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A Arte do Aconselhamento Psicológico – Rollo May

 “A eficiência do aconselhamento depende de nossa capacidade de compreender o que os seres humanos realmente são”

Rollo May

Com uma escrita clara e objetiva, Rollo May, famoso psicanalista e desenvolvedor da chamada “Psicologia Existencial”, introduz suas experiências como terapeuta e conselheiro neste livro repleto de ensinamentos àqueles que pretendem se lançar no que ele com muita razão denomina de arte do aconselhamento psicológico. Em suma o aconselhamento vai derivar da própria capacidade do aconselhador em compreender seu aconselhando. Parece uma tarefa fácil, porém, com o caminhar de seu livro, que pode ser considerado um “manual da Psicologia Existencialista” existem diversos cuidados a se tomar.

Na primeira parte, que May denomina princípios fundamentais, é feita uma concisa descrição da personalidade. O autor descreve sua visão da personalidade entendendo-a como dinâmica, criativa e sempre contínua em desenvolvimento e desta forma possuindo diversas facetas. Contudo, o autor lembra que os aspectos elencados são separados somente por uma questão puramente didática, pois na realidade todas as dimensões da personalidade se interagem e se complementam num todo de forma que não se pode dizer onde uma característica começa e onde outra termina. Um indivíduo saudável é na verdade alguém integrado tanto socialmente quanto consciente espiritualmente, pois para o autor, o objetivo final desta arte é justamente a busca de uma adequada funcionalidade da mente do paciente (1982).

A liberdade é o primeiro princípio abordado. Sendo este um conceito bastante amplo, o autor coloca a liberdade totalmente entrelaçado a questão da responsabilidade. Um bom exemplo é do indivíduo neurótico. Este pode ser entendido como alguém desprovido de liberdade, independente dele aceitar ou não esta sentença. Nestes casos, uma das funções principais do aconselhador desenvolver a capacidade de encaminhar junto com o sujeito rumo à aceitação de sua parcela de responsabilidade sobre seu presente e, consequentemente, sobre seu próprio futuro, já que as pessoas neuróticas são frequentemente aquelas que tendem a possuir uma personalidade determinista da vida. Segundo o autor, “a saúde mental significa uma restauração do senso de responsabilidade pessoal e, logo, uma restauração da liberdade”(MAY, 1982, 19).

No segundo capítulo “a procura de si-mesmo”, May segue seu raciocínio elencando outro grande motivo de buscas ao aconselhamento: a dificuldade de se aceitar a si próprio, ou o que o autor chama de dificuldade de individualizar-se. Pessoas neuróticas sofrem de uma crise em suas funções mentais, de tal forma que não conseguem uma individuação satisfatória. Da mesma forma, a busca por um melhor ajustamento, constitui um importante passo no processo de sua saúde mental. Assim, um dos fins do aconselhamento é fazer com o que a pessoa aceite suas limitações, suas fraquezas e suas derrotas, o que também a levará a uma maior responsabilidade pelo seu próprio futuro. São diversas as razões da pessoa não encontrar a si própria, porém, o que importa é o papel do aconselhador no desemaranhar desta confusão. Este objetivo será alcançado quando o aconselhando conseguir aceitar e integrar as diversas facetas de sua personalidade. Destarte, “é função do aconselhador auxiliar o aconselhando a achar o seu si-mesmo verdadeiro e então ajudá-lo a ter a coragem de ser esse si-mesmo” (MAY, 1982, p. 29).

May (1982, p. 29) apud Adler (p. 31), nos informa que “[…] um ajustamento social significativo é básico para a personalidade, pois é necessário que a pessoa se mova dentro de um mundo constituído de outras pessoas” (p.30). Desta forma, outra importante questão diz respeito à capacidade de integração social. Devido às dificuldades que muitas pessoas possuem em se integrar socialmente, a personalidade precisa ser trabalhada dentro de seu contexto social. Este aspecto é fundamental, pois todo ser humano, definido como biopsicossocial, tem seu universo obrigatoriamente ecológico, ou seja, um sistema constituído de outros subsistemas, onde todos se inter-relacionam: “[…] o neurótico se caracteriza especialmente pela incapacidade que tem de relacionar-se com as outras pessoas e o mundo social” (MAY, 1982 apud ADLER, p. 31). Desta forma, outra função do aconselhador é auxiliar o aconselhando a aceitar sua responsabilidade social, auxiliando-o a livrar-se de seu sentimento de inferioridade e ajudá-lo a dirigir seus esforços para fins socialmente construtivos.

