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O que é a Memória, como avaliá-la e como reabilitá-la – parte 1

Se pretendermos entender o que é a memória humana, primeiramente precisamos explicar de que paradigma de memória estamos falando e principalmente de qual memória queremos investigar. Podemos falar sobre o enfoque anatomo-funcional (paradigma médico: local no cérebro e respectiva função envolvida), do fenomenológico (paradigma psicológico: o que é lembrar, o que é esquecer, qual a diferença entre lembrar-se de um nome e de andar de bicicleta), e do enfoque conceitual (paradigma filosófico: definição formal da memória, o que é e o que não é memória). Portanto este passo de procurar entender o que é memória, como ela funciona, quais características são comuns quando ela falha, e que tipos de comportamentos são esperados de alguém que tenha uma lesão ou degeneração na memória, constitui o passo inicial para compreender as possibilidades ou as dificuldades que o Neuropsicólogo encontrará em seu trabalho tanto no momento da avaliação quanto na reabilitação da memória.

Pois bem, o primeiro passo que temos que dar envolve a necessidade de procurar definições conceituais do que chamamos memória. Para Luria (1981) memória pode ser entendida como o registro, a conservação e a reprodução dos vestígios da experiência anterior, registro esse que dá ao homem a possibilidade de acumular informações e operar com estes vestígios após o desaparecimento dos fenômenos que provocaram os mesmos, e afirma ainda, que todo o reforço dos conhecimentos e habilidades e a capacidade de aproveitá-los, pertencem à área da memória. Gleitman, et al (2003) acrescenta que além dessa capacidade de organizar idéias e acontecimentos do passado, e do armazenamento das experiências vivificadas diariamente, um fato essencial da memória é a sua capacidade de permitir a construção da vida com sentido do eu, integrando informações do passado remoto de nossa história, com informações do presente vivenciado, integrando de forma "online" (momento a momento) passado, presente e futuro.

A maioria dos cientistas concorda então, que um processo comum a memória seria a capacidade de adquirir, reter e recuperar informações aprendidas e que esse processo desempenharia entre outras coisas um importante papel na adaptação do individuo ao meio (Baddeley, 1986). Entretanto não podemos usar a palavra memória de forma simplificada, pois, o fenômeno é complexo e requer aprofundamento na compreensão. Uma importante pergunta que deve ser feita, diz respeito à uniformidade ou multiplicidade do fenômeno da memória; será que a memória que usamos para nos lembrar de colocar o despertador para ir trabalhar, para andar de bicicleta, ou lembrar o nome de uma pessoa envolve apenas um tipo de memória? Não!! Na verdade existem vários subtipos de memória que podem ser classificados quanto à sua duração (curto ou longo prazo), ao seu conteúdo (explícita ou implícita) e ainda subclassificações quanto ao tipo da informação (semântica ou episódica).

Quanto a duração:

a)      Memória de curto prazo

A memória de curto prazo é definida como tendo um espaço limitado de armazenamento, permitindo que o imediato seja guardado, podendo ser rapidamente esquecidos. Ex: O horário da sessão de um filme no cinema.

Segundo Cohen, 1997 (apud Bueno et al, 2004), para os psicólogos cognitivos essa memória é subdividida entre imediata e de trabalho; sendo a primeira a que se refere ao que é mantido na memória de forma ativa, que se não for recapitulada, dura cerca de 30 segundos, ocupando assim o fluxo do pensamento apenas no momento presente. Enquanto que, a segunda é "responsável pelo armazenamento de curto prazo e pela manipulação ‘online' das informações necessárias para a estruturação do pensamento, possibilitando uma interface entre linguagem, memória de longo prazo e ação (planejamento e solução de problemas). Ainda Bueno et al, (2004), postula que a memória de trabalho é um sistema integrado no qual o sub-sistema mais importante é denominado executivo-central, sistema esse que controla a atenção e o processamento de tarefas cognitivas. Os outros sub-sistemas são a alça fonológica e o esboço vísuo-espacial, que têm a função de armazenar informações acústicas e visuais respectivamente.
 

b)      Memória longo prazo

Caracterizada pela capacidade possivelmente ilimitada de armazenamento, permitindo que inúmeros acontecimentos, informações, lugares, sabores, etc., fiquem guardados por um longo período ou até mesmo pelo resto da vida. Ex: Quem descobriu o Brasil?.

 
Quanto ao conteúdo:

A memória de longo prazo pode ser dividida quanto ao seu conteúdo em duas formas: memória declarativa (explicita) e memória de procedimento (implícita).

a)      Memória declarativa: Segundo Bueno et al (1993), essa memória diz respeito à tentativa de recordar (conseguindo ou não), fatos, ou informações previamente vivenciadas, permitindo assim a associação de idéias, deduções e possíveis criação de idéias. É chamada de memória declarativa, pois diz respeito à lembrança declarada, ou seja, trazida à mente verbalmente ou como uma imagem.  A memória declarativa é dividida, quanto ao seu tipo de informação, em semântica e episódica. De acordo com Tulving apud Bueno et al, (2004), a memória semântica é a que possibilita o armazenamento de conhecimentos gerais, conhecimento impessoal dos acontecimentos do mundo (por exemplo: Quantos dias têm uma semana); já a memória episódica se refere ao armazenamento de um acontecimento especifico vivenciado, permitindo que o indivíduo se lembre dos momentos passados, recordando informações (ex: cor do vestido que você usou na sua festa de 15 anos).

b)      Memória de procedimento (implícita): É a capacidade de aprender gradualmente habilidades percepto-motoras ou cognitivas através da repetição da atividade. O bom funcionamento desta nos permite, por exemplo, resolver um problema repetido de maneira mais rápida, mesmo não se lembrando de tê-lo vivido anteriormente, é uma lembrança não consciente. E por ser implícita, essa memória só pode mostrar resultados através do desempenho de atividades cognitivas, motoras e perceptuais, nas quais o resultado do que aprendemos é exercido automaticamente (ex: andar de bicicleta, digitar no computador com as duas mãos).

Pois bem, feita a devida apresentação do modelo de memória para a psicologia cognitiva que acreditamos ser o mais interessante para o Neuropsicologo basear seu trabalho de investigação cognitiva e posterior trabalho de reabilitação, acredito que possamos assim ter sedimentado a base para o nosso próximo texto que trata das queixas de memória que se apresentam na clínica neuropsicologica.

 

Referências Bibliográficas

Andrade, V., Santos, F.,  Bueno, O. Neuropsicologia Hoje. São Paulo: Editora Artes Médicas Ltda, 2004

Baddeley A., D. Working memory. New York: Oxford University Press, 1986.

Gleitman, H., Friedlund, J., Reisberg, D. Psicologia. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

Luria, A., R. Fundamentos de Neuropsicologia. LTC Editora S.A., 1981

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