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Decompondo o cérebro para testar a mente. Tornando claro os limites da avaliação neuropsicológica

Resumo

A Neuropsicologia é uma área de intercessão entre a Psicologia e a Neurologia que vem se recriando a partir da testagem de funções executivas. A partir dessa questão, a produção de discursos neurocientíficos a partir de testagens neuropsicológicas, o objetivo deste trabalho foi comparar a relação existente entre descobertas das Neurociências e instrumentos Neuropsicológicos para testagem. Conclui-se que existe grande descompasso entre descobertas das Neurociências sobre as bases fisiológicas das Funções Executivas e instrumentos Neuropsicológicos para testagem, o que gera além de um espaço para criação de melhores ferramentas, uma visão crítica dos atuais laudos dos Neuropsicólogos clínicos.

Palavras chave: Neuropsicologia, Testagem, Validade

Confusions arises when similar phenomena are given different labels or different phenomena are given the same label.
Zuckerman, 1991.
Nenhum outro tópico tem atraído maior interesse do que a compreensão dos substratos neurais das funções cognitivas.
Carter et al., 2000.

1- Introdução

Desde o surgimento da Psicologia em 1879, a Avaliação Psicométrica é um dos grandes pilares de sustentação do título de ciência desta (MALKI, 2008, p. 20) e uma das majoritárias ações do psicólogo. Atualmente, contudo, as conclusões decorridas desses procedimentos de testagem psicológica tem tido de se confrontar com as descobertas realizadas pelas Neurociências, um campo relativamente novo, surgido no entorno de 1970, que veio com proposta parecida a da Psicologia: estudar o homem, seus processos mentais e seu comportamento, porém com método mais focado nas bases biológicas desses (BEAR, CONNORS e PARADISO, 2006). Uma clara distinção entre as bases que sustentam ambos os conhecimentos pode ser vistas nas definições traçadas das funções mentais. Enquanto William James, um dos primeiros psicólogos, definiu a Atenção como a tomada de posse pela mente, de modo claro e vívido, de um entre vários objetos (POSNER, 1994), uma variante dessa definição é vista pela Neurociência quando a define como conjunto de processos neurais que permite a seleção de estímulos enquanto filtra distratores potenciais (MENDONÇA, 2009).

Dessa relação entre Neurociência e Psicologia, a Neuropsicologia surge como uma área de intercessão, que toma o cérebro como órgão do comportamento, e utiliza a testagem neuropsicológica para chegar a suas conclusões e ações, que podem ser tanto avaliativas (diagnósticas) como de reabilitação (tratamento, readaptação) (GOLDSTEIN, NUSSBAUM e BEERS, 1998). Dessa forma, o Neuropsicólogo acaba por ser um profissional híbrido, situado nos limites entre Psicologia e Neurologia, que apesar de possuir grande capacidade de discurso biológico, tem sua formação de base na psicologia. Esse profissional, que parece estar sofrendo grande notoriedade com o avanço das Neurociências, acaba por ser obrigado a produzir discursos de saber e de técnica que, por muitas vezes, soam como pouco científicos àqueles que procuram as raízes e bases do comportamento e dos processos psíquicos. É sobre esses discursos de saber produzidos a partir de avaliações de testagem que recai o interesse de investigação e relevância desse trabalho.

O objetivo deste trabalho foi comparar a relação existente entre descobertas das Neurociências e os instrumentos Neuropsicológicos disponíveis para avaliação de sujeitos em uma série de atributos psicológicos. Tendo em vista que o foco das Neurociências é o estudo do Sistema Nervoso e das funções que viabilizam as capacidades intelectuais e que a Neuropsicologia pode ser vista como área da Neurociência voltada para expressão do comportamento por meio de disfunções cerebrais (ANDRADE, SANTOS e BUENO, 2004), a pergunta que se fez foi se é possível produzir, sem grande decalagem de tempo, instrumentos válidos e fidedignos em Neuropsicologia para mensurar as descobertas Neurocientíficas.

O método que subjaz o trabalho é tanto a pesquisa bibliográfica sobre o assunto como a análise de alguns testes atuais utilizados para avaliação e testagem Neuropsicológica. A hipótese levantada foi de que haveria grande descompasso entre a avaliação Neuropsicológica e o avanço neurocientifico, principalmente o neurofisiológico.
 

2- Desenvolvimento

Dentre os atributos neuropsicológicos para comparação, foram eleitos: personalidade, inteligência, pensamento e linguagem, memória e atenção.  Os testes revistos foram o Inventário Fatorial de Personalidade, Teste de Inteligência Não Verbal R1-B, Subteste do Waiss III Semelhanças, Teste de Interpretação de Provérbios, Teste de Fluência Verbal, Teste F.A.S., Teste da Figura Complexa de Rey, Teste de Aprendizagem Auditivo-Verbal de Rey, Stroop Test Victoria e Trail Making Test.

Para comparação, foram revistas as teorias dos “Neurotransmissores e Personalidade”, que cita, entre outros, que o elevado nível de dopamina resulta em uma personalidade mais extrovertida e impulsiva, similar ao que vemos na hipomania (ZUKERMAN, 1991, p. 217) e que a elevação de Norepinefrina gera pessoas ansiosas, socializáveis e dependentes (GRAY, 1997 apud ATKINSON et al, 2002). Quanto à inteligência, comparou-se a teoria Bifatorial de Sperman, (1955, apud, MALKI, 2008), que fundamenta o teste R1-B, com a Teoria da Inteligência Biológica, que cita a relação entre composição genética, estrutura cerebral e forma de comunicação sináptica e, apesar de valorizar bastante a teoria do fator g, apregoa o certo distanciamento que uma possui da outra (EYSENCK, 1998, p. 63). Sobre inteligência, ainda é bastante persistente frisar que a enorme carência teoria sobre o assunto fez com que E. G. Boring declarasse que “inteligência é o que o teste testa” (1923, p. 35, apud, BRODY, 2000).

