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A religião enquanto fenómeno Borderline – perspectiva psicodinâmica

Freud ( 1990 ) dedicou-se às questões religiosas, considerando ele que a religião fornece um alicerce indispensável à compreensão dos percursos civilizacionais. Este autor está marcado pelas incursões teóricas de Karl Marx e de Frederic Nietzche, em que o primeiro procura mostrar que a religião não é mais do que o " ópio do povo ", enquanto que o segundo, indo mais longe, proclama a morte de Deus.
Peguemos agora em Marx e na sua frase " A religião é o ópio do povo ".
Não entrando em debates politico-ideológicos, que poderiam emanar da frase de Marx, expressa acima, devemos tentar extrair algo de uma expressão que nos remete para um raciocínio que faz considerar que a religião é algo que é negativo para as pessoas e que é aditivo, ou mesmo contagiante, propagando-se entre as massas.

Como veremos, exemplos disto são a identificação histérica, presente no fenómeno religioso borderline, e a questão da consideração da religião enquanto um fenómeno borderline, com ou sem descompensação, com ou sem patologia.

Consideremos as características que fazem justificar um quadro borderline, particularmente as características psicóticas e neuróticas, e aplicá-las à religião.

Tem-se a clivagem do self com o mundo exterior, que, neste caso, se fará através da instância superegóica. Haverá uma clivagem entre a imago superegóica materna e a imago superegóica paterna.

A imago materna caracterizar-se-à pela idealização positiva, que faz com que haja o contacto e a propagação da religião, através da conhecida característica contagiosa do histerismo, lá está, mais característico nas mulheres, contágio esse efectuado através da identificação histérica. A imago paterna caracterizar-se-à pela idealização negativa, em que há a identificação com um Deus ( por exemplo, no Cristianismo ) a quem é devido temor e servidão, assim como também com características vingativas, como no caso de não se acreditar na fé religiosa, cuja consequência é o Inferno.

Nas características descritas, teremos a linha neurótica, que se vê claramente no medo de retaliação por parte de Deus, condenando o indivíduo ao Inferno, o que nos remete para a angústia de castração, tão característica da neurose. Como já vimos, a linha neurótica também está presente no histerismo com a sua identificação histérica.

É neste sentido descrito que se fará o contacto do self com o mundo exterior.

Este self estará ele próprio clivado, o que nos remete para as características psicóticas do quadro borderline religioso.

Por um lado, parte do self caracteriza-se pela idealização positiva, com necessidades afectivas efectivas, buscando satisfazer as mesmas, o que far-se-à pelo contacto e permanência das ligações religiosas, sejam elas sociais, grupais ou institucionais. Por outro lado, a outra parte do self terá características de idealização negativa, com medo de retaliação e caracterizada por sentimentos masoquistas de necessidade de castigo.

Pelo descrito, vemos as relações entre as idealizações positivas da imago superegóica materna e parte do self, em que a necessidade de satisfazer as carências afectivas se relacionam com a ligação e propagação religiosa. Também são indiciadas as relações entre as idealizações negativas da imago superegóica paterna e a outra parte do self, com as necessidades masoquistas de castigo ligadas à angústia de castração.

Por último, podemos dizer que as carências afectivas, na idealização positiva, estão mais ligadas às tendências depressivas, enquanto que a necessidade de castigo e a angústia de castração estão mais ligadas à ansiedade.

Bibliografia

Freud, S. ( 1990 ). Moisés e o Monoteísmo ( Tradução portuguesa ). Relógio d'Água ( Edição original: 1939 )

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