéias latentes. No tópico paradigmático do sonho, a interpretação percorreria o caminho inverso daquele realizado pelo processo de elaboração onírica. Portanto, podemos sempre dizer que a interpretação se refere ao conflito e ao desejo. Se olharmos dentro de um ponto de vista metapsicológico, deveremos ressaltar que a interpretação fica sempre localizada e entrelaçada no tripé: “topográfico-dinâmico e econômico”. Apenas para recordar, quando em psicanálise se define um conceito, esse terá que ser definido em termos tópicos, dinâmicos e econômicos( metapsicologia ). Em Freud, interpretar é colocar as claras o significado de um desejo inconsciente, isto é, trazer à luz uma determinada pulsão.Falaremos agora sobre a contribuição de outros autores, como por exemplo Didier e Annie Anzieu, os quais em vários trabalhos discutiram o conceito de interpretação. Para Didier, o analista está envolvido em sua totalidade no processo da interpretação. Acredita ele que a interpretação expressa o processo secundário do analista, infiltrado de processo primário. Além da hermenêutica e da lingüística, a interpretação tem para ele, um significado que coincide com a interpretação artística. Assim como o músico ou mesmo o ator, “o analista conserva o texto, mas o reproduz à sua maneira”.  Em outras palavras, diremos que “o analista interpreta com a sua personalidade”. Um aspecto de crucial importância ressaltado por Anzieu, refere-se a divisão existente no interior do processo secundário, o qual caracteriza o sistema percepção-consciência. Caminhando para a conclusão desse trabalho, não poderíamos deixar de lado as considerações de E. Racker, autor de reconhecida competência no que concerne a elaboração dos aspectos técnicos no seio da psicanálise. Racker se apresentou no II Congresso Latinoamericano, de 1958, em São Paulo – Brasil. A temática relativa à sua participação foi “ Sobre a Técnica Clássica e as Técnicas Atuais em Psicanálise ”. Ali parece ter ficado claro que o tópico onde a maioria das escolas diverge, é em relação ao problema da quantidade da interpetação. Ocorre uma diferenciação entre a atividade do analista e o valor técnico do silêncio.  “Silêncios prolongados”, se referem a chamada técnica clássica. Paradoxalmente, quando observamos a conduta de Freud com relação aos seus pacientes, não poderemos então classificá-lo como um analista clássico(!). Tendo adotado uma atitude no mínimo corajosa frente a comunidade psicanalítica, Racker afirma que o calar e o interpretar do analista podem ter o significado de uma atuação. Entendemos portanto, que quando a palavra e o silêncio posuem um valor instrumental, ambos são válidos técnicamente em psicanálise. Da leitura dos excelentes trabalhos de E. Racker sobre transferência e contratransferência, podemos concluir que para esse autor, o analista pode fazer uso da interpretação em quantidade, desde que saiba exatamente o significado daquilo que faz.David Liberman, em seu importante trabalho sobre “Comunicação em Terapêutica  Psicanalítica”, procura colocar a teoria da libido e dos pontos de fixação, que Freud e Karl Abraham estabeleceram, nos moldes da Teoria da Comunicação, assim como propôs Ruesch, em seu “Disturbed Comunication”(1957).  Liberman ressalta que os tipos ou modelos de comunicação tem a ver com os pontos de fixação e com a regressão transferencial.

O que esse autor faz então, é redefinir os quadros psicopatológicos, segundo os modelos comunicativos de Ruesch, a saber:= a pessoa demonstrativa.= a pessoa atemorizada e fugidia.= a pessoa lógica.= a pessoa de ação.= a pessoa depressiva.= a pessoa infantil.= a pessoa observadora e não participante. Apenas para citar, Liberman tece as suas considerações, apoiado em seu mestre E. Pichón-Riviere, autor de renome internacional pelas suas contribuições à psicanálise. Dependendo então do tipo de discurso, Liberman faz aproximações tanto diagnosticas, quanto prognósticas em relação aos pacientes em análise. Em se tratando do estabelecimento desse tipo de tipologia, citamos que Joyce MacDougall, em seu trabalho “Em defesa de uma certa anormalidade”, por várias vezes nos fala dos pacientes-robôs, aqueles que aceitam o enquadre, respeitam o seting, mas nada se passa no tocante a qualquer modificação por menor que seja. Finalmente, quando Didier Anzieu nos fala que o analista interpreta com toda a sua personalidade, ressaltamos que essa consigna estaria exatamente na contra-mão daquilo que costuma ser entendido, errôneamente, como uma conduta neutra do analista. De fato, o analista estaria implicado em sua totalidade, inclusive em sua totalidade inconsciente.


Bibliografia Auxiliar:

Nasio, Juan-David:  “Como trabalha um psicanalista”Liberman, David: “Comunicação e Psicanálise”MacDougal, Joyce: “ Em Defesa de uma certa anormalidade”  

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