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A cidade dos corpos transgressores da heteronormatividade

A cidade dos corpos transgressores da heteronormatividade
Joseli Maria Silva
Departamento de Geografia – Universidade Estadual de Ponta Grossa – PR
Resenha: Mayck Djúnior Hartwig

Este texto explora as relações entre corpo, identidade de gênero e espaço problematizando a produção do conhecimento geográfico que tem, sistematicamente, contribuído para a ocultação e invisibilidade de pessoas que estão à margem das normas hegemônicas de gênero e que têm sido silenciadas na luta pelos direitos cidadãos.

Assim como vários outros grupos, como as drag-queens, drag-kings, transexuais, entre outros, as travestis são pessoas que transgridem a heteronormatividade, desalojando a pretensa ordem compulsória de organização binária dos corpos, das identidades de gênero, dos desejos e do espaço.
Este trabalho fala sobre a experiência urbana das travestis, pessoas biologicamentes masculinas e identidade de gênero feminina. As travestis são pessoas que se identificam com a imagem feminina, para isso usam adereços e transformam sua estética, transformando seus corpos, aplicando silicone, tudo para se situar dentro de uma condição agradável de bem estar bio-psico-social.
São seres que desafiam a ordem binária dos sexos, feminino e masculino. São representadas por sua beleza dos corpos e gestual. Este texto retrata a exclusão social que a travesti sofre, e sua interdição ao acesso a educação.

Existe uma grande produção hegemônica na sociedade e essas produções se impregnam de forma naturalizada na sociedade. Isso denota que as hierarquias sexuais precisam ser questionadas, a fim de que outras realidades sejam visíveis, e também, que não há linearidade entre sexo, gênero e desejo, pois as identidades instituídas de ilimitadas configurações entre estes elementos estão em permanente transformação e sempre abertas ao novo.

Gênero para Butler (1990) não é uma categoria fixa e pré-discursiva, mas se constrói por atos repetidos e estilizados pelo sujeito generificado. Portanto, o gênero é compreendido para além da mera representação de papéis a serem desempenhados por corpos de homens e mulheres sob a hegemonia da heteronormatividade, é uma complexidade permanentemente aberta.

A linguagem, segundo Butler (2004), constitui os sujeitos, também pela exclusão. A ciência, tem o papel de incluir o "indizível" na esfera de discussão, como forma a contestar a posição de poder de certos sujeitos que têm o privilégio da legitimação de suas expressões homofóbicas. A linguagem e suas formas de expressão devem ser desafiadas. É esse também o papel da psicologia, desnaturalizar esses pré-conceitos formados no âmbito social, e potencializar esses seres que sofrem exclusão, sendo impedidos de terem uma vida social que desejam.

Levando em consideração algumas falas que ouvimos no dia a dia, em relação aos homossexuais, lésbicas e travestis, podemos pensar, qual o lugar dessas pessoas no universo? Isso mesmo, socialmente essas pessoas não tem lugar no universo, o seu lugar é o espaço, fora de órbita, sem vida, sem direito a livre manifestação, a sua sentença é o inferno.

Podemos chamar a atenção ao fato de que as travestis sofrem mais tipos de perseguição social que qualquer outro grupo homosexual, isso se deve ao fato de que a aparência é muito mais nítica em uma travesti, seu corpo chama a atenção pelas formas e maneiras de se comportar. Logo, a perseguição a esse grupo é maior. Não existe lugar para a travesti. Por isso a travesti evita a saída durante o dia, e preferem a noite, porque as saídas durante o dia são muito mais penosas.

Os maiores sofrimentos rememorados pelas travestis, é a infancia, o âmbito escolar, onde sofriam perseguições por parte de outros garotos. A escola aparece como uma instituição que silencia a dor sofrida e legitima as normas e valores hegemônicos da sociedade heteronormativa, assim como a agressão aos seres que não se enquadram na ordem de gênero instituída. Os gestos e ações cotidianas expressam a mensagem de que o espaço educacional não os acolhe e isso impregna em sua auto-estima e acaba por produzir uma auto-imagem de ser anormal. Por sua vez, os educadores que possuem autoridade simbólica e poderiam mediar os conflitos que emergem, não estão preparados e também possuem valores e normas interiorizadas que são acionadas.

A escola produziu dor, desrespeito e colaborou decisivamente para produção de representações sociais negativas que apenas reforçam a violência e hostilidade que as envolvem.

Sendo assim, podemos questionar, de que forma a sociedade se constitui? Quem impõe os conceitos de normatividade que estão naturalizados no meio social?

O ser humano vive em grupos, isso é fato. Os grupos possuem diferentes formas de se comportar, inclusive ultrapassam os valores individuais de cada pessoa que ele constitui. Logo, surge uma divergência entre esses grupos, suas formas de pensar, de se comportar, e os grupos que mais sofrem esse tipo de opressão, se assim posso dizer, são os grupos chamados de "anormais". Tudo que é diferente precisa ser expulso do meio. Surgem então, as agressões físicas, psicológicas, e perseguições sociais, que são reforçadas pela religião. Se a norma é um heteronomia sexual, tudo aquilo que ultrapassar o limite binário do sexo, não deverá ser aceito. Isso se naturaliza de tal forma, que gera violência contra violência.

E a tão sonhada vida em sociedade, cai por terra! Que vida social queremos para nós? Até que ponto estamos vivendo socialmente, e até que ponto estamos invadindo o direito a vida do outro? É preciso reconhecer o outro nas suas diferenças, e acolhe-lo em todas as suas diversidades, só assim a sociedade será mais livre, e o mundo se tornará diferente! Será isso possível?

Referência

SILVA, Joseli Maria. A cidade dos corpos transgressores da heteronormatividade. In: GeoUERJ, 2008, vol. 18, p. 1-18.

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