As funções de Pensamento e Linguagem são intimamente relacionadas, onde o primeiro relaciona-se com a antecipação de acontecimentos e o segundo como processo intermediário entre pensamento e mundo externo (CHENIAUX, 2005, pp. 47-53).  Os testes utilizados para análise das funções se limitam em avaliar disfunções do pensamento e da linguagem, avaliando se o testando perdeu a habilidade, entre outras capacidades, de oscilar entre idéias, abstrair situações concretas, utilizar conceitos e nomear imagens, não possuindo sequer a intenção de buscar as causas do comprometimento, porém, apenas de listá-los.

A função da Memória foi comparada com a teoria da Plasticidade Sináptica, que imbrica a relação do lembrar-esquecer com alguns neurotransmissores de suma importância, como o Glutamato, responsável por consolidar as informações e a proteína β-amilóide, responsável pelo esquecimento (LESNE et al, 2006). Por fim, a capacidade Atentiva medida em testes foi relacionada com a teoria da Síndrome Pré-Frontal, que situa a localização da capacidade atentiva no córtex pré-frontal dorsolateral (MENDONÇA, 2009).
 

3- Resultados

Apesar da análise não ser passível de análise da estatística inferencial, os resultados vieram a confirmar a hipótese lançada por alguns motivos listados a seguir: 1) nenhum dos manuais dos testes sofreu revisão após a publicação das teorias pesquisadas, mesmo quando essas não são tão recentes (10 anos prévios ou mais); 2) nenhum teste possui inclinação e sofisticação para lidar com questões neuroanatômicas maior do que diferenciar o cérebro em seus lobos e córtex; 3) ainda existe grande discussão teórica sobre a gênese das funções mentais analisadas; 4) enquanto a Neurociência, no geral, é desenvolvida por múltiplos saberes (neurologia, biomedicina e psicologia, como base), os instrumentos de testagem neuropsicológica recebem maior atenção apenas de psicólogos, além de serem de uso privativo desses e 5) um fator que agrava a elaboração de testes em relação ao tempo das descobertas neurocientíficas é que todo procedimento estatístico deve passar por uma série de pré-requisitos, protocolos, para receber autorização ou não de ser utilizado em uma determinada população.
 

4- Considerações Finais

Pelos dados expostos, pôde-se chegar a conclusão de que enquanto as Neurociências descobrem e formulam diversas teorias sobre como o funcionamento cerebral interfere na conduta e no psiquismo de sujeitos, a testagem Neuropsicológica não consegue chegar a tanta sofisticação e desenvolvimento, sendo mais generalista e bem menos específica em suas análises. Porém, é possível visualizar que muitos autores pesquisados das Neurociências colocam em negrito a importância dos precursores da psicologia e que, mesmo que sem tanto suporte biológico, a Neuropsicologia produz grandes avanços. Essa conclusão coloca claro os limites dos Neuropsicólogos clínicos, que parecem desconhecê-los em seus laudos, pareceres e diagnósticos peremptórios, porém abre uma grande alçada de pesquisa para produzir instrumentos que não favoreçam nem ao processo de coisificação do sujeito nem ao mentalismo exacerbado.
 

5 – Referências Bibliográficas

ATKINSON, R. L. et al. Introdução à Psicologia de Hilgard. São Paulo: Artmed, 2002.

ANDRADE, V. M.; SANTOS, F. H. & BUENO, O. F. A. Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Artes Médicas, 2004.

BEAR, M. F.; CONNORS, B. W. & PARADISO, M. A. Neurociescense: exploring the brain. London: Willians&Wilkins, 1996.

BRODY, N. History of theories and measurements of intelligence. In: R.J. Sternberg (Ed.) handbook of Intelligence (16-33). Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

CHENIAUX, E. Manual de Psicopatologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2005.

EYSENCK, H. J. Intelligence: a new look. Brunswick, NJ: Transaction Publishers, 1998.

GOLDSTEIN, G.; NUSSBAUM, P. D. & BEERS, S. R. Neuropsychology. New York: Plenum Press, 1998.

LESNE, S. et al. A specific amyloid-beta protein assembly. In: the brain impairs memory. Nature, 2006, Mar 16, pp. 352-357.

MALKI, Y. Descortinando o teste psicológico e sua relação com a educação. São Paulo: Annablume, 2008.

MENDONÇA, L. Bases biológicas do comportamento. In: Cad. Bras. Saúde Mental, Vol 1, no1, jan-abr, 2009 (CD-ROM).

POSNER, M. I.; RAICHLE, M. E. Networks of attention. In: Images of mind. New York: Scientific American Library, 1994, p. 153-180.

ZUCKERMAN, M. Psychobiology of Personality. Cambridge, Cambridge University Press, 1991.

One thought on “Decompondo o cérebro para testar a mente. Tornando claro os limites da avaliação neuropsicológica”

  1. Pois eu sempre desejo a todos primeiro saúde para viver depois a sensatez a qual faz parte da intelligência, que através dela se torna a chave não só para o casamento, mas para a convivência em geral.

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