Segundo Ariès (1978), esta tradição de entregar o cuidado dos filhos a outra pessoa remonta a Europa do século 17, mesmo com os alertas dos educadores para que estes cuidados fossem feitos pelas próprias mães. Aliás, quanto mais alta a classe social, mais distante era o convívio das crianças com seus pais (MAUAD, 2000).
Isto significa que era algo bastante comum, filhos de senhores e de escravos conviverem juntos e compartilharem os mesmos espaços. Uma explicação para esta “trégua democrática” pode ser verificado por um comentário retirado da época: “estabelece-se entre eles uma familiaridade que, forçadamente, terá de ser abolida na idade em que um deve dar ordens, […] enquanto o outro terá de trabalhar e obedecer […] de forma a tornar o jugo da escravidão menos penoso” (JOHN MAWE, 1809, p. 91 apud LEITE, 1997, p.31).
Nesse meio tempo, os pequenos escravos serviam para entreter as senhoras e seus filhos. Contudo, a partir dos sete anos a classe social falava mais alta: os filhos dos senhores seguiam para os estudos e a dos escravos para o trabalho (DEL PRIORE, 2000).
A rotina das escravas parturientes não era menos penosa: em questão de dias após o parto estas já deviam retornar ao duro trabalho (SCARANO, 2000; CIVILETTI, 1991). Podemos nos perguntar: e quem cuidava destas crianças? Muitas tinham de permanecer amarradas junto ao corpo de suas mães durante o trabalho; outras, caso fosse necessário à venda da mãe, iam literalmente como um bônus; mas tanto no primeiro caso como no segundo podiam acabar sendo abandonadas, e isto geralmente era feito na Roda dos Expostos (DEL PRIORE, 2000).
A Roda dos Expostos teve origem nos antigos monastérios europeus. Recebeu este nome devido à roda que geralmente havia numa parte do muro, que separava os monges do restante da sociedade, por onde se podiam deixar doações. Com a miséria imperando nestes lugares, os pais logo viram nestes uma esperança de melhor cuidado a seus filhos. Por fim, as Rodas acabaram se disseminando por quase todas as colônias e transformou-se em verdadeiros depositários de crianças abandonadas (LEITE, 1997).
Outra alternativa aos cuidados destas crianças era a presença dos familiares, já que, necessitando a mãe voltar ao trabalho “o pequenino fica entregue a negras velhas ou a meninos de seis a sete anos, que lhes dão de comer” (ADÈLE TOUSSAINT-SANSON, 1851, p. 17 apud LEITE, 1997, p. 32).
Góes e Florentino, também salientam o amparo familiar deste período: este “incluía irmãos, primos, avós ou padrinhos que viviam fora do seu plantel” (2000, p. 185).
Referências:
ARIÈS, P. História Social da Criança e da Família. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.
CIVILETTI, M. V. P. O Cuidado às Crianças Pequenas no Brasil Escravista. Dissertação de Mestrado em Psicologia Social. Universidade Gama Filho. Rio de Janeiro: 1991. Disponível em: http://www.uff.br/. Acesso em: 16/01/2009.
DEL PRIORE, M. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000.
GÓES, J. R. de; FLORENTINO, M. Crianças escravas, crianças dos escravos. In: DEL PRIORE, M. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. P. 177-191.
LEITE, M. L. M. A Infância no Século XIX segundo memórias e livros de viagem. In: FREITAS, M. C. de (org). História Social da Infância no Brasil. Cortez Editora, 1997. p. 17-50.
MAUAD, A. M. A vida das crianças de elite durante o Império. In: DEL PRIORE, M. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. P. 137-176.
SCARANO, J. Criança esquecida das Minas Gerais. In: DEL PRIORE, M. História das Crianças no Brasil. São Paulo: Contexto, 2000. P. 107-136.