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Dor e Psicossomática

Para a Psicossomática o adoecimento não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem. É um modo peculiar da pessoa de expressar em circunstâncias adversas. É, como suas outras manifestações, um modo de existir, ou de coexistir, já que o homem não existe, coexiste.

Entrevista Concedida à revista Saúde: Dor e Psicossomática
24/03/09

Alaide Degani de Cantone
Psicóloga de formação Clínica, Hospitalar e Psicossomática. Coordenadora do CEPPS – Centro de Estudos e Pesquisas em Psicologia e Saúde Fone: 11 5054-3053 Site: www.cepps.com.br E-mail: [email protected] 

Na medicina tradicional, a dor está associada à lesão real ou potencial dos tecidos. O que significa dor, na psicossomática?

Para a Psicossomática o adoecimento não é algo que vem de fora e se superpõe ao homem. É um modo peculiar da pessoa de expressar em circunstâncias adversas. É, como suas outras manifestações, um modo de existir, ou de coexistir, já que o homem não existe, coexiste.A cada dia o ser humano se depara com situações que podem gerar sentimentos de alegrias bem como dor, sofrimento, abandono, desamparo e angústia e, diante disso, cada indivíduo vai se manifestar de forma peculiar diante da vida e do adoecer. Algumas dores chamadas de dores psicossomáticas, apesar de doerem no corpo físico e de ser bem real em termos físicos, nada têm a ver com o plano físico; pode até existir algum adoecimento no corpo físico, no entanto, essa dor psicossomática não está no plano físico – está na alma – é uma dor psicológica, emocional. Para delimitação do campo da psicossomática, torna-se necessário que se fale em três grandes áreas: 1) acepção (significação) mais restritiva: quando o distúrbio é acompanhado por alterações anatomoclínicas ou biológica objetiváveis (ex.: asma brônquica); 2) acepção num sentido menos restrito: engloba as manifestações puramente funcionais, sem lesão orgânica subjacente, resultante de distúrbios de certas funções vitais (ex.: certas constipações crônicas ou de certas hipertensões arteriais lábeis); 3) num sentido mais amplo: abrange a expressão somática das emoções (como a angústia) ou as manifestações somáticas dos distúrbios de humor.

Existe dor de alma?

O ser humano é uma unidade complexa onde seus aspectos físicos e mentais estão inseridos em um estado de interação simbiótica. Essa interação já era descrita por Aristóteles: “psique (alma) e corpo reagem um com outro, uma mudança no estado da psique produz uma mudança no corpo e vice-versa”. Dessa forma, podemos dizer que todas as doenças têm seus aspectos psicológicos; deve ser levado em consideração, não só a doença, mas todo o processo do adoecer. A patologia passa então a ser interpretada como algo que não está “funcionando bem’’ tanto em suas características físicas como mentais. Adoecer também é a expressão de um estado psíquico atípico como se o sujeito expressa-se através do soma (corpo) seus males psíquicos. As alterações emocionais estão presentes, antes e durante o curso da patologia, podendo estas alterações emocionais ser dos mais diversos cunhos, seja um sentimento de insegurança, retraimento social, dificuldade para expressar seus sentimentos sensibilidade afetiva muito aumentada, e capacidade de lidar com perdas e frustrações.Podemos assim então interpretar que a manifestação somática está interligada de maneira muito próxima à tentativa de manter o prazer, resgatar algo que se perdeu, que tem medo de perder ou na manutenção de algo em alguém que se quer para o futuro.Angústia e ansiedade designam um sentimento penoso de espera ou um medo sem  objeto; constituem um estado afetivo doloroso, desencadeado por um perigo imaginário, ou sinalizando-o, em geral inconsciente, o que distingue do medo, estado afetivo, diretamente ligado à ameaça representada por um objeto ou situação definidos.A angústia comporta uma modificação de uma ou várias funções vegetativas, segundo a predominância da excitação do sistema nervoso simpático ou do parassimpático. Dependendo dos casos, pode desencadear uma aceleração cardíaca, uma dispnéia, uma perturbação do trânsito intestinal, uma variação das secreções sudoríparas, salivares ou gástricas, do surgimento de espasmos musculares, etc.Mesmo quando a angústia é uma expressão essencialmente somática, ela permanece um fenômeno de característica acima de tudo afetiva.

A ansiedade se exprime a nível mental, somático ou misto. Os concomitantes físicos são mais ou menos ricos ou expressivos, dependendo de uma pré-disposição genética e de reações reflexas influenciadas pelo condicionamento, assim como de influências de elementos de natureza cultural e social.A capacidade de elaborar mentalmente um certo grau de angústia e de suportar a insegurança imposta por um sentimento de ameaça indefinível depende igualmente do modo de organização psíquica de cada indivíduo.Toda pessoa tem um limiar de tolerância para o desconhecido e para o sentimento de falta, correlativos da angústia, além do qual seus referenciais identificadores são abalados, podendo, assim, repercutir sobre o seu sentimento de integridade e coerência.A angústia leva, com efeito, à consciência dos órgãos ou funções, que se encontram habitualmente, em harmonia silenciosa. 

Emoção causa dor? Até que ponto? Se sim, como controlar as emoções para extingui-la?

