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A proibição do incesto e o pai da horda primitiva

Quando em Psicanálise nos referimos a noção de pai, temos que ter como referencial o mito simbólico do pai da horda primitiva. Sabemos que esse conceito é abordado por Freud, através de análises antropológicas na sua magistral obra denominada “Totem e Tabú”(1912/13). Assim, a teoria do pai em Psicanálise possui o seu fundamento na conceituação do pai da horda primitiva ou primeva.

Damos sequencia a nossa conceituação, abordando a questão do par natureza-cultura: tradicionalmente esse par se apresenta como sendo um par de naturezas opostas. O cultural estaria se referindo ao adquirido, ao social e se oporia a tudo que fosse da ordem do inato. Existiria então a idéia de uma progressão ordenada e hierarquizada entre o estado de natureza e o estado de cultura. Rousseau por exemplo parte da seguinte idéia geral: “a natureza do homem teria sido pervertida, corrompida pela sociedade. Por esta razão, apenas uma ficção do homem no estado de natureza permitiria re-situar aquilo que a cultura destruiu completamente”. Acabamos chegando a tese muito cara a Rousseau, do homem como sendo um animal depravado. Essa noção supõe que a moralidade é inerente ao estado de natureza e a depravação é concernente ao estado de cultura. Ainda para Rousseau, é pois o movimento que, fazendo advir o homem, ao mesmo tempo o perde,de certa forma. Se a natureza porta em si os germes de sua superação, estes germes estão, contraditoriamente, na origem da infelicidade do homem. “A cultura nasce, portanto, da natureza do homem”. Em outras palavras, podemos dizer que nesse contexto clássico, o homem pertence ao estado de natureza, por seu corpo, isto é, o biológico; logo, pela ordem da necessidade. No entanto, ele parece só poder ultrapassar esse estado de natureza através do advento da razão e da liberdade que o fazem aceder à cultura.

Um outro respeitado filósofo, Claude Lévi-Strauss, dedicou-se a tentar definir um critério que permitisse distinguir rigorosamente o que é natural no homem daquilo que é cultural. O natural deve poder por definição obedecer a leis universais, enquanto que o cultural parece só poder ser instituído, a partir de regras particulares de funcionamento. Dessa forma, tudo que houver de universal no homem estará constituído pela sua natureza, e todo resto como produto da cultura. Para Lévi-Strauss, já que todo homem participa de uma cultura, a cultura só pode aparecer como sendo a única natureza do homem. Qual, então, será o substrato comum procurado?

1-) aquilo que define uma cultura.

2-) aquilo que, sendo universal, participa de uma natureza.

Para esse filósofo, é nas trocas matrimoniais que se consegue por em evidência o referido substrato comum. Nessas regras, existe sempre uma lei universal que é a da “proibição do incesto”. Essa lei constitui o critério rigoroso que permitirá separar a cultura da natureza.

Ainda nos dizeres desse autor, a proibição do incesto não é nem puramente de origem cultural e nem puramente de origem natural; ela constitui a trajetória fundamental na qual se realiza a passagem da  natureza à cultura. Podemos verificar que com essa precisão epistemológica, descobrimos a confirmação mais certa do caráter anistórico do pai. Admitamos a lei da proibição do incesto como sendo aquilo que permite distinguir estritamente o cultural e o natural no homem.

Verificamos que para que esta distinção seja aceitável, deve-se supor logicamente que possa existir um invariante natural e universal específico a todos os homens.

Através de certos aspectos, a teoria psicanalítica vai permitir, reintegrar o conceito de natureza no homem em conformidade com o critério antropológico. O substrato tão procurado pode ser como sendo  um substrato psicológico que manifesta sua expressão  mais significativa na ordem edípica. “O homem, com efeito, participa da natureza por sua inscrição incontornável na dinâmica edipiana que é fundamentalmente ordenada pela dialética do desejo em face da diferença entre os sexos.

O mito freudiano do pai primitivo se apóia na concepção darwiniana de “um pai violento, enciumado, guardando todas as fêmeas e expulsando seus filhos à medida em que fossem crescendo”. Os irmãos excluídos nem por isso deixam de se constituir numa força de oposição a esse pai despótico. Segundo Freud, sua união lhes permitia assim “realizar o que cada um deles, individualmente, teria sido incapaz de fazer”. Assim, condenam o tirano à morte, matam-no e o consomem no decorrer de um repasto canibalesco. Aqui podemos observar que através dessa conduta coletiva, cada membro, absorvendo um pedaço daquele que foi morto por eles, realizam a sua identificação com ele, apropriando-se cada um de  uma parte da sua força. O conteúdo ambivalente do complexo paterno, é o mesmo de nossos filhos e de “nossos” neuróticos.

Essa mesma ambivalência gerava um sentimento de culpa, onde o morto tornava-se mais poderoso do que jamais fora em sua vida.

O mito freudiano segue da seguinte maneira: “a necessidade sexual longe de unir os homens, os divide. Se os irmãos estavam associados quando se tratava de suprimir o pai, tornaram-se rivais desde que se tratou de se apossar das mulheres. Na verdade, cada um deles teria querido, a exemplo do pai, tê-las todas para si. E a luta geral acarretaria a ruína da sociedade. Não havia mais um homem que, superando os demais por seu poder, pudesse assumir o papel do pai.

Dessa maneira, se os irmãos quisessem viver juntos, só tinham uma coisa a fazer: instituir a interdição do incesto, pela qual todos renunciavam a posse das mulheres cobiçadas, quando era principalmente para assegurar essa posse que haviam assassinado o pai.

Quanto ao aspecto mítico, queremos fazer constar que este não escapou a Freud, tanto que desde as primeiras linhas de “Totem e Tabu”, ele nos diz: “tentamos, neste livro, deduzir o sentido primitivo do totemismo de seus traços e sobrevivência infantil, dos aspectos pelos quais ele se manifesta durante o desenvolvimento de nossos próprios filhos. As relações estreitas que existem entre o totem e o tabu parecem oferecer novas bases a esta hipótese; mas, supondo mesmo que esta se revele finalmente como inverossímel, nem por isso deixo e avaliar que ela terá contribuído, numa certa medida, para nos aproximar de uma realidade desaparecida, e tão difícil de ser reconstituída”.

No intuito de finalizarmos esse trabalho, cuja temática sempre se revela muito ampla, queremos estabelecer uma analogia entre o “banquete totêmico” e a “cerimômia de comunhão da igreja católica”. Quando os fiéis incorporam a representação simbólica do “corpo de Cristo”, este passa a vigiá-los desde dentro, levando-os na sequência a terem que se confessar por terem pecado por “pensamentos, palavras e omisões”. Assim, o mesmo Deus que santifica e purifica, vigia e condena. Se a incorporação de Deus como objeto idealizado é realizada por um lado, isso traz como conseqüência toda uma persecutoriedade posterior. Esse estado de coisas, nos leva a premissa existente em Psicanálise de que “todo objeto idealizado é extremamente persecutório”.
 
Bibliografia Auxiliar:
 
Freud, Sigmund —— “Totem e Tabu”.

Freud, Sigmund —— “O Ego e o Id”, sobretudo o Capítulo III.

Lévi-Strauss, Claude ——  “As Relações Elementares de Parentesco”.

Frazer, James George — “ O Ramo de

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