A quarta dimensão da personalidade a ser trabalhada dentro do aconselhamento é a tensão espiritual. Calcada nas noções existenciais, esta é definida pelo autor como a incapacidade que as pessoas têm de viver o mundo natural em conjunto ao mundo espiritual. Qualquer extremo destes, por exemplo, o ateísmo ou o fanatismo, pode ser dito como uma espécie de “fuga da realidade”, e desta forma, é identificado como indesejável, pois ficará uma lacuna na personalidade do indivíduo. Como as tensões e os conflitos existenciais sempre existirão, May afirma que o desejado é a capacidade de transformação dos conflitos destrutivos em produtos construtivos. Aliado concomitantemente ao problema da tensão espiritual se encontra o sentimento de culpa, que permeia a personalidade de muitos sujeitos neuróticos. May define a culpa como “a percepção da diferença entre o que uma coisa é e o que esta coisa devia ser” (1982, p. 38). Para o autor, este sentimento não é por si só ruim, pois é algo inerente ao homem, a não resolução e, consequentemente o enrijecimento deste é que é o verdadeiro problema. O sentimento de culpa é algo inevitável na personalidade, pelo fato do mesmo estar inseparavelmente ligado à liberdade, autonomia e responsabilidade moral (MAY, 1982). Assim sendo, outro papel do aconselhador é “auxiliar o aconselhando a livrar-se do sentimento doentio de culpa, ajudando-o a aceitar e afirmar corajosamente a tensão espiritual inerente à natureza humana” (p. 42).

A origem dos problemas de personalidade fazem parte da terceira e última parte deste livro. Após May levar o leitor a reflexão destas questões existenciais inerente a todos os seres humanos e mais graves conforme as neuroses de cada um, os capítulos seguintes descrevem um breve estudo de caso onde o autor discute sobre o sofrimento de um rapaz que passava por sérias dificuldades em integrar estas facetas de sua personalidade (liberdade, individualidade, integração social e tensão espiritual). May passa a explanar sobre a origem dos problemas da personalidade humana que para ele tem como núcleo central o ajustamento de suas tensões. Para tanto, utiliza a metáfora de que a “personalidade usa pontos do ambiente como pregos para fixar os extremos das linhas de tensão, que se iniciam às tensões internas de sua personalidade” (1982, p. 52). O ajustamento criativo destas tensões, então se faz necessário e é outra responsabilidade inerente ao aconselhador.

May acredita que os problemas referente a personalidade se estruturam quando o funcionalmente do indivíduo está atado, isto é, ocorre algum tipo de prejuízo ao ponto deste não conseguir se adaptar ao seu ambiente. Em conseqüência deste fato começam se acentuar os sintomas deste desajuste. Desta forma, “pouco adianta dizer simplesmente à pessoa que seja ela mesma, pois o problema é precisamente ela não saber quem realmente é” (1982, p. 24).

A clarificação dos problemas de personalidade é verificado pelo grau de ajustamento social do indivíduo. Quanto melhor integrado em seu ambiente, mais saudável é o mesmo. Sabemos que a “normalidade”, ou um “equilíbrio psíquico” é uma utopia, e é preciso que o indivíduo compreenda isto. Contudo, outro ponto importante a respeito da neurose do indivíduo é a criatividade, pois esta é a resolução necessária das tensões internas. Auxiliar estas pessoas que necessitam de ajuda “para que adquiram um ajustamento mais criativo é o trabalho do aconselhador” (MAY, 1982, p. 63).

Para que o aconselhamento alcance seus objetivos Rollo May destaca a empatia como a chave de todo o processo. A empatia é definida de várias formas, mas pode ser resumida como a fusão de duas unidades psíquicas, ou seja, “é o sentir ou o pensar de uma personalidade dentro da outra, até ser alcançado um certo estado de identificação” (1982, p. 67). Tal fenômeno ocorre em praticamente toda a comunicação humana, em maior ou menor grau, contudo, no relacionamento terapêutico constitui-se como algo vital. A capacidade de comunicar-se, ou seja, é o ponto central para que a empatia ocorra, e quando duas pessoas chegaram a certo grau de identificação pessoal vão automaticamente usar um modo comum de falar. Vale lembrar, que empatia somente ocorrerá satisfatoriamente, na medida em que prevalecer a verdade entre ambos.

Por último, mas não menos importante, May destaca a noção de influência para predomine o desenvolvimento da empatia durante o aconselhamento. Onde houver empatia estará ocorrendo certa influência e onde houver influência, espera-se a identificação de estados psíquicos. A influência ocorre em três níveis: a) a influência de idéias; b) a influência temporária da personalidade; e c) a uma influência geral profunda e permanente. Consequentemente aquele que possui um maior poder de persuasão, influenciará de forma maior o outro. Este fato, produz implicações importantes ao aconselhador, e que podem ser sintetizadas como a inconsciência deste fenômeno quando ocorre, a responsabilidade de quem detêm o poder influenciador, e a necessidade do aconselhador empatizar com o sujeito (MAY, 1982, p. 84).


Referências:

 
MAY, Rollo. A Arte do Aconselhamento Psicológico. Petrópolis: Vozes, 1982.

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