Nos perguntamos sempre por que um conflito em indivíduos diferentes, ou no mesmo indivíduo, em momentos diversos de sua história, pode dar lugar tanto a modificações comportamentais, a um sofrimento puramente psíquico ou, enfim, a uma desorganização somática?Podemos dizer que o corpo expressa, “põe para fora” as emoções que por vezes escondemos de nós mesmos. Nosso corpo fala através de gestos, mímicas, contraturas, calor, tremor, dores de barriga, sustos, travamentos dos dentes, enfim, através de demonstrações físicas. Toda pessoa tem um limiar de tolerância para o desconhecido e para o sentimento de falta, correlativos da angústia, além do qual seus referenciais identificadores são abalados, podendo, assim, repercutir sobre o seu sentimento de integridade e coerência. A angústia leva, com efeito, à consciência dos órgãos ou funções, que se encontram habitualmente, em harmonia silenciosa.Para Pierre Marty, a melhor defesa contra as doenças para o organismo é o funcionamento mental, ou seja, os sujeitos que têm um bom funcionamento mental, são e forte, estão menos sujeitos a doenças graves, enquanto que aqueles que possuem um espírito negativista e um ego frágil, ou ainda que reprimem as representações mentais, têm uma maior tendência a adoecer com doenças graves.  

Há dores específicas causadas pela emoção?

O adoecer está intimamente ligado com a capacidade do sujeito lidar com suas emoções e sentimentos, a manifestação dos sintomas é um sinal de que algo não vem fluindo bem há algum tempo, esses sintomas a quebra dos seus limites em suportar e superar adversidades.A saúde é o equilíbrio dinâmico entre os diversos sistemas que compõem o ser. Qualquer alteração em um dos sistemas (psicológico, neurológico, endocrinológico ou imunológico), acarreta um desequilíbrio em todas a partes do indivíduo. O estresse continuado, ocasionado por um trauma não sobrepujado, mina o sistema imunológico propiciando o descontrole de neuro-transmissores cerebrais (entre eles a serotonina e a noradrenalina), causando depressão. As alterações emocionais estão presentes, antes e durante o curso da patologia, podendo estas alterações emocionais ser dos mais diversos cunhos, seja um sentimento de insegurança, retraimento social, dificuldade para expressar seus sentimentos sensibilidade afetiva muito aumentada, e capacidade de lidar com perdas e frustrações.Podemos assim então interpretar que a manifestação somática está interligada de maneira muito próxima a tentativa de manter o prazer, resgatar algo que se perdeu, que tem medo de perder ou na manutenção de algo em alguém que se quer para o futuro.

Dentre as sete dores que vamos detacar na reportagem (citadas acima), quais são mais presentes na psicossomática? O que isso significa?

Sabemos, atualmente, que as pessoas mais propensas a desenvolver doenças em reação ao estresse provavelmente são aquelas cujos sistemas imunológicos estão fragilizados em decorrência da impossibilidade de lidarem com suas adversidades. No entanto, apesar de cada vez mais atestarmos que as maiorias dos adoecimentos do corpo e da alma é gerada por conflitos psíquicos, não podemos rotular todo adoecimento como sendo de origem emocional. Com relação às dores de cabeça, garganta, peito, costas, abdominal, nas pernas e dores subjetivas (dores no corpo causadas, por exemplo, por depressão), sabemos que na maioria dos casos, essas dores decorrem diante de conflitos psíquicos, sentimentos de impotência diante das adversidades, conflitos nas relações interpessoais e, acompanhadas de sentimentos  inicialmente há que ser feito o diagnóstico diferencial para afastar-se os possíveis fatores externos / não psíquicos que poderiam causar tais tipos de dores.   

Por que a dor se manifesta tanto e de maneiras tão diversas?

Na realidade, todos nós tendemos a responder através de sintoma somático quando, em função de um traumatismo interno ou externo, o limiar de dor psíquica é ultrapassado, ou seja, todos temos, na expressão de Joyce McDougall, uma “potencialidade psicossomática.”Bion e Winnicott contribuem sobremaneira para a reflexão sobre o fenômeno do adoecimento psicossomático na linha teórica psicanalítica.Essa potencialidade psicossomática é apenas a confirmação de que todo o conflito psíquico estabelece um contínuo em relação à esfera fisiológica, conceito já enunciado por Freud, em 1900, quando afirmou que a mente é uma “efervescência” do corpo, e que toda atividade psíquica deriva, em última instância, de estimulação somática.Problemas graves surgem quando os afetos são radicalmente expelidos da mente e lançados no corpo, e a expressão psicossomática substitui a capacidade de sentir.Nesses casos, o sintoma físico ocupa o lugar da dor psíquica. Teremos, dessa forma, um indivíduo psiquicamente anestesiado ou desinformado sobre o universo de seus afetos e doente física e/ou emocionalmente. 

Existe como tratar a dor sem tratar o psicológico? Ou, nesse caso, o tratamento se torna paliativo?

As emoções falam através do corpo e dos sintomas. Não adianta tratar apenas com remédios uma série de sintomas inespecíficos enquanto o verdadeiro problema se encontrar no inconsciente da pessoa. O estudo psicossomático é uma possibilidade de se conhecer o paciente de forma integral, onde o sintoma é conseqüência de vários fatores, inclusive ou talvez principalmente, emocional. O adoecimento do ser humano é uma das formas de expressão quando ele se encontra no limiar do sofrimento. Cabe ao profissional da área da Saúde, buscar compreender essa forma de linguagem. Foi a única maneira que o paciente encontrou para dizer que  ele não está absolutamente, conseguindo lidar, com um  certo equilíbrio, com as situações difíceis da sua vida